Lembra do jogo das cadeiras? Um certo número de cadeiras era disputado por um grupo ao som de uma melodia. Quando a música era interrompida, cada jogador se sentava numa cadeira. Em cada rodada, porém, um assento era subtraído, obrigando o jogador sem assento a deixar a roda. No final, sobravam um vencedor e uma cadeira.
O “debate político” mostrou que cadeiras servem para simbolizar poder e, absurdamente, para tentar eliminar competidores. O episódio prova a força e a profundidade daquilo que nós, antropólogos sociais, chamamos de cultura ou estilo de vida. A cadeirada desnudou as dificuldades de uma sociedade hierárquica ante tentativas de operar, seguindo um processo eleitoral democrático - competitivo e igualitário - como o velho jogo das cadeiras. Um processo semelhante ao do esporte, do trânsito, da fila, estruturado pela concorrência livre e igualitária.
Veja o que acontece - diz o barão que permanece dentro de nós, “brancos letrados e politizados” - quando a gente deixa “todo mundo” disputar uma prefeitura tão importante como a de São Paulo. Num sistema social graduado, ouvir reacionários, hiperindividualistas agressivos sem nenhum compadrio político, ao lado do nosso batido elitismo revolucionário, é, para uma sociedade alérgica à equidade, um enorme risco. Sobretudo porque a nossa esfera política se define por esperteza, malandragem, mentira, corrupção, anistia e privilégio.
É complicado, como tenho reiterado neste espaço, competir num sistema no qual todos, como nos bons tempos da escravidão e do império, deveriam “saber o seu lugar!”
Quando a mentalidade hierárquica se confronta com a igualdade democrática, como ocorre no processo eleitoral, surge o particularismo do “você sabe com quem está falando?” concretizado numa cadeirada. A violência seria a resposta para os abusos verbais. A transformação do assento em tacape provaria quem seria mais “homem” numa estrutura social que mistura questões públicas cruciais com machismo de botequim.
E não pense o leitor que isso é simplesmente “falta de educação política”. É muito mais, pois ameaças verbais revelam o permanente poder das palavras, como acontece nas pragas, nos xingamentos, nas rezas. Insultos verbais como testes de virilidade têm tanta potência quanto os tiros morais em pleno Congresso Nacional, as armações de assassinato de opositores, ou simplesmente o aniquilamento da liberdade nos golpes - essas cadeiradas políticas coletivas.
O episódio exibe aversão à igualdade, ao lado de um hiperpersonalismo costumeiro que não pode mais ser confundido com a esfera política. Ele precisa ser trocado por programas em favor das cidades e do Brasil. Modernizar é ser capaz de dizer não aos particularismos das cadeiradas para jogar o jogo da igualdade. É ser capaz de dizer não a si mesmo em harmonia com o bom senso exigido pela cidadania.