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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

'Propriedade' promete eletrizar Berlim

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Malu Galli vira refém de um grupo de trabalhadores rurais humilhados por seu patrão no longa de Daniel Bandeira  

Rodrigo Fonseca Depois de conquistar o troféu Redentor de Melhor Montagem no Festival do Rio e a láurea de Melhor Direção no Fest Aruanda (na Paraíba), o thriller pernambucano "Propriedade" parte para a Europa, com a promessa de eletrizar a Berlinale neste sábado, na mostra Panorama. Já pipocam as mais inusitadas analogias entre ele e seu conterrâneo "Bacurau" (2019), laureado com o Prêmio do Júri em Cannes. Que filme precioso (e preciso) é o novo exercício autoral de Daniel Bandeira, que pode deixar a Alemanha com uma láurea de júri popular. Há um rebuliço na imprensa acerca de seu futuro comercial no Velho Mundo e nos EUA, uma vez que se trata de um suspense arrebatador. Há uma forte expectativa pelo filme mesmo num momento em que as telas germânicas andam encantadas por "Blackberry", comédia canadense dirigida por Matt Johnson, sobre a criação dos smartphones, que concorre ao Urso de Ouro. Em junho de 2022, Bandeira conseguiu "desengavetar" seu primeiro longa, que ficou anos a fio (15, pra sermos exatos) na fila dos Sem Tela: "Amigo de Risco", exibido pela primeira vez em 2007. Na trama, o malandro Joca (Irandhir) nunca foi flor que se cheire e, por isso, teve de sair do Recife. Mas, baixada sua poeira, ele está de volta. E resolve celebrar com os parceiros do coração: Nelsão (Paulo Dias), garçom cheio de dívidas com agiotas, e Benito (Rodrigo Riszla, uma força da natureza), funcionário bovino de uma gráfica. Um reencontro regado a cevada abre precedentes para sonhos, projetos e inquietações entre eles, até que Joca, numa visita a uma boate, passa mal e desmaia, sob o vetor de um certo pó branco em suas vias nasais. Sem dinheiro, transporte ou comunicação, seus parceiros o carregam pela cidade deserta, onde cada esquina guarda surpresas... e o tal "risco" do título. Era um belo longa de estreia, mas nada que se compare à primazia de "Propriedade", um filme que a gente vê roendo as unhas.

Eis um filme que a gente vê roendo as unhas  

Com a promessa de contagiar Berlim com um debate sobre reforma agrária, Bandeira trabalha a ideia do que é "arriscado" não mais no plano urbano de uma metrópole, em deslocamento, mas, sim, na condição de inércia forçada de uma artista de classe social abastada acossada por uma multidão de pessoas que tiveram seus empregos reduzidos a pó. E isso num contingente rural. Malu Galli esbanja potência trágica no papel de uma estilista traumatizada por uma situação em que foi refém. Na luta contra os fantasmas do passado, ela se vê em frente a um novo perigo quando os trabalhadores da fazenda de seu marido (um sujeito sexista e usurário) fazem um motim em prol de seus direitos trabalhistas, mantendo-a recolhida em um carro blindado. É uma mistura de John Carpenter (no soberbo "Assalto à 13. DP", de 1974) com o Roman Polanski de "Cul-de-sac: Armadilha do Destino" (Urso de Ouro de 1966). Seu roteiro faz jus à natureza autoral de seu diretor, ao usar o tempo narrativo numa compressão absoluta, até um transbordamento no qual explode em horrores sociológicos. E Malu vira a melhor scream queen (diva do terror) que o cinema nacional já viu, com um visual à la Jamie Lee Curtis. Na autópsia em corpo vivo daquele quinhão do Nordeste, Bandeira dá aula sociologia regada a adrenalina. Há quem aposta em futuros prêmios para Malu com esse longa. Quem sabe não vem algo da Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica, a Fipresci, pra ele.

 

Vai ter Berlinale até o dia 26 de fevereiro. Até o momento ainda não há apostas acerca de um potencial favorito. O longa de Sean Penn sobre a Ucrânia, o documentário "Superpower", teve uma recepção beeeem azeda por parte da crítica. Espera-se que a passagem de "Ingeborg Bachmann - Journey Into the Desert", de Margarethe von Trotta, neste fim de semana, mude esse qudro. Aos 80 anos, a diretora de diretora de "Hannah Arendt - Ideias Que Chocaram o Mundo" (2012) segue fiel a seu cinema biográfico e escala Vicky Krieps para interpretar a escritora e poeta austríaca Ingeborg Bachmann (1926-1973, autora de "O Tempo Adiado". Seu lema: "A verdade é razoável para o homem". Já existe uma torcida alemã formada em torno de uma atração da mostra Geração: "A Greyhound of a Girl", que Enzo d'Alò filmou com produção de Luxemburgo e da Itália. Nunca Berlim abriu-se tanto aos filmes animados como se vê em 2023. Uma das apostas do setor é este drama afetivo, feito em coprodução com a Itália, com base num romance de Roddy Doyle. Na trama, a menina Mary vai embarcar numa reeducação pela pedra, em seu processo de amadurecimento, ao notar que há algo de grave com a saúde de sua avó. Outro título já badaladinho é "Kill Boksoon", de Byun Sung-hyun, da Coreia do Sul. Esse periga ser o filme mais pop de Berlim este ano. É um thriller de ação à moda "Round 6". Sua trama acompanha a dupla jornada de Gil, vivida por Jeon Do-yeon, atriz laureada em Cannes, em 2007, por "Sol Secreto". Ao mesmo tempo em que gasta energia cuidando de sua filha "aborrescente", ela se desdobra em contratos nada simples de empreitada em sua profissão não oficial: matadora de aluguel. A decisão de não cumprir uma dessa missões faz dela um alvo.

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