Uma viagem de pai e filho entre imagens e poesia

O livreiro carioca Marcus Gaspariam reedita O Mergulhador, uma obra rara de 1968 em que Vinícius de Moraes e seu filho, Pedro, reuniram poemas do pai e fotografias do filho. Uma peça de colecionador que volta às prateleiras

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Por Agencia Estado
Atualização:

Em 1968, Vinícius de Moraes chegava de uma longa temporada nos Estados Unidos e estava em lua-de-mel seu filho Pedro, único homem entre suas quatro filhas. O rapaz, com 26 anos, era fotógrafo profissional (algumas imagens clássicas de Vinícius são dele) e envolvido até a raiz dos cabelos com a oposição ao regime militar. Viraram companheiros de farra e de trabalho e publicaram o livro O Mergulhador, com poemas do pai e fotos do filho. Foi um sucesso, mas os 2 mil exemplares tornaram-se raros, nunca tiveram reedição. Só aconteceu agora, por iniciativa do livreiro Marcus Gaspariam, que o lançou hoje na livraria Argumento. "Esse livro é importante porque, na época, fotografia era considerada uma atividade menor. Ainda não havia no Brasil um trabalho assim e o Vinícius, muito ligado a cinema e imagem, bancou a publicação", conta Gaspariam, que pretende ainda lançar um catálogo das fotos de Pedro de Moraes e outras publicações juntando imagem e poesia, para ele um casamento perfeito. "Vinícius e Pedro tiveram dificuldade para convencer a gráfica de que era preciso capricho na impressão. Eles nem sequer guardaram as matrizes e, para reeditar o livro, foi preciso refazer todo o trabalho." Pedro conta que o pai escolheu as fotos e deixou com ele a seleção dos poemas. Em comum havia o fato de serem dos anos 50 e 60, mas alguns poemas antológicos (Operário em Construção, Pátria Minha e Soneto da Separação) estão no livro, ao lado de imagens ainda hoje incomuns. Os exemplares foram numerados. Nos 50 primeiros, Vinícius escreveu a lápis o Soneto do Breve Momento e os outros foram só assinados pelos dois. Na reedição, Gaspariam incluiu o fac-símile dessa página e mudou duas fotos: a que precede O Incriado, foi substituída pela do filho de Pedro, Emílio, com a testa ferida, e a que antecede Balada do Mangue, traz a imagem inteira de uma mulher com os seios nus. "Essa foto vinha recortada, não dava para ver o que era. Eu era mais puritano e o dono da gráfica implicou com algumas imagens, achou-as violentas ou sem a qualidade que, na sua opinião, as fotografias deveriam ter", conta Pedro. "Apesar de o livro não ser especificamente político, reflete aquele tempo que vivíamos, às vésperas do AI-5, de muita repressão e contestação política." Pedro viveu intensamente esse período, pois sua mãe Tati, a primeira mulher de Vinícius (e, dizem, sua maior paixão) era feminista precoce e contra o regime militar, mas estava longe de ser uma mãe moderna. "Ele começou a fotografar ainda adolescente, mas a escolha do povo como tema foi conseqüência do período que viveu em Mato Grosso", conta Gaspariam. Aos 16 anos, Pedro apaixonou-se por uma garota de Ipanema que tinha 23 anos. Tati fez oposição ferrenha, ameaçou a moça de processo e, para dar fim ao romance, exilou o filho no interior. "Só me deixou voltar aos 21 anos, depois do Exército. Aí o romance tinha acabado, foi uma história sofrida", lembra Pedro. Com Vinícius, a relação só engrenou na adolescência. "Ele era péssimo pai e ótimo amigo, nunca foi chegado em criança", confessa Pedro. "Estava sempre viajando, mas quando cresci viramos companheiros para tudo. Ele me dava a maior força, mas eu tinha sempre que apartar suas brigas com as namoradas", revela. Gaspariam conta que teve o cuidado de reeditar o livro exatamente como em 1968, mas conseguiu mantê-lo num preço razoável (Editora Argumento, 108 páginas, R$ 70) apesar de não contar com patrocínio. Essa edição tem 3 mil exemplares e agora Pedro começa a trabalhar no próximo, um balanço de seus 40 anos de fotografia. "Eu me interessei por fotografar pessoas, mas prefiro que elas não posem, pois perdem a espontaneidade. A fotografia, para mim, foi uma forma de conhecer o mundo. Como não estudei, mal completei o segundo grau, quis aprender fotografando."

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