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Susanna Lira, o retrato de uma cineasta talentosa pra 'cacildis'

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Em "Mussum, um filme do cacildis", Susanna Lira aborda a trajetória do sumbista e trapalhão da Mangueira  Foto: Estadão

Rodrigo Fonseca Laureada com o troféu Redentor de Melhor Direção de Documentários do Festival do Rio 2018 por "Torre das Donzelas", que estreia em maio, cercado de elogios em várias línguas, Susanna Lira virou um sinônimo raro de "quantidade = qualidade" no cinema brasileiro: sua prolífica produção de longas e séries trilha uma progressão crescente (e surpreendente) de excelência. Laureado com o Prêmio Especial do Júri do Festival de Brasília, "Torre..." - comovente registro do reencontro de ex-presas políticas, entre elas a ex-presidenta Dilma Rousseff - é seu filme de maior prestígio, até o momento. Mas, em termos de popularidade, "Mussum: Um filme do cacildis", que lança no dia 4 de abril, centrado na trajetória do sambista e trapalhão Antônio Carlos Bernardes Gomes (1941-1994) , periga se tornar o .doc de maior bilheteria do ano no país. E o fôlego de Susanna não acaba: nesta terça-feira, a diretora vai apresentar um de seus melhores filmes, "Damas do Samba", no Sesc Carmo, em SP, às 17h.

A cineasta carioca trabalha com .docs há 15 anos e tem, hoje, uma das carreiras mais sólidas do país na seara do Real, com planos de estrear nos longas de ficção  Foto: Estadão

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Confira, no papo a seguir, um pouco das reflexões estéticas de Susanna:

Você hoje é uma das mais prolíficas (e mais consagradas) documentaristas do país por várias razões, a começar pelo ecletismo. Onde Seu Antonio Carlos Bernandes, o Mussum, entra nessa tua diversidade?Susanna Lira: Meu primeiro filme foi sobre o Zé Bonitinho. Tive vontade de entender como era a vida de um ator que passou a vida conhecido apenas por um personagem. Foi incrível narrar a vida de um comediante. Depois fiz uma série de filmes voltados para a questões de gênero e direitos humanos. Há quatro anos uma amiga das antigas me propôs fazer o "Mussum: Um filme do cacildis". E, na hora que ela me deu a sugestão, eu me lembrei do quanto os Trapalhões foram importantes pra mim. Minha mãe não tinha muita grana para levar a gente para eventos culturais, mas fazia questão de nos levar à Cinelândia para ver  todas as estreias dos Trapalhões. Isso me marcou profundamente, porque foram os meus primeiros contatos com o cinema. Então, realizar esse filme é também voltar um pouco para minha infância e para meus primeiros sentimentos em relação a grande tela do cinema.

O que existe de mais poético na trajetória pessoal de Mussum e o que ficou de mais lírico no seu recorte sobre ele?Susanna Lira: Antônio Carlos foi um menino negro pobre que não conheceu o pai, estudou num internato e, quando aprendeu a ler, ensinou para a própria mãe, que até então era analfabeta. Ele foi um sujeito surpreendente, pois deu uma virada fantástica na vida onde foi da Aeronáutica até o lendário grupo Originais do Samba, onde foi descoberto pelos Trapalhões. Apesar de esse ano completar 25 anos de sua morte, ele ainda é muito presente e se tornou uma figura constante nas redes sociais e na nossa vida. O maior presente que esse filme me deu foi a luxuosa e criativa companhia de dois gênios: Lázaro Ramos e Pretinho da Serrinha (que fez a primeira trilha sonora para cinema para esse documentário). Com certeza, esses dois talentos encheram o filme de poesia e lirismo.

O quanto "A Torre das Donzelas" mudou a sua imagem no planisfério do cinema? O que esse filme mais te ensinou sobre a condição feminina e sobre política? Estreia em...?Susanna Lira: Eu faço documentários há 15 anos. Luto muito para conseguir fazer cada filme e tenho uma equipe incrível que é um alicerce importante para mim. Eu me considero mesmo uma operária do audiovisual e confesso que nunca me importei com a minha imagem no planisfério do cinema. O "Torre das Donzelas" teve um reconhecimento muito importante nos festivais de Brasília, Mostra de SP e Festival do Rio. Foram sessões comoventes e ainda continuam sendo e espero que isso reflita nas salas de cinema quando o filme for laçado, em maio. Se o filme me ajudou a ter um reconhecimento maior aqui no Brasil eu fico feliz, mas meu objetivo é continuar filmando, pois preciso disso para viver e resistir. Em 2016, o Festival Internacional de Cinema Independente de Mar del Plata fez uma mostra com cinco filmes meus. Foi um momento em que parei para ver tudo que já tinha feito e me senti muito realizada, por estar ali, num país estrangeiro, recebendo um reconhecimento que nunca tive no Brasil. Semana passada, eu estive no Chile, com uma retrospectiva com seis filmes e, em junho, estarei no Uruguai, também com uma mostra de filmes. Recebo um carinho e apoio fora do país que aquece meu coração e me dá forças para continuar.  Ser acolhida por um mercado no qual eu trabalho há tantos anos também é fruto de uma teimosia e uma persistência em continuar fazendo. Nesse sentido, o aprendizado que tive realizando o "Torre..." sobre a condição feminina da mulher é muito grande. Temos que trabalhar muito mais e provar uma resiliência absurda. Mas essa luta é que dá sentido à minha vida.

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Em que novas frentes você vai atacar agora?Susanna Lira: Tenho projetos de documentários, todos bem diferentes um do outro, que vão entrar em produção em 2019,  mas a ficção é uma meta para os próximos anos. Ter criado e feito a direção geral de quatro temporadas da série de ficção "Rotas do ódio" foi muito importante para a consolidação de um sonho. Esse ano, vou dirigir uma série de ficção para o Canal Brasil e estou escrevendo novos argumentos de séries.

p.s.: Falando de grandes mulheres cineastas, a libanesa Nadine Labaki vai presidir a mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes .72 (14 a 25 de maio), colhendo os merecidos frutos que "Cafarnaum" ("Capharnaüm"), um dos melhores filmes da temporada de Oscars, trouxe para ela. Ano passado, ela deixou a Croisette com o Prêmio Especial do Júri, conquistado por essa melodramática produção acerca de um garotinho que processa os próprios pais por desamparo.

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