Vencedora do Pulitzer, Jhumpa Hariri encontra uma nova voz em italiano

Escritora escreveu seu último romance em italiano e agora o traduziu para o inglês

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Por Joumana Khatib
Atualização:

Os tradutores literários criam inúmeras analogias sobre seu trabalho. Alguns o comparam a uma interpretação teatral, outros como se fosse tocar num conjunto de câmara.

Jhumpa Lahiri preferiu uma descrição mais visceral em In Other Words, o primeiro livro que escreveu em língua italiana. O inglês era “um adolescente cabeludo e nauseabundo” ameaçando seu italiano nascente, ela escreveu, que ela embalava “como um recém-nascido”.

A escritora Jhumpa Lahiri Foto: Dan Callister/ Rex Features/Biblioteca Azul

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O livro relata seu exílio linguístico autoimposto: em 2012 ela e sua família mudaram para Roma onde ela aprimorou seu italiano. Durante anos, Lahiri renunciou ao Inglês, lendo e escrevendo quase exclusivamente em língua italiana. Antes de publicar o seu livro em inglês, em 2016, ela encomendou a tradução para Ann Goldstein, responsável por outras versões inglesas dos livros de Elena Ferrante, temendo que traduzir seu próprio trabalho contaminaria seu italiano.

Cinco anos depois, e retornando aos Estados Unidos, ela resolveu todas essas dúvidas. Esta semana, a editora Knopf lança seu romance Whereabouts, que foi publicado em língua italiana em 2018 com o título Dove Mi Trovo, traduzido para o inglês por ela mesma.

É o primeiro livro que a Knopf publicará traduzido pelo próprio autor. Mas isso não estava garantido.

“Eu apenas estava convencida de que o livro não deveria ser escrito em inglês porque não sabia dentro de mim de onde ele viria”, disse Lahiri numa entrevista por vídeo de Princeton, Nova Jersey, onde dirige o programa de escrita criativa da universidade. Apresentar um livro na Itália, “foi mais um compromisso formal com o texto”, afirmou ela. “Num sentido, seu livro fica exposto a uma leitura pública mais rigorosa”.

A ideia inicialmente a assustou, mas ao mesmo tempo “foi uma das coisas que me inspirou a aprender o italiano porque desejava conseguir falar sobre meu trabalho nessa língua”, disse a escritora, hoje com 53 anos. “Foi uma espécie de desafio final”.

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Essa recepção crítica, e aguardar um bom tempo depois da publicação inicial do livro, foi essencial antes dela iniciar a versão inglesa. Lahiri consultou a tradutora, Frederika Randall sobre o projeto, achando que poderiam colaborar na etapa final do trabalho. Mas quando analisou os primeiros esboços de Frederika, viu que “o livro poderia ser em inglês, e pensou: “talvez eu consiga fazer isto”.

Fãs da intimidade e detalhes de livros anteriores da escritora, como O Xará, Aguapés, vão se surpreender com Whereabouts. Lahiri nasceu em Londres de pais bengaleses, a família se mudou para os Estados Unidos quando ela era criança, e ela cresceu em South Kingston, Rhode Island. Muitas das suas histórias se baseiam na sua herança e a persistente sensação de ser uma outsider ou de identidades separadas. A antiga crítica do Times, Michiko Kakutani, na sua resenha do primeiro livro dela, que recebeu o prêmio Pulitzer, Intérprete dos Males, qualificou as experiências dos personagens como “um índice de um senso mais existencial de deslocamento”.

Whereabouts, ao contrário, é um livro austero, basicamente sem trama. Sua narradora é uma mulher romana, solitária - embora Roma jamais seja mencionada, que narra suas poucas excursões em breves capítulos. Lahiri oferece aos leitores sugestões da mulher na piscina (naquele contêiner de água cristalina sem vida ou corrente eu vejo a mesma pessoa com quem, seja qual for a razão, sinto uma ligação”), inesperadamente num tour guiado (Estou presa na farsa, participo dela, mas como um extra), comendo um sanduíche num playground (Enquanto eu como, meu corpo assa no sol que se derrama sobre meu bairro, cada mordida, uma sensação sagrada, me lembra que não estou desamparada”).

Outros personagens aparecem - sua terapeuta, sua mãe, um amigo, mas as interações reforçam o isolamento da narradora: “Solidão: ela se tornou minha ocupação”, ela diz.

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Alessandro Giammei, professor assistente de língua italiana na Bryn Mawr e ex-colega de Lahiri, foi um dos primeiros leitores das versões italiana e inglesa. Em Dove Mi Trovo, ele ficou surpreso com a elegância da linguagem e a precisão de Lahiri na escolha das palavras. “Você não consegue ler este livro sem mover sua boca em italiano”, disse ele.

Ao lado dos seus próprios escritos - "Whereabouts" é o terceiro livro que ela escreve em italiano, depois de Other Words e The Clothing of Books, publicado em 2016 -, Lahiri está ocupada com outras traduções e projetos de edição. Ela traduziu dois romances de um aclamado escritor contemporâneo, Domenico Starnone, e um dos livros foi finalista no National Book Award, e tem um terceiro para publicação no outono. Consternada com a falta de traduções de qualidade de alguns dos seus escritores italianos favoritos, ela editou e contribuiu na tradução de uma seleção de coleções de contos, incluindo trabalhos de Elsa Morante e Fabrizia Ramondino, que nunca foram publicados em língua inglesa.

“Para mim, tradução é metamorfose. É uma espécie de recriação radical da obra, porque você está recriando a língua para permitir que ela renasça”.

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E ela própria vem mudando, e os leitores sentirão a mudança na sua obra. Sara Antonelli, professora de literatura americana na Università Roma Tre e amiga de Lahiri, leu os livros dela em inglês. Mas ao ler em italiano “tive a impressão de que estava lendo um outro autor. Pareceu-me que a imaginação era diferente, a estrutura das sentenças também”.

Lahiri não é a primeira autora americana a viver e escrever em Roma: Henry James, Nathaniel Hawthorne, Ralph Ellison e Margaret Fuller foram expatriados por algum tempo. Mas, à exceção de Lahiri, “nenhum deles encontrou ali um lar, um novo lar, na linguagem italiana”, disse Antonelli em um e-mail.

Os leitores italianos valorizam a devoção de Lahiri pela língua e a protegem como um dos seus. "Nos lançamentos de seus livros, ninguém indaga: 'Jhumpa, porque em italiano?'”, disse Giammei e alguns leitores até estão preocupados com o retorno dela aos Estados Unidos e seus escritos em língua inglesa.

“A tradução, paradoxalmente, está tornando o italiano algo definitivo”, ele acrescentou, como se Lahiri estivesse declarando: “agora que me coloquei na posição de traduzir minhas próprias obras, sou realmente uma escritora italiana”. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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