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Coluna quinzenal do jornalista e escritor Sérgio Augusto sobre literatura

Opinião|Os primeiros dias da ditadura

Detalhes sobre a reação de nossa mídia ao golpe cívico-militar que completa 60 anos

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Foto do author Sérgio Augusto

Na única rede social que frequento, um seguidor solicita detalhes sobre a reação de nossa mídia ao golpe cívico-militar que hoje e amanhã completa 60 anos. À exceção da Última Hora de Samuel Wainer, a adesão da mídia à derrubada de Jango foi total. As manchetes viraram hosanas.

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O apoio do Correio da Manhã, que em sucessivos editoriais cobrara a renúncia do presidente, durou nove dias - até a edição do primeiro ato institucional (ou constitucional), em 9 de abril. A nascente ditadura só deixou de amofinar o valente matutino carioca quando este, financeiramente exaurido, sobretudo por pressões do governo, deixou de circular em 1974.

De todo modo, a complacência midiática não incomodou pouca gente e estimulou a jornalista Thereza Cesário Alvim a produzir um livro com textos antagônicos de duas dezenas do primeiro time do jornalismo e da intelectualidade, O Golpe de 64: A Imprensa Disse Não, editado em 1979 pela Civilização Brasileira, que tive imenso prazer de reler por esses dias.

Policiamento em Laranjeiras, no Rio de Janeiro, próximo à casa do presidente João Goulart. Foto: ARQUIVO/ESTADAO

Convocou-se um timaço: Alceu Amoroso Lima, Antonio Callado, Otto Maria Carpeaux, Rubem Braga, Sérgio Porto, Otto Lara Resende, Carlos Heitor Cony, Barbosa Lima Sobrinho, Joel Silveira, Moacir Werneck de Castro, José Carlos Oliveira - todos posteriormente molestados por censores e outros esbirros da ditadura. O que os golpistas batizaram, levianamente, de “revolução” e o debochado humorista Sérgio Porto, o mais lido da época, de “redentora”, Cony preferiu chamar de “revolução de caranguejo” (por só andar pra trás). Também a galhofa semântica estava apenas começando.

Até hoje a caserna golpista teima em referir-se ao putsch de 64 como “movimento” e eufemismos de comparável cinismo. O general Braga Netto, por exemplo, ainda um pirralho quando o general Mourão Filho precipitou a tomada do poder pela gorilada, aprendeu na AMAN, mesma alma mater de Bolsonaro, que o regime militar foi “um marco na evolução política do País”, balela em que só os mais fanáticos viúvos da “redentora” acreditam. Na verdade, foi só um março na involução política.

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Em seus primeiros contatos presenciais com a quartelada, Cony e seu vizinho de quarteirão e jornal, o poeta Carlos Drummond de Andrade, se encontraram por acaso numa esquina da Avenida Atlântica, onde, juntos, se espantaram com um grupo de recrutas (“gloriosos herdeiros de Caixas”, ironizou Cony) a montar uma patética barricada de paralelepípedos contra uma eventual reação inimiga. Estava oficiosamente inaugurado o Febeapá (Festival de Besteira que Assola o País).

Drummond gozou, de modo oblíquo, o besteirol “revolucionário”. Destacou a brevidade do texto do primeiro Ato Institucional, com quatro artigos e um parágrafo, comparando-o ao da Constituição do Estado Novo, a ditadura anterior, e seus 187 artigos. A redação, a seu ver, ficara ao menos mais concisa. “Salve o estilo!”, louvou o poeta.

Opinião por Sérgio Augusto

É jornalista, escritor e autor de 'Esse Mundo é um Pandeiro', entre outros

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