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Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião|Isso é hora de falar em Winslow Homer?

O pintor, que conheceu o Caribe no século 19, pintou obras admiráveis, que nos fazem refletir

Atualização:

Sou um devoto do pintor americano Winslow Homer, que nasceu em Boston em 1836 e, em 1885, conheceu o Caribe, ficou fascinado por sua luminosidade e pelo seu mar e, em Cuba, Jamaica e Nassau, pintou obras admiráveis. 

Se você estiver interessado em conhecer os quadros de Winslow Homer, faça uma busca no seu computador. Não vai se arrepender. Tenho reproduções de quadros de Homer aqui em casa, porque cresci na Praia das Flechas de Niterói e sou igualmente atraído pelo mar e por suas representações. Tenho no meu quarto a reprodução de sua obra mais intrigante e famosa – The Gulf Stream (A Corrente do Golfo) – produzida em 1899.

Os oceanos turbulentos de 'The Gulf Stream' Foto: Wikimedia Commons

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Nela, vemos um barco à deriva. Sem mastro, vela e leme, a embarcação está à mercê de uma tempestade e prestes a emborcar. Mas, no seu frágil convés, há um negro seminu olhando em desespero para o mar; e, como se a tempestade não fosse ruína suficiente, o barco está cercado por tubarões famintos e ferozes. 

É uma cena intrigante e limite. Vendo o quadro, não há como não pensar na identidade do negro. Seria um escravo liberto ou fugido; ou – quem sabe? – um malfadado pescador como o velho Santiago, o cubano azarado (saloio ou panema), desenhado por palavras pelo escritor Ernest Hemingway na sua igualmente magistral parábola O Velho e o Mar?

Colocando lado a lado o jovem negro desesperado e sem rumo de Homer com o Santiago de Hemingway, não há como imaginar se Hemingway não foi buscar a inspiração para sua narrativa nesta cena de Homer. 

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Com uma diferença: o Santiago cubano de Hemingway é um pobre pescador solitário, surpreendido por apanhar um marlim tão poderoso quanto a tempestade que destrói o barco de Homer. Embora velho, Santiago luta com ele, mas, ao rebocá-lo para a terra, acompanha sua sorte se transformar em azar porque esses mesmos tubarões ferozes que cercam o bote adernado de Homer devoram todo o seu precioso e gigantesco marlim. 

Santiago reage como todos nós: ele aceita resignado sua sofrida perda e vai dormir sonhando com leões. Mas o futuro do herói de Homer leva a outras especulações e a uma outra dimensão do destino, pois o que testemunhamos é simplesmente o risco em estado puro. Dai o esplendor do quadro.

Esse risco que está neste jornal quando navegamos em mares incertos e abertos – os oceanos pré-eleitorais.

Opinião por Roberto DaMatta
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