Stanley Kubrick é tema de retrospectiva na TV paga

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Por Agencia Estado
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Jan Harlan tem seu escritório em Londres, mas conversou pelo telefone com a reportagem quando estava em Amsterdã. Irmão de Christiane, a viúva de Stanley Kubrick, ele é capaz de ficar falando durante horas sobre o cunhado que biografou no documentário A Odisséia de Um Cineasta. Conversa, efetivamente, mas pede que as perguntas sejam enviadas por escrito, para serem respondidas por e-mail. "Há muita controvérsia sobre Stanley: preciso ser cuidadoso ao falar sobre ele para não alimentar ainda mais as fantasias que se criaram sobre o meu amigo." Começa nesta quinta-feira, às 21h30, no Cinemax Prime, da TVA e DirecTV, uma retrospectiva de filmes do grande Kubrick. O primeiro é Dr. Fantástico e a programação prosseguirá, sempre às quintas e no mesmo horário, apresentando, pela ordem, até 16 de maio: Lolita, 2001, Uma Odisséia no Espaço, Laranja Mecânica, Barry Lindon, O Iluminado, Nascido para Matar e De Olhos bem Fechados. Faz sentido conversar com Harlan. Kubrick não era só o marido de sua irmã. Começaram a trabalhar juntos nos anos 60. Ele foi produtor executivo de vários filmes do ciclo. Acha que a obra-prima do artista é justamente Dr. Fantástico, mas revela: "Stanley achava que o melhor era De Olhos bem Fechados." Garante que não era só pela falta de distanciamento crítico; foi o último filme do diretor, que morreu antes da estréia. "Ele realmente gostava da sua odisséia sexual", diz. Foi em 1969, após 2001, Uma Odisséia no Espaço, que Kubrick pediu ao cunhado que trabalhasse com ele num projeto grandioso. Kubrick queria fazer o Napoleão definitivo, maior do que o do lendário Abel Gance, que Francis Ford Coppola restaurou e hoje desfruta a reputação de ser um dos grandes clássicos do cinema. "Stanley queria filmar na Romênia e a minha função era fazer a ligação entre ele e o Exército romeno, que daria toda a sustentação logística ao projeto." O filme nunca saiu, mas Harlan garante que existe um material riquíssimo que permite sonhar com a obra extraordinária que poderia ter sido. "Stanley escreveu um excelente roteiro e deixou centenas de fotos e desenhos que definem sua concepção do que deveriam ser as cenas de batalhas. Ele consumiu uma década inteira pesquisando para esse filme nunca realizado." Harlan concorda que se criou toda uma mitologia em torno de Kubrick: diziam até que não gostava de tomar banho. "Isso é ridículo; algumas dessas histórias são verdadeiras, a maioria não é. Ele não era um misantropo. Era um pessimista no seu olhar sobre a espécie humana porque achava que somos governados por nossas emoções mais do que pelo intelecto ou pelo conhecimento. Sempre disse que esse era o calcanhar de Aquiles da humanidade. Ao mesmo tempo, era bem-humorado e possuía um profundo respeito pela criatividade humana. Isso fazia dele um otimista. Acreditava no potencial do homem, mesmo convencido de que nunca poderia ser completamente concretizado. Era um perfeccionista e eu considero isso um cumprimento. Mas nunca exigiu dos outros mais do que exigia de si mesmo." Homem do dinheiro - Depois que o projeto de Napoleão foi abandonado, Harlan seguiu incorporado à equipe de Kubrick. Seu vestibular foi com Laranja Mecânica, "um filme brilhante". A partir de Barry Lindon, tornou-se produtor executivo. Em Laranja Mecânica, existe a famosa cena dos olhos de Alex que não conseguem fechar-se. Remete ao olho de Hal-9000, o computador de 2001, que tudo vê. A partir daí, os críticos gostam de teorizar sobre os temas do olho e do olhar em Kubrick. Mais do que uma obsessão, Harlan acha que esses temas interessavam a Kubrick como formas. "Seu foco estava concentrado na loucura humana, na nossa vaidade e na inveja que faz com que quase sempre sejamos dominados pelas emoções. Quando se deixa dominar pela emoção, o homem compromete sua capacidade de ser racional. Acho que Napoleão seria o veículo perfeito para demonstrar isso." Ele concorda que a palavra, sim, era um grande tema kubrickiano. "A linguagem é o instrumento mais importante para o homem, após a mente e a habilidade de pensar. Talvez seja o mais, porque temos de recorrer à linguagem para expressar nossos pensamentos. O verdadeiro ´eu´ de uma pessoa se expressa por meio das palavras. Stanley tinha um grande respeito por elas, procurava sempre a palavra exata, a frase exata, a entonação certa. Você pode dizer que isso era perfeccionismo. Talvez fosse mais: um sintoma da dificuldade, cada vez maior, que ele experimentava de ficar satisfeito consigo mesmo e com seu trabalho. Stanley queria sempre testar os próprios limites e ir além." Era por isso que Kubrick gostava tanto de De Olhos bem Fechados. Foi seu filme mais difícil de fazer. "Todos os espectadores tendem a considerar-se experts em tópicos como ciúmes e fantasias sexuais, uma coisa mais fácil de falar e até de escrever do que de mostrar na tela sem cair na vulgaridade e no excesso", diz Harlan. Kubrick gostava de dizer que o cinema é essencialmente montagem. "Ele montava pessoalmente seus filmes", diz Harlan. "Ficava meses fazendo isso e com o maior prazer. Tinha colaboradores brilhantes, cuja função talvez fosse provocá-lo e até contestá-lo, mas quem montava era ele." Festival Stanley Kubrick. No Cinemax Prime, às quintas, 21h30. Amanhã: Dr. Fantástico, de 1964, com Peter Sellers.

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