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Série ‘Pátria’, da HBO, põe o dedo na ferida feita pelo ETA

A 1ª série original espanhola da HBO revê as perdas causadas pelo terror num momento em que produções da Espanha se reinventam e viram sucesso

Por João Paulo Carvalho
Atualização:

MADRI - Quando Elena Irureta contou à família que seria uma das atrizes de Pátria, série sobre o grupo separatista basco ETA (Pátria Basca e Liberdade), seu cunhado ficou um pouco alarmado com o seu novo papel. “Entre amigos e familiares, ele presenciou a morte de quatro pessoas. Um deles, inclusive, levou um tiro bem na sua frente”, conta a atriz em uma ensolarada manhã de verão em Madri. A artista de 63 anos, conhecida por seus muitos papéis na TV, é uma das protagonistas da primeira e mais aguardada produção original da HBO Europa com participação da HBO Latin America, que chegará às telinhas em 2020.

'Pátria' estreia em 2020 e mostra que o ETA dividiu famílias e causou 853 mortes Foto: HBO

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Baseada no fenômeno editorial homônimo do escritor Fernando Aramburu, Pátria se desenvolve em três décadas em Euskadi (País Basco). Seus protagonistas – duas famílias divididas por causa do terrorismo – mostram como as pessoas comuns vivem no contexto de um conflito que, mesmo sendo local, tem elementos semelhantes aos de outros confrontos pelo mundo. A vida de Bittori (Elena Irureta) e sua família muda completamente no dia em que o ETA mata seu marido, Txato (José Ramón Soroiz), na porta de sua casa. As relações com a família da sua amiga Miren (Ane Gabarain), cujo filho Joxe Mari (Jon Olivares) milita no grupo, são cortadas.

O ETA, organização terrorista que lutava pela independência da região basca, no norte da Espanha, esteve em atividade entre 1959 e 2011. Somente em 2018, o grupo anunciou sua dissolução. Os atentados do ETA começaram no regime ditatorial de Francisco Franco e ganharam ainda mais força nos anos de democracia. O ataque mais sanguinário aconteceu em 19 de junho de 1987, na gestão do presidente socialista Felipe González.

Três terroristas explodiram um carro que destruiu o primeiro andar do estacionamento de um centro comercial de Barcelona e deixou 21 mortos e 45 feridos. Segundo dados oficiais do Ministério do Interior da Espanha, em mais de 50 anos de existência, o ETA foi responsável por 853 mortes. A maior parte ocorreu entre 1979 e 1980, época em que a atriz Elena Irureta vivia no povoado de Zumaya, na cidade de Guipuzcoa, e estudava teatro em San Sebastián.

“A polícia me parava todos o dias. Sempre chegava atrasada às aulas”, conta Irureta. “Em Zumaya houve de tudo: de mortes por atentados terroristas a jovens torturados ou presos pelas forças de segurança do governo.”

A adaptação televisiva do romance de Aramburu tem oito episódios, todos escritos e produzidos por Aitor Gabilondo. Com direção de Félix Viscarret e Óscar Pedraza, Pátria começou a ser rodada na Espanha no início do ano e, ao contrário do que muitos imaginam, os trâmites para adquirir os direitos da trama foram obtidos com facilidade. Gabilondo foi quem negociou com Aramburu. “Ele me disse que a série deveria se chamar Mátria e não Pátria, já que a história era quase um western de senhoras”, brinca.

Produções da Espanha se reinventam e viram sucesso

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Há uma década, a TV aberta reinava no Brasil. Quase todas as séries importadas vinham dos Estados Unidos. As exceções eram algumas produções japonesas, que divertiam as crianças e adolescentes, e uma ou outra atração do Reino Unido.

O cardápio começou a mudar com o advento dos canais pagos. Embora a cultura americana ainda fosse majoritária na programação, foi ali que os brasileiros passaram a apreciar produções de outros países. Mas o melhor estava por vir. Os serviços de streaming como Netflix, HBO Go e Amazon trouxeram para o Brasil atrações dos mais variados lugares, como Índia, Islândia, Austrália e, claro, da Espanha. Em meio a esse aumento da oferta, a Espanha vem se destacando com produções que somam alto nível técnico e bons roteiros. 

O hit do momento é La Casa de Papel, que acaba de estrear sua terceira temporada na Netflix. Dona de um orçamento turbinado, com direito a gravações em países como Argentina, Itália, Filipinas, Tailândia e Panamá, a série, que em 2018 ganhou o prêmio Emmy Internacional na categoria de melhor drama e já tem a quarta temporada confirmada, narra a história de um roubo minucioso e ousado de € 984 milhões da Casa da Moeda, em Madri.

Outra produção que também recebeu os holofotes recentemente foi Merlí. Estrelada por Francesc Orella como Merlí Bergeron, a série catalã acompanha excêntrico professor de filosofia, que usa métodos nada convencionais para deixar a matéria que ministra mais próxima de seus alunos, começou de forma modesta, numa emissora regional, mas logo se transformou em um fenômeno de audiência em toda a Espanha.

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No total, foram 40 episódios, cada um deles abordando as ideias de um filósofo diferente. Adorado pelos alunos, Merlí, no entanto, tem vários opositores entre os professores. 

As três temporadas da série (de 14 de setembro de 2015 até 15 de janeiro de 2018), disponíveis na Netflix, também fizeram sucesso na América Latina. “É ótimo que o público brasileiro se interesse por programas não falados em inglês. O Brasil foi condicionado a achar que tudo que vem dos Estados Unidos é bom. Penso que há um preconceito muito grande com as produções de língua espanhola. Felizmente, as séries espanholas estão rompendo esta barreira. Agora o mundo precisa prestar mais atenção ao que vem do México, Argentina, Colômbia e Portugal”, opina o diretor Félix Viscarret.

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