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Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião|Conversar ou ler, eis a questão que Lula, como o ‘supremo mandão da nação’, exige

Há, no Brasil, uma vexaminosa ausência de leitura em contraste com a presença perturbadora de ‘disse-me-disse’

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Na advertência-sabão que Lula III passou no seu vice e no ministro da Fazenda, destacando justamente os mais visíveis e passíveis de com ele competirem (se já não competem), o presidente salienta o contraste que intitula essa crônica - Conversas e livros.

Conversar ou ler, eis a questão que Lula da Silva – afeito a discursos imperiais e totalmente envolto no seu manto narcisista e glorioso –, como o “supremo mandão da nação”, exigiu.

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Leia menos, advertiu, converse mais! O justo oposto do que o Brasil mais carece.

A maioria dos comentaristas focou o pito revelador do mandonismo estrutural do nosso sistema de poder.

Um sistema no qual há um claro dualismo entre uma vexaminosa ausência de leitura, em contraste com a presença perturbadora de “disse-me-disse” e fake news, esse nome digital para o antigo fuxico semeador de intrigas e das “conversas fiadas”.

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Os livros remetem necessariamente à solidão, ao isolamento, à impessoalidade e, não custa repetir, à sabedoria.

Livros remetem ao isolamento e à sabedoria Foto: Felipe Rau/Estadão

A conversa, ao contrário, diz respeito a elos sociais e, no Brasil – onde todo mundo fala ao mesmo tempo –, ao “conversar”, esse gesto tem a intenção de harmonizar e combinar – essas dimensões básicas da “política” como conversa.

Como ocorrência particular, fechada e confidencial – “só conto pra você” – à exclusão do público. Esse “todo mundo” que caracteriza a democracia igualitária.

Lula III explicitou a política como uma prática de convencimento. De consensos e conluios como um estilo de governar, apelando para o segredo – essa marca das elites.

Segredo que, como ensinava Karl Jaspers, tem afinidades com o fascismo. Sem a oposição institucionalizada que conduz a mudança.

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A “conversa”, o “eu só posso falar pra você”, evidencia a hegemonia não politizada do personalismo que promove eternos retornos.

A “conversa” é o contrário do “bate-boca” revelador de sinceridades. A sinceridade dos livros no seu sagrado silêncio...

Se praticarmos “política” com “p” minúsculo, não há como discordar da advertência do presidente. Pois a conversa entupida de segredo é o cerne da governabilidade. Um estilo administrativo, como tenho aqui repetido à exaustão, relacional, personalista, circunstancial, hipócrita e oportunista.

Fazemos política conversando e não lendo.

Opinião por Roberto DaMatta

É antropólogo social, escritor e autor de 'Fila e Democracia'

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