Qual é o maior desafio de se filmar fé em tempos de intolerância como os de hoje? Emilio Gallo: É renovador perceber que a fé nos torna mais humanos e nos lembra o quanto somos humanos... e pequenos. A fé é o único sentimento que não acaba, o único que depende só de você. Não há interesses externos ou reciprocidades. Você pode cultuar o Deus que quiser: são vários, diferentes. Igual é somente o sentimento da fé. O desafio - não é só meu, mas de todos - é saber respeitar isso, admitir isso. Talvez essa seja a única forma de comunhão entre nós, nos dias de hoje.Como o .doc foi desenhado em relação à busca de personagens e ao retrato das manifestações religiosas? Emilio Gallo: Esse trabalho envolveu uma equipe muito grande, e foi desenhado na sua concepção pela Chamon Produções, em parceria com a Imagem Filmes, e a Patrícia, que é a produtora do filme, me deu essa oportunidade, e conseguiu reunir uma equipe muito comprometida com o projeto. Foi um trabalho sobre fé feito com fé. O roteiro já apontava alguns personagens, mas, como todo documentário bom de fazer, foi na estrada que muitos deles se revelaram para o filme... e nos impressionaram muito com seus exemplos e histórias. Apesar de termos feitos muitas reuniões de roteiro, pesquisas e estudos para o filme, ao final, foram os próprios personagens que nos fornecem o retrato contundente dessas manifestações religiosas.Sua obra é plural, mas tem uma alta voltagem de política. Onde esse .doc sobre os nossos padroeiros entra em seu coletivo de filmes, como diretor e produtor? Emilio Gallo: Fé e política são inseparáveis desde que nos conhecemos como sociedade. Este ano, estou completando 35 anos como jornalista e documentarista. Seria muita ingenuidade de minha parte achar que a fé é a salvação coletiva: ela é individual, apenas, e ponto. É de cada um. O problema começa quando você quer impor ao outro um sentimento e um entendimento que é seu. Não existe verdade absoluta no que é subjetivo. Muitas vezes você se une a um grupo e pensa que são iguais a você, e, se não conseguir perceber que o que existe ali são interesses semelhantes, estará cada vez mais longe de compreender o que é a fé de verdade. No fundo, acho que todos os meus trabalhos estão calcados na fé do homem... ou no homem.Quais são seus próximos projetos? Emilio Gallo: Estamos finalizando o longa documentário "Jorge, O Padroeiro Guerreiro", sobre o São Jorge e seus fiéis seguidores. O projeto foi feito pela mesma equipe deste longa que levo a Petrópolis. Temos um carinho imenso por esse novo .doc. Se existe um personagem que, inegavelmente, é respeitado por todas as correntes religiosas é São Jorge, e a devoção a ele é muito emblemática e surpreendente. Estou preparando ainda, como produtor, para 2020, o documentário "Roberto Ribeiro - Eu também já fui rei", que marca a estreia na direção de longas de Bruno Quintella, filho do saudoso Tim Lopes. Logo em seguida, ainda com o Bruno, estarei dividindo a direção de "No Tempo da Noite", sobre a vida surpreendente do jornalista Irineu Marinho.
p.s.: Na madrugada de sábado para domingo, a TV Globo exibe, às 2h30, o brilhante "Mr. Turner", de Mike Leigh, que deu a Timothy Spall o prêmio de melhor ator em Cannes em 2014.