Como se sabe, o IPCA fechou 2021 com variação acumulada de 10,1%. Foi a terceira maior taxa dos últimos 20 anos, abaixo apenas de 2002 (12,53%) e 2015 (10,67%), tendo superado em mais de 6 ponots porcentuais a meta de 3,75% estabelecida para o ano e estourado em quase 5 pontos o limite superior de tolerância.
Além disso, as expectativas são de que esse teto será novamente ultrapassado em 2022 e de que, em 2023, a variação dos preços ainda ficará acima do ponto central do intervalo da meta. No mercado financeiro, poucos acreditam que a meta para 2024 (3%) será obedecida.
Em função disso, grande parte dos economistas e analistas do mercado financeiro insiste que o Banco Central (BC), independentemente do que ocorra com o emprego e a renda, deve elevar a taxa básica de juros (Selic) até que a inflação convirja para as metas, ou seja, 3,25% e 3%, em 2023 e 2024, respectivamente.

Será que essa é a receita de política monetária ótima? Não acredito que seja, embora nos meus mais de 40 anos como economista profissional, eu tenha deixado clara minha aversão à tolerância com a inflação.
Ocorre que toda política pública, inclusive a monetária, tem de ser avaliada levando em conta sua factibilidade, credibilidade, seus custos e benefícios.
Pesquisas acadêmicas recentes vêm pondo em dúvida o cânone de que o crescimento e o bem-estar social serão tanto maiores quanto menores as taxas de inflação.
Por exemplo, os economistas Abbritti, Consolo & Weber (Banco Central Europeu e FMI), usando modelagem sofisticada, argumentam que a taxa ótima de inflação, em termos de custos e benefícios econômicos e sociais, não é necessariamente a mais baixa possível. Estimam que, para a zona do euro, essa taxa seja muito próxima a 4%.
E as metas de inflação para o Brasil, estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, para este e para os próximos dois anos, por razões externas e domésticas, não são factíveis e, certamente, são inferiores à chamada taxa ótima.
Nos Estados Unidos há fatores estruturais, principalmente ligados ao mercado de trabalho, que muito provavelmente não permitirão que a inflação fique muito abaixo de 3%, em média, até 2024. E não se espere que o FED (o BC norte-americano) adote um choque monetário para lograr tal objetivo.
Hoje se sabe que manter a economia operando por tempo prolongado muito abaixo do seu potencial tem efeitos deletérios para o crescimento de longo prazo, porque causa destruição de capital físico e humano.
Isso também é ruim para a política fiscal, pois os grupos econômicos com maior poder de pressão em Brasília vão pedir, e certamente conseguirão, benesses à custa do erário.
Exigir que o BC faça a inflação brasileira convergir para a norte-americana, até 2024, apesar do nosso desajuste fiscal, da nossa cultura de indexação e da inflação importada, é dar murro em ponta de faca.
*Economista e diretor-presidente da MCM Consultores. Foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda