Sete tons de física: como um cientista levou seu livro de teorias a superar best-sellers eróticos

O cientista italiano que levou seu pequeno livro de teorias a desbancar até os best-sellers eróticos – e sem apelar à autoajuda

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Por Fabio de Castro
Atualização:

Físicos de alto nível estão acostumados a desvendar alguns dos mais complexos e misteriosos fenômenos da natureza. Mas dificilmente conseguem a façanha alcançada pelo italiano Carlo Rovelli: transformar em assunto atraente e popular temas áridos como a Teoria da Relatividade Geral, a mecânica quântica e as partículas elementares. Depois de publicar seu livro Sete Breves Lições de Física, no ano passado, Rovelli viu os exemplares sumirem das prateleiras como se tivessem sido engolidos por um buraco negro.

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Na Itália, o livro de apenas 78 páginas superou as vendas do best-seller 50 Tons de Cinza, com mais de 350 mil cópias, depois de 18 reimpressões. A obra já foi traduzida a 28 línguas e está entre as mais vendidas nos Estados Unidos e na Inglaterra, feito raro para obras que não são escritas em inglês. Com tal sucesso no mercado mundial, a editora Objetiva, que lançou o livro de Rovelli no Brasil no fim de 2015, decidiu repensar a estratégia de marketing da edição brasileira.

Rovelli conta que o fenômeno de vendas, no início, o deixou mais intrigado que as espinhosas questões de seu campo de pesquisa: a gravidade quântica. “Foi uma surpresa enorme. Quando comecei a tratar com meu editor italiano, falávamos em 3 mil cópias”, disse ao Aliás.

  Foto: DIV

Apesar da surpresa, Rovelli, que é professor de física na Universidade Aix-Marseille, na França, também tem suas teorias para explicar a popularidade. “As pessoas são mais curiosas sobre a ciência, a origem e o funcionamento do mundo, do que imaginamos. E, um pouco por acaso, o livro encontrou uma forma de falar com todo mundo.”

O segredo de Rovelli se apoia em aliar o domínio de seu campo de conhecimento ao interesse por filosofia, arte, história. Como pesquisador, ele foi capaz de manter no livro o rigor científico. Como humanista, distanciou-se de discursos muito técnicos. “O livro oferece uma visão simples do mundo, que é compatível com a ciência. Mas, ao mesmo tempo, não é frio. Há espaço para paixão, fascínio, emoção e beleza na física.”

Beleza é justamente a característica que Rovelli atribui à Teoria da Relatividade de Albert Einstein, da qual trata o primeiro capítulo do livro. “É a mais bela das teorias, por sua extrema simplicidade e clareza.” No texto, ele conquista o leitor ao narrar a emoção que sentiu ao compreender pela primeira vez a teoria que revolucionou nossa noção do espaço e do tempo – no fundo, é simples: a gravidade não era uma “força” de atração entre os corpos, como se pensava, mas uma “deformação no espaço-tempo” provocada pela presença de objetos com massa. A maçã cai porque o espaço se curva com a gravidade da Terra. “Era como se um amigo me sussurrasse uma extraordinária verdade oculta, e de repente afastasse um véu, para revelar nela uma ordem mais simples e mais profunda”, escreve Rovelli, em seu livro.

Ao contrário da relatividade, a mecânica quântica – tema do segundo capítulo – é obscura, com suas ondas que são partículas e vice-versa. “É um tema com muitos pontos de interrogação”, diz Rovelli. Se “a relatividade geral é uma pedra preciosa compacta”, a teoria quântica “ainda permanece envolta em um estranho aroma de desconhecimento e mistério”, como ele escreve. A obscuridade, no entanto, não impediu que essa teoria produzisse aplicações tão concretas como os computadores.

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Com o título “A arquitetura do cosmo”, a terceira lição se baseia em desenhos simples e esquemáticos, quase infantis, para mostrar o que a física sabe sobre o Universo em grande escala. A perspectiva é histórica: Rovelli mostra como a imagem que o ser humano tem do cosmo se transformou ao longo do tempo, da Terra plana da antiguidade à consciência de um Universo que se expande sem parar há 13,7 bilhões de anos.

Da imensidão do cosmo, Rovelli passa ao infinitamente pequeno na quarta lição, sobre as partículas elementares que compõem a matéria. Ele tenta desconstruir a ideia de que as partículas são pequenos tijolos, como pensavam os autores da mecânica positivista. Elétrons, quarks, fótons, neutrinos e “novas” partículas como o bóson de Higgs “vibram e flutuam continuamente entre o existir e o não existir” – quem diz que não é sexy? –, combinando-se como “um alfabeto cósmico para contar a imensa história das galáxias, das montanhas, dos campos de trigo, dos sorrisos dos jovens nas festas...”

A especialidade de Rovelli é o tema da quinta parte do livro: a gravidade quântica, que nada mais é que uma tentativa de harmonizar duas teorias até agora inconciliáveis: a relatividade geral de Einstein e a mecânica quântica. Sua previsão central (vamos lá) é difícil de conceber: o espaço não seria contínuo, nem divisível ao infinito, mas sim formado por “grãos”, uma espécie de “átomos de espaço”, bilhões de vezes menores que os núcleos atômicos. “É uma teoria que ainda não está estabelecida, estamos trabalhando nela.” O impacto prático da gravidade quântica é ainda imprevisível. Mas quando um jovem grupo de cientistas desenvolveu a física quântica, no início do século 20, ninguém poderia imaginar que resultaria no desenvolvimento – para ficar num só exemplo entre milhares – nos relógios atômicos que permitem a existência do GPS.

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A sexta lição trata de um tema ainda mais intrigante: a ligação entre o conceito de calor e a noção de tempo. “É o capítulo mais difícil, no qual mostro que o tempo tem a ver com a termodinâmica, que é a física do calor.” Sabemos que o calor de uma substância aumenta à medida que seus átomos se movem com mais velocidade. E sabemos que o calor flui sempre das coisas mais quentes para a mais frias. O que talvez não saibamos é que essa “direção” do calor é a chave da natureza do tempo. “Mostro em meu livro que, para distinguir passado do futuro, é preciso haver trocas de calor.”

Embora ele fale no título de sete “lições”, o último capítulo é mais uma reflexão sobre a humanidade – algo que atrai cientistas, de Isaac Newton a Stephen Hawking. “São considerações sobre como pensar este mundo, que é o nosso mundo, mas é muito diferente do que nos contam.” Podem servir, inclusive, para nos tornar mais livres. Por meio da física? Por meio do conhecimento. “Ser livre não significa que nossos comportamentos não sejam determinados pelas leis da natureza. Significa que eles são determinados pelas leis da natureza que agem no nosso cérebro”, ensina Rovelli.

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