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Plano fiscal deve ajudar o País a recuperar grau de investimento, diz secretário do Tesouro

Para Rogério Ceron, ativos brasileiros estão em situação melhor do que na primeira semana do governo

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Foto do author Célia Froufe
Por Thaís Barcellos (Broadcast) e Célia Froufe (Broadcast)
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Entrevista com

BRASÍLIA - O custo da dívida pública deve entrar em trajetória decadente e ficar abaixo do nível anterior à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Kamikaze assim que o novo arcabouço fiscal e o projeto de reforma tributária estiverem encaminhados, afirma o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron. “Se formos bem sucedidos, colocamos o País em uma rota de recuperação do grau de investimento de forma muito consistente até 2026″, mirou, em entrevista ao Broadcast/Estadão.

Rogério Ceron afirma que os ativos brasileiros estão em situação melhor do que na primeira semana do governo Foto: Tesouro Nacional

O secretário ressaltou que o selo de bom pagador, perdido em 2015, atrai estrangeiros para financiar a dívida brasileira, barateando o custo. Em outubro de 2014, a participação de não residentes na dívida pública bateu o recorde de 20,38% do total, mas no último relatório, de novembro de 2022, estava em 9,45%.

Ceron afirma que, apesar do estresse do mercado financeiro na semana passada, os ativos brasileiros estão em situação melhor do que na primeira semana do governo. “Da discussão de déficit de 2% foi para 1% (do PIB)”, disse. “Já é um bom começo.”

Na entrevista, Ceron também contou que o cronograma para apresentar o novo arcabouço fiscal até abril contempla discussão dentro do Ministério da Fazenda e depois com os órgãos do governo e com atores externos. Enfatizou que a agenda do governo não é de redução do Estado, mas garantiu que não há intenção de aumento descontrolado de gastos. Leia abaixo os principais pontos da entrevista.

Nesta semana, o Tesouro divulgará o resultado do governo central de 2022, com expectativa do primeiro superávit desde 2013. Como o senhor vai explicar isso?

Será uma divulgação técnica relativa aos resultados de 2022. Não sinaliza absolutamente nada sobre o futuro. É um contexto fácil de constatar: renúncia de receitas muito expressiva para 2023. Um resultado aparentemente bom para 2022 se transforma em resultado muito complicado para 2023. E tem a parte específica de precatório que foi para 2027. Não tem que ficar qualificando ou desqualificando as informações fiscais.

E vão falar sobre os passos que vão dar a partir de agora?

Já estamos dando. Estamos calibrando o tom da divulgação, mas, sinceramente, não estou tratando como um grande evento ou marco político. Pelo contrário, a postura do Tesouro tem que ser técnica e precisa. Podemos fazer críticas técnicas, quando forem pertinentes, mas sem misturar política - que é devida, mas de outras instâncias - para a gente ter credibilidade e manter a credibilidade ao longo do tempo.

A equipe econômica apresentou um primeiro pacote de medidas, mas houve estresse no mercado com os eventos da semana passada. Como estão vendo a gestão da dívida?

O pacote inicial já foi colocado e impactou a curva de juros. Tivemos outros ruídos que estão estressando o mercado. (A situação das) Lojas Americanas também cria ruído na sensação de segurança econômica. Tem alguma pressão, mas já é melhor do que a primeira semana do ministro (Fernando Haddad) no governo. O dólar está em patamar menor, a taxa de juros também. A rolagem já está com preço menor. Eventos criam algum estresse. Mas temos uma postura já bem alinhada, no sentido de não validar taxas no momento de estresse. O Tesouro tem um bom colchão de liquidez, que serve para ir acomodando a rolagem da dívida sem maiores estresses. Aos poucos vamos elevando a colocação dos títulos, para garantir o que está no Plano Anual de Financiamento (PAF).

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Em fevereiro tem um grande vencimento. Haverá uma abordagem diferente para a ocasião?

Não. Faz parte do nosso processo fazer uma leitura a cada leilão. Dentro disso, vamos seguir as bandas (do PAF), buscando atingi-las. Não tem nada excepcional, as bandas estão bem confortáveis. O que queremos é que, conforme as medidas (econômicas) forem acontecendo, tirem o estresse do mercado, deixando as taxas mais adequadas. Desde julho do ano passado, tivemos um descolamento grande, com quase 2 pontos porcentuais (pp) de incremento, o que significa muito em custo de rolagem. Eu sei que isso equivale a mais de 1% do PIB a mais por ano. Queremos colocar o País em uma trajetória de estabilidade para voltar ao cenário de antes da PEC Kamikaze. Desde lá, o mercado estressou e não voltou mais.

Em que horizonte?

Assim que a gente conseguir colocar o novo arcabouço fiscal no Congresso e a discussão de reforma tributária. Se tudo caminhar como esperamos, com sinalizações de boa tramitação, de que as reformas estruturais vão acontecer, aí volta. Nossa expectativa é de que (as taxas) caiam mais de 2pp. Se a gente conseguir ser bem sucedido nesse processo, nós colocamos o País em uma rota de recuperação do grau de investimento de forma muito consistente até 2026. Isso é muito claro. É técnico. Óbvio que as medidas iniciais foram para tirar um pouco da preocupação... Um (déficit de) R$ 230 bilhões vai gerar uma trajetória explosiva se nada for feito. O mercado já digeriu. Já mudamos o patamar da discussão. É quase consensual que há um piso de déficit que caiu para em torno de 1%. Da discussão de déficit de 2% foi para 1% (do PIB). A discussão é, se dali, vamos ser bem sucedidos ou não nas ações que reduziriam esse déficit para menos de 1%. Já é um bom começo. O mercado já precificou isso. Os juros já estão em menor patamar do que antes das medidas.

O ministro Haddad tem falado em apresentar o arcabouço fiscal até abril. Não está apertado?

O cronograma é apertado, mas é importante esta data porque tem um outro marco, que é a elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Até lá, preciso alterar o arcabouço fiscal. Vamos fazer uma discussão na Fazenda, buscar convergência, abrir para os demais órgãos do governo. Depois vamos abrir para o diálogo com atores externos. Tem sinalização de apoio do FMI, do BID. Mas a ideia é trazer grandes economistas de diferentes linhas para tentar encaminhar para o Congresso com um consenso mínimo. Se conseguirmos, vai ter uma espécie de validação social, que é mais palatável para o Congresso. Facilita muito o diálogo.

Mas são apenas dois meses para fechar o arcabouço, extrapolar para o governo, ouvir opiniões de fora. Não está apertado?

Temos um cronograma que está bem mapeado e é possível. Não tem como fugir muito: o arcabouço fiscal, as regras fiscais servem para garantir a solvência de curto e longo prazos. O curto prazo não é o ponto, mas a solvência de longo prazo. Tem que garantir que a trajetória de endividamento seja, no mínimo, estável ao longo do tempo. Lógico que idealmente seria com tendência de redução. A intensidade disso depende das variantes, mas isso é o consenso mínimo. As outras variantes vão ter que entrar nesse bojo.

Quais?

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A geração de resultado primário, as regras para investimento, para gastos. Temos que ser mais rigorosos com a contratação de gastos permanentes e, dentro do possível, ter espaço para investimentos, que é o que gera crescimento. O que importa é que essa regra fiscal garanta, com razoável grau de segurança, uma trajetória sustentável no tempo e seja crível. O ministro tem dito isso e eu concordo: tem que ser crível no tempo. O teto de gastos cumpriu seu papel, mas era muito difícil de ser sustentável no tempo.

Veremos algum corte na carne?

O que significa corte na carne? Tudo isso é uma agenda de médio prazo e a pauta estrutural é sobre a qualidade dos gastos. Tem uma discussão sobre os gastos tributários: se é regressivo, progressivo. Há um conjunto de indícios de que há beneficiários do Bolsa Família que não eram elegíveis. Quando se fala em cortar na carne, a maior parte dos gastos públicos é transferência de renda: previdência, assistência social... Não é agenda do governo a redução do tamanho do Estado e nem dos suportes para as camadas mais desfavorecidas da população. Mas, claro, é tornar esse gasto o mais eficiente possível. Entendemos que retornar ao patamar de 19% da receita líquida em relação ao PIB - como se aproximou em 2022 - garante a sustentabilidade da trajetória da dívida ao longo do tempo. A agenda é ter arcabouços adequados, que vão colocando a taxa de juros de novo em um nível ainda alto para padrões internacionais, mas normais dentro dos padrões brasileiros. Não há intenção de crescimento descontrolado de gastos. Tudo isso (será feito) com responsabilidade.

O senhor falou em receitas na casa de 19% do PIB. Há uma referência também para as despesas?

Isso vai depender de quanto de estabilidade vamos ter de crescimento econômico. O importante é que a gestão fiscal tem seu plano de voo e vai se ajustando de acordo com as variáveis. O superávit primário necessário para manter a trajetória equilibrada depende desses fatores. O importante é que já sinalizamos de forma muito clara: o alvo está lá e vamos colocar um arcabouço fiscal que vai criar essa segurança. Esperamos que a sociedade goste (do arcabouço). E vai dar segurança também para um subgrupo da sociedade, que são os investidores que olham essa trajetória de estabilização da dívida.

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Sobre isso: nos últimos anos, os estrangeiros foram embora da dívida. Há perspectiva de retorno?

Queremos recuperar o grau de investimento para voltar a atrair os não residentes para o financiamento da dívida pública, porque isso reduz o custo de financiamento e abre espaço para investimento público para quem mais precisa. Como eu derrubo taxas de juros? É uma relação de demanda e oferta, então preciso aumentar a demanda para títulos públicos de longo prazo. Os não residentes tiveram um papel importante e a fatia veio caindo substancialmente ano a ano. Temos um movimento de aproximação da comunidade internacional mais favorável nessa janela e temos que aproveitar esse momento. Com as sinalizações corretas, vamos abrindo esse mercado e diminuindo o custo da dívida.

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