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‘América Latina está ressurgindo, após décadas perdidas’, diz presidente do BID

Para Ilan Goldfajn, expectativa é elevar potencial de empréstimos para a região em US$ 132 bilhões nos próximos dez anos; segundo ele, Brasil pode se tornar referência em financiamento climático

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Por Aline Bronzati (Broadcast)
Atualização:
Entrevista comIlan GoldfajnPresidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)

DAVOS, SUÍÇA - A América Latina está ressurgindo. Se antes a região era vista como fonte de problemas em momentos de crise, agora é considerada parte das soluções globais, em meio à urgência climática e à agenda verde, de acordo com o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Ilan Goldfajn.

Em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, Ilan destacou o ganho de importância da região e disse que a expectativa é elevar o potencial de empréstimos do BID em US$ 132 bilhões nos próximos dez anos, com um aumento de capital.

O Brasil, segundo ele, pode se tornar referência no desenvolvimento de um mercado regional para financiamento climático, caso os projetos já em andamento avancem.

Segundo Goldfajn, tanto México quanto Brasil estão crescendo mais do que se imaginava Foto: Hélvio Romero/Estadão

Veja abaixo os principais trechos da entrevista:

Davos foi palco de debates importantes no mundo, com o aumento das tensões geopolíticas, crescimento econômico baixo e incertezas quanto ao impacto da inteligência artificial. O senhor sai daqui com qual leitura?

O mundo foi melhor do que esperado em 2023. Todo mundo achava que ia ter recessão, o que não se confirmou. Acabamos 2023 com inflação em queda, perspectiva de recuo de juros, a economia não desacelerou tanto, então, a sensação é melhor. Tem uma tendência global de fragmentação com todos os conflitos globais. A pergunta que fica é como trabalhar isso.

Esse foi um tema principal do fórum... Reconstruir a confiança...

Reconstruir a confiança porque foi quebrada. O mundo está muito fragmentado. Há pouca confiança, muitos conflitos geopolíticos, países fazendo negócios com aqueles que são mais amigos ou estão mais próximos.

Muito tem se falado do fim da globalização e uma bifurcação no mundo, com o Ocidente de um lado e países que são ligados à China do outro. O senhor enxerga essa divisão?

Eu prefiro o termo fragmentação porque, talvez, não sejam somente dois lados, mas diversas iniciativas. O “nearshoring” (realocação da produção em países próximos ao mercado de interesse) fragmentou o mundo.

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E como o senhor vê a América Latina nesse contexto?

A América Latina tem uma posição até especial porque muitas consequências dessa situação a beneficiam. O México se beneficia do “nearshoring”. A corrida contra o aquecimento global beneficia os países que têm energia renovável, como o Brasil. Os conflitos também levantam uma questão importante sobre a segurança alimentar e, novamente, países como o Brasil surgem como opção. É um momento em que a América Latina está ressurgindo porque ela tem um papel especial nesse contexto global. Mas temos conflitos, guerras, divisões. Como recuperar a confiança?

As projeções para a América Latina melhoraram um pouco neste ano, mas ainda indicam um crescimento baixo da região.

Tivemos muitas décadas perdidas. Sempre as projeções sugerem que o ano que vem ou daqui a dois anos vai melhorar e esse crescimento nunca vem. Agora, estamos num período em que tanto México quanto Brasil estão crescendo mais do que se imaginava. Será que esse já é um sinal que a América Latina está ocupando um novo espaço, surfando nesse momento global? Pode ser. A América Latina é parte das soluções globais. O mundo está precisando da América Latina. Não é só mais a América Latina que precisa do mundo. Ficou uma coisa mais simétrica.

Como o papel do BID se encaixa nesse contexto?

O BID assumiu a presidência dos bancos multilaterais e regionais de desenvolvimento neste ano em um momento que se fala muito da reforma desses organismos. Estamos trabalhando com uma agenda global. Não é tão fácil porque o mundo exige muito e não tem dinheiro pra todo mundo. Mas, tem uma agenda de cooperação.

E como tem sido a interação financeira com os países?

O BID fez o maior swap de dívida do mundo com o Equador, US$ 1 bilhão, e agora todo mundo quer fazer. Foi uma troca da dívida velha por uma nova, com as garantias do banco. Do US$ 1 bilhão, metade dos recursos serão destinados a proteger Galápagos. Agora, Barbados quer um swap de dívida para proteger o clima, Panamá para saúde.

E em relação às mudanças climáticas?

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Tivemos furacão no Caribe e no México, incêndio no Chile, a pior seca em 100 anos na Argentina e no Uruguai. Foram vários eventos, e os países do Cone Sul demandando por uma rede de proteção para o aquecimento global. Então, desenvolvemos cláusulas nos empréstimos que, se o país é afetado por uma catástrofe climática, tem dois anos de carência sem pagar o principal da dívida. O país sofreu, não tem dinheiro, não tem culpa pelo evento climático, tem de gastar dinheiro e, nesse momento, a gente dá uma carência maior. Mas isso não é suficiente. Estamos trabalhando agora na cláusula 2.0.

O que seria?

É como se fosse um seguro para os países acessarem em casos de eventos climáticos em que o BID vai ajudar no pagamento do prêmio dessa opção. Então, teve o furacão, o país não precisa pagar nada por dois anos. Essa é uma novidade que ainda não instalamos. Estamos, agora, pedindo dinheiro para os países para reforçar o capital.

O senhor falou que os países estão demandando muito o BID. E o Brasil?

O BID ajudou o Brasil a estruturar os bônus verdes em uma missão de US$ 2 bilhões, e o País nos pediu ajuda para a questão cambial para financiamento climático. Estamos trabalhando para ver se conseguirmos avançar nisso. Pode ser inovador. Com a estrutura de juros no Brasil, sempre foi difícil fazer o hedge cambial de longo prazo e, então, você tem menos investimentos. Para aumentar o financiamento climático, precisa trabalhar esse risco. Se conseguirmos, não é uma questão do Brasil, é global. Está todo mundo falando nisso. O Banco Mundial e o FMI querem desenvolver mercados locais para isso. Se conseguirmos fazer algo no Brasil que dê certo, isso se espalha pelo mundo.

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E quando sai?

As equipes estão trabalhando de uma forma intensa. Minha equipe está no Brasil esta semana. Estão conversando com o Banco Central, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Estamos conversando com todo mundo para ver se as nossas ideias são viáveis. É a parte técnica. Temos de ver como vamos implementar.

Quando?

A ideia é o mais rápido possível. Não serão anos, serão meses.

E o potencial financeiro desse projeto?

O BID vai começar com US$ 2 bilhões no fundo de liquidez e US$ 1,4 bilhão no swap cambial. São US$ 3,4 bilhões que é o começo. Esses números perto do volume necessário, obviamente, é um pouco maior. Mas esse é o começo. Se ganhar uma dimensão global, o céu é o limite.

Os bancos não faziam esse tipo de trabalho antes?

Os bancos privados sempre pensam nisso e estão dispostos a fazer, mas é uma solução que é cara, o que significa que não evolui. No fim das contas, as coisas acontecem, mas em uma escala menor. O que está mudando hoje? A escala tem de ser muito maior dado o problema que a gente está enfrentando e o tempo que temos. Se você acredita em aquecimento global, e eu acho que tem pouco negacionistas hoje, o tempo está correndo contra. É a pontinha do iceberg que, se der certo, pode ser escalável.

O projeto de hedge cambial para financiamento climático é o foco de 2024? Alguma outra ação?

A gente tem várias ações em relação à Amazônia Sempre e vários outros projetos. O Brasil foi o país em que mais desembolsamos em 2023. Temos projetos em todos os setores e ministérios. Estamos ajudando a organizar e financiar o G20, com a presidência do Brasil, como fizemos quando foi na Argentina. O mesmo será com a COP-30.

E qual a perspectiva de desembolso para o Brasil neste ano?

As equipes estão começando a trabalhar em um número, mas eu acho que dá para ser maior. Eu sou mais ambicioso em relação ao Brasil, mas também na América Latina. O BID tem mais capacidade de emprestar e eu quero usá-la. A grande restrição é ter bons projetos porque não vamos jogar dinheiro fora. Dinheiro para financiar liquidez é com o FMI ou vai para o mercado.

O senhor vê isso na América Latina?

Por enquanto, estou vendo. Mas é uma mudança cultural, de olhar o impacto, e que não se resolve amanhã.

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Como estão as conversas com a Argentina no novo governo?

Muitas vezes se pediu para a Argentina ter a consolidação fiscal. O país gastava muito mais do que arrecadava, gerando déficit, inflação, instabilidade, desequilíbrio fiscal. Esse novo governo está dizendo que vai fazer de uma determinada maneira, quer fazer rápido, quer fazer tudo. O que o BID está entendendo da conversa com o governo Javier Milei é que isso é ótimo, o banco está aqui para ajudar nessa consolidação para que seja da forma mais eficiente possível.

Como?

É bom fazer uma consolidação que proteja os mais vulneráveis. Não só é mais justo, como sustentável socialmente.

Sua gestão também vem após crises no BID, incluindo escândalos éticos...

Exatamente. Foi um ano em que resolvemos várias questões, paramos de brigar. E neste ano vamos apresentar para o diretório na reunião anual, em março, na República Dominicana, a nossa estratégia até 2030.

Qual o grande mote?

O grande mote dessa agenda é concentrar nas questões climática e social. Como fazer isso é que é o importante. É preciso mudar a cultura. Temos várias ações e projetos. Só se consegue impacto com concentração, organização e liderança. O que eu quero é uma coisa muito parecida com a agenda BC+ e que foi um chacoalhão de coisas. A agenda é para causar impacto e ser transparente. É uma mudança que vai levar tempo, mas, no ano passado, já fizemos ações grandes, que vão nesta direção.

E qual a ambição do BID em termos do potencial de empréstimos?

Temos otimizado os recursos que podemos emprestar, contratamos uma seguradora para nossos empréstimos, o que nos permite emprestar mais. Nos próximos dez anos, estimamos que o BID mais o BID Invest, que é o nosso braço privado, possam elevar o potencial de empréstimos em US$ 132 bilhões a mais do que já fazemos hoje. É bastante coisa. Esses recursos virão tanto do capital do BID quanto dos países membros, que a gente quer que coloquem mais capital no banco.

E o foco é emprestar para as áreas social e ambiental?

Social, ambiental, mas também na área de aumentar a produtividade, a integração regional. A gente tem vários projetos regionais, o Amazônia Sempre, o programa do Brasil para integrar rotas com países da América do Sul, uma operação regional no Caribe, então, tem essa agenda que é de infraestrutura e também tecnologia. E não é só física, é também digital.

Em Davos, falou-se muito sobre inteligência artificial...

Confesso que ainda não trabalhamos o suficiente a inteligência artificial. Tanto o BID quanto a América Latina têm de correr atrás e andar mais. Quando eu voltar, esse será um dos focos. De um lado, há uma avenida com capacidade de mudar tudo, mas, ao mesmo tempo, tem de ter cuidado.

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