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Prever alíquota e cashback na Constituição é igual tomada de três pinos, critica tributarista

Gilberto Luiz do Amaral, do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, diz que definir alíquota única com exceções fixas fere o sistema democrático; advogado questiona pressa para aprovar mudança que só deverá vigorar em 2033

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Por Célia Froufe (Broadcast)
Foto: Alex Silva/AE
Entrevista comGilberto Luiz do AmaralPresidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação

BRASÍLIA - O governo está sendo ingênuo se pensa que simplificar o regime tributário brasileiro é apenas travar alíquotas fixas, com poucas exceções, mesmo considerando a aprovação de um IVA dual pelo Congresso, segundo o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), Gilberto Luiz do Amaral.

Para ele, deixar que alguns setores, como o de tecnologia e segurança privada, tenham taxas máximas pode até beirar a “estupidez” por haver o risco de quebrá-los. “Vai haver questionamento jurídico de tudo que é sorte”, previu.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, ele se disse contrário a que definições de alíquotas ou menção ao cashback sejam incorporadas à Constituição, pois seriam “tomadas de três pinos que só funcionam no Brasil”. “O momento é de aprovar o IVA dual, e não falar em alíquotas. Esta é uma discussão adiante”, defendeu.

Além disso, Amaral se diz temeroso em relação a definições como estas na Constituição ferirem o sistema democrático e acabarem com o poder de novos governantes. “Dizer que a alíquota é única com exceções fixas fere o sistema democrático, pois este é um direito e um poder do governante”, afirmou.

Após tantos anos de expectativa pela aprovação da reforma tributária, ele também diz não entender a pressa agora. “Não há motivos para que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tente passar a reforma tributária na Casa apenas para cumprir sua promessa com o governo.”

Para Gilberto Luiz do Amaral, alíquota única acaba com o poder dos novos governantes em relação ao PIS e Cofins Foto: Alex Silva/AE

Acompanhe os principais trechos da entrevista com o presidente do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral:

Como o senhor avalia a reforma tributária que está no Congresso?

A proposta analisada na Câmara tem qualidades e também grandes defeitos. A principal qualidade é simplificar o sistema tributário brasileiro, que hoje é complexo. Nos tributos de consumo, há uma infinidade de alíquotas, base de cálculo, crédito presumido, muita complexidade e muitos tratamentos diferenciados. Buscar no IVA Dual uma simplificação tem essa qualidade, mas padece de um grande defeito: o governo e o (secretário extraordinário para Reforma Tributária, Bernard) Appy estão fazendo imaginar que isso vai se resolver com uma alíquota. E o relator ainda reduziu em 50% as alíquotas para alguns segmentos e produtos. O IVA sair de uma extrema complexidade para uma simplificação para alíquota única, com poucas variações, é uma ingenuidade.

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Mas como o governo lidaria com tantas demandas por exceções?

No mundo todo, há alíquotas diferenciadas. Ter alíquotas diferenciadas não é um problema, pois temos uma gama imensa de produtos que têm que ser diferenciados. Mas partir do princípio que apenas Saúde e Educação devem ter metade da alíquota...

E os alimentos?

Há essa questão. Quais alimentos deveriam ser beneficiados? Temos o in natura, o preparado e o industrializado. Imaginar que uma só alíquota vai resolver é uma ingenuidade. E como é que vai dosar? Dizer qual é mais importante? Arroz e feijão são mais importantes do que a massa, que já tem uma preparação? Todos são importantes. A mesma coisa acontece com medicamentos, em várias formas de apresentação. Tem os que são naturais, que são do extrato de uma planta, mas tem os químicos, biológicos... O oncológico é diferente do analgésico, então também há uma variação muito grande. Uma só alíquota também é ingenuidade neste caso, repito, porque isso é parte de uma política. Hoje temos medicamentos com PIS, Cofins e ICMS e outros não. Por quê? Porque é política pública, e remédios ganham e perdem relevância de tempos em tempos.

A Associação Brasileira de Supermercados, por exemplo, tem batido muito na tecla da cesta básica.

Colocar constitucionalmente que a alíquota será única e que alguns produtos terão metade da alíquota normal... Essa fórmula não vai resolver de jeito nenhum, pois vai gerar muito conflito. No caso de serviços, a tecnologia será taxada integralmente em 25% pela proposta do governo. Nenhum país desenvolvido do mundo taxa a tecnologia em 25%. Vai haver questionamento jurídico de tudo que é sorte. O que as associações estão alertando o governo e a Câmara é que temos que discutir melhor isso. Colocar alíquota na Constituição e privilégios constitucionais não vai resolver o problema. Teremos efeitos colaterais disso. Sou contra fazer menção de alíquotas na Constituição porque é uma discussão infraconstitucional. O que se deve colocar é que haverá um IVA federal e, como em muitos países, um IVA dual, sem problema nenhum. É até importante que se tenha. Do jeito que estão fazendo, é querer resolver todas as doenças com um único medicamento, por isso entidades estão alertando que isso não é simplificação. Simplificação é dizer que haverá um único tributo sobre consumo.

O secretário Bernard Appy já disse que quanto mais exceções, maior será a alíquota média. Como fazer?

A alíquota não é uma discussão Constitucional. Pode ter uma alíquota média, mas com uma discussão. No caso da tecnologia, que citei antes, é algo imprescindível. Sai da ingenuidade e vai para a estupidez. Serviços pessoais, a mesma coisa. O setor não tem os créditos que a indústria e o comércio têm porque o principal insumo é a mão de obra, que não gera crédito.

O governo promete fazer a discussão sobre a folha de pagamentos na sequência.

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A desoneração da folha, a própria indústria tem e não se está entrando nesse tipo de discussão agora. Só depois. Se fosse agora toda a tributação — e acho que deveria estar sobre renda, consumo, patrimônio — deveria ser mais longa do que a questão do IVA. O certo na Constituição seria: sobre o consumo haverá um IVA — com uma parte federal e outra estadual e municipal. É uma determinação: a alíquota será única, pois é ingenuidade achar que a discussão da alíquota vai entrar. Essa discussão vai ocorrer após a reforma tributária. Por que dizer que será única? Tem que se discutir. Os veículos vão ter alíquota única? Mas e os elétricos? E os que usam etanol? E se descobrem uma nova tecnologia? Outro ponto é a questão da segurança. Serão taxados pela alíquota plena, mas sabemos que a segurança pública é deficitária e vão sobretaxar a privada, então não vai ter incentivo para que as empresas procurem o serviço porque vai se tornar caro. E os planos de saúde? É melhor não ter isso no texto.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, prometeu ao governo que entregaria a reforma tributária antes do recesso.

Entendo que não é o momento. Vai passar na Câmara e depois joga para o Senado. Tira-se a competência de 513 deputados e joga toda a importância para os 81 senadores apenas para Lira dizer que ganhou e cumpriu. A reforma não vai entrar em vigor no ano que vem. Já se discute que será em 2033. O melhor é alongar a discussão e antecipar a sua entrada em vigor. Até porque vai ser uma briga enorme. Será necessário ter leis complementares para prever alíquotas, fundo de equalização, a questão da origem e destino e depois disso leis ordinárias. Daí vai bloquear no Senado, vai gerar muita discussão. Estados e municípios não vão aceitar assim. O momento é de aprovar o IVA dual, e não falar em alíquota. É uma discussão adiante.

O mesmo vale para o cashback?

Sim. Prever cashback em Constituição é... de jeito nenhum. Esta é uma atribuição do governo. O governo é que pode fazer política pública, como já acontece nos Estados. É uma política que está muito mais ligada ao Imposto de Renda do que ao IVA. São políticas de governo. Deveria estar na lei ordinária ou na complementar. Porque, pense: é obrigatório ter o cashback, mas quem vai receber? Qual vai ser a condição? Jogar na Constituição, é uma tomada de três pinos, só funciona no Brasil. Minha grande preocupação é com o comando constitucional.

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O que o senhor quer dizer com isso, de comando constitucional?

Colocar uma alíquota única acaba com o poder dos novos governantes em termos de PIS e Cofins. O PT já fez uma lista de medicamentos positivos e negativos. Funciona e não está na Constituição. Foi tão bem feita que nem o (ex-presidente Jair) Bolsonaro mexeu nisso. Dizer que a alíquota é única com exceções fixas fere o sistema democrático. Este é um direito e um poder do governante.

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