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Economista e diretor-presidente da MCM Consultores

Opinião|Proposta do governo para colocar em dia os precatórios tem erros e acertos

Alterar conceitos reduz transparência das contas públicas, mas substituir um passivo por outro não implica piora fiscal

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No afã de obter base legal para realizar gastos no ano eleitoral que se aproximava, o governo anterior, com a PEC dos Precatórios (EC 114/21), desrespeitou princípios fundamentais da gestão responsável das finanças públicas. Ao postergar unilateralmente o pagamento de obrigações decorrentes de sentenças judiciais transitadas em julgado, criou um espaço fictício no então vigente teto de gastos e cometeu calote, manchando a credibilidade do Tesouro Nacional.

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O espaço é fictício, pois nesses casos a despesa já ocorreu, e enquanto não for paga representa um passivo da União. Não é dívida mobiliária, mas já é dívida pública, o que dá no mesmo.

O que me parece inadequado é não ter incluído esse passivo relativo aos precatórios não pagos, que inclusive está reconhecido no balanço patrimonial da União, nas estatísticas oficiais da dívida pública geralmente acompanhadas pelos analistas.

Portanto, é meritória a intenção do governo de colocar em dia essas obrigações. Será necessário emitir títulos da dívida mobiliária para financiar esse pagamento, mas isso não tem a menor importância, porque esse passivo já existe, só que com outro nome.

Quitação de passivo cujo pagamento foi postergado no governo Bolsonaro deve ser, como o é por definição, neutra do ponto de vista fiscal Foto: Divulgação/Ministério da Fazenda

Contudo, não faz sentido a ideia de registrar na despesa primária apenas os valores do principal dessas obrigações (aparentemente sem correção pela inflação) e considerar como despesas financeiras o restante dos encargos. O resultado primário (RP) é um indicador imperfeito da gestão das contas públicas, dado que possui receitas e despesas não recorrentes e é influenciado pelo ciclo econômico. Mas é uma das bases do novo arcabouço fiscal.

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Além do mais, na própria receita primária já são incluídos encargos financeiros recebidos pela União por ocasião de recolhimentos de débitos fiscais atrasados, inclusive os decorrentes de determinações judiciais. A forma de apuração do RP tem regras claras, estabelecidas tanto internamente como pelos organismos multilaterais, e não deve ser alterada para acomodar ajustes específicos.

A quitação desse passivo cujo pagamento foi postergado no governo Bolsonaro deve ser, como o é por definição, neutra do ponto de vista fiscal. Não pode reduzir, tampouco aumentar, o espaço para os gastos públicos futuros dentro do novo arcabouço. Para tanto, basta registrar o valor total a ser despendido como gasto primário e alterar, no que for necessário para compensar tal pagamento, as metas de resultado primário anunciadas pelo governo.

Alterar conceitos fiscais já tradicionais sugere contabilidade criativa e reduz a transparência das contas públicas. Por outro lado, quem disser que a quitação desse passivo (precatórios não pagos) com sua consequente substituição por outro (dívida pública mobiliária) implica piora fiscal, fará com que o grande Luca Pacioli (1445-1517), o inventor da contabilidade por partidas dobradas, se mexa no túmulo.

Opinião por Claudio Adilson Gonçalez

Economista e diretor-presidente da MCM Consultores, foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda

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