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Análise|Simplificação e eficiência: avanços e desafios da regulamentação da reforma tributária

O trabalho conduzido em tempo recorde pelo Ministério da Fazenda é louvável, mas ainda há muito pela frente e é preciso cuidar para que não seja desconfigurado.

Após três meses de inédita cooperação entre Poderes Executivos federal, estaduais e municipais, que reuniu mais de 300 representantes em 19 grupos técnicos de trabalho, o Poder Executivo federal apresentou ao Congresso Nacional o primeiro projeto de lei complementar (PLP) para regulamentar a reforma tributária promulgada pela Emenda Constitucional 132/2023. O projeto disciplina IBS, CBS e Imposto Seletivo, além de detalhar a transição e os regimes diferenciados e específicos.

Com 499 artigos e 356 páginas, o PLP 68/24 tramita na Câmara e tem tamanho condizente com sua abrangência, afinal, substituirá toda a legislação de PIS/COFINS, ICMS e ISS, hoje dispersa em centenas de leis federais, estaduais e municipais. A extensão do PLP também se justifica pelas diversas exceções aprovadas na tramitação da PEC 45/19: enquanto as normas gerais de IBS e CBS são disciplinadas em 82 artigos, os regimes específicos e diferenciados ocupam 222 artigos.

Poder Executivo federal apresentou ao Congresso Nacional o primeiro projeto de lei complementar para regulamentar a reforma tributária Foto: ESTADAO CONTEUDO / ESTADAO CONTEUDO

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As disposições gerais do IBS e CBS estão alinhadas às boas práticas internacionais e à realidade brasileira. Base de incidência ampla, que engloba operações onerosas com bens e serviços; poucas alíquotas, fixadas a partir de referência estabelecida pelo Senado; incidência no local do consumo, determinado conforme a natureza da operação; e regras simplificadas de sujeição passiva, livres da substituição tributária.

O PLP detalha a não-cumulatividade do IBS e da CBS, introduz definições importantes sobre uso e consumo pessoal e o mecanismo de split payment, além de estabelecer prazo para o ressarcimento de créditos acumulados. A operacionalização dos tributos ainda será objeto de regulamentação infralegal.

O projeto delimita a cesta básica nacional de alimentos e os bens e serviços contemplados com reduções de alíquotas de modo restrito, o que segue as recomendações da literatura econômica e é essencial para que não haja aumento de carga tributária. O mecanismo de cashback, que se beneficiará de recursos tecnológicos já desenvolvidos no país, ficou bem desenhado e terá pisos mínimos de desoneração para famílias de baixa renda – regra que incentiva a competição federativa por mais desonerações para quem mais precisa.

Há pontos de atenção para os contribuintes, como a tributação de bonificações que não tenham sido destacadas em nota fiscal. A obrigação de destaque gera contencioso nos tributos atuais sobre o consumo e deve provocar debates no Congresso.

A incidência do Imposto Seletivo inclui veículos, embarcações, aeronaves, bebidas açucaradas e bens minerais, além de bebidas alcoólicas e fumígenos, os dois últimos já consensuados na experiência internacional. A tributação dos novos itens deve ser debatida e analisada à luz das evidências empíricas, já que iniciativas similares em outros países geraram controvérsias. Esse imposto é instrumento de política pública e deve sujeitar-se ao exame de necessidade, adequação e proporcionalidade.

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O trabalho conduzido em tempo recorde pelo Ministério da Fazenda é louvável, mas ainda há muito pela frente e é preciso cuidar para que não seja desconfigurado. O Congresso deve agora trazer a sociedade ao debate e usar o conhecimento da academia e do setor privado para aperfeiçoar o texto.

Análise por Breno Vasconcelos, Larissa Luzia Longo e Thais Veiga Shingai

Pesquisadores do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper

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