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Avanço da agricultura chinesa não traz riscos, mas oportunidades para o Brasil, diz CEO da Syngenta

Erik Fyrwald diz que é lamentável que o Brasil tenha uma imagem muito ruim na Europa: "é tudo em torno do desmatamento"

Por Clarice Couto
Atualização:

À frente do grupo Syngenta, conglomerado formado pelas Divisões de Proteção de Cultivos, Sementes, Adama e Grupo China e que faturou US$ 28,2 bilhões em 2021, o CEO Erik Fyrwald tem no momento uma tripla missão: trabalhar para aumentar a produção agrícola na China, país da companhia controladora, a ChemChina; continuar elevando a produção do Brasil, hoje maior mercado da Syngenta no mundo e de do qual dependem China e outros países; além de conduzir o processo de abertura de capital (IPO) do grupo, caminho, segundo ele, para garantir que a Syngenta continue sendo "uma companhia global".

Em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast durante visita ao Brasil nesta semana para participar do One Agro 2022, evento anual promovido pela empresa em Campinas (SP), Fyrwald é enfático ao dizer que o avanço da agricultura chinesa não traz riscos ao agronegócio brasileiro. "É importante para nossos controladores que ajudemos a transformar a agricultura na China, mas o país será sempre importador de produtos agrícolas porque não tem área suficiente para alimentar a si mesmo." Fyrwald contou também dos esforços da companhia para aumentar a oferta do herbicida Diquati, usado para dessecação de lavouras, após a falta de produto no começo do ano, dos planos de dobrar a receita com produtos biológicos e dos benefícios que o IPO trará ao grupo, entre outros temas.

Erik Fyrwaldé enfático ao dizer que o avanço da agricultura chinesa não traz riscos ao agronegócio brasileiro Foto: Arnd Wiegmann/Reuters

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O Grupo Syngenta China (que abrange negócios de sementes, defensivos, fertilizantes, serviços digitais e centros regionais de promoção da agricultura moderna) vem crescendo em um ritmo maior do que outras unidades de negócios da Syngenta. Em 2021, as vendas dessa unidade de negócios cresceram 41%, somando US$ 7,4 bilhões, receita menor apenas do que a da divisão de defensivos, que atingiu US$ 13,5 bilhões, com alta anual de 19%.

Qual a sua visão sobre o futuro do mercado chinês no médio prazo e como isso afetará as decisões da companhia em relação a outros mercados, como o Brasil?

O governo chinês (por meio da empresa ChemChina) comprou a Syngenta em 2017 porque queria que trabalhássemos com produtores em todo o mundo para assegurar que há comida suficiente para todos, incluindo o povo chinês. A China tem 7% da área agricultável do mundo e 20% da população, então é importante que transformemos a agricultura na China para ser parte da solução para as mudanças climáticas e oferecer comida de melhor qualidade e segura. Mas a China não pode alimentar a si mesma porque não tem área suficiente, sempre será importadora de produtos agrícolas. Por isso também é muito importante para nossos controladores que continuemos desenvolvendo a agricultura brasileira, porque o Brasil é um parceiro estratégico para a China.

Então veremos um crescimento muito forte da Syngenta tanto na China como no Brasil, na China ainda maior, por sermos a única companhia de agricultura global com uma posição forte naquele país. O mercado chinês é muito fragmentado, com muitas empresas de sementes, agroquímicos e varejistas, e nós estamos consolidando esse mercado.

Quais culturas tendem a obter maiores ganhos de produtividade na China?

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O maior ganho de produtividade na China virá do milho, porque o governo chinês decidiu plantar milho transgênico. Também criou leis de proteção da propriedade intelectual, o que abre a oportunidade de investir em melhores tecnologias na China, de sementes, germoplasma e biotecnologia, o que aumentará expressivamente a produtividade do milho no país. As lavouras do grão na China têm rendimento significativamente menor do que nos Estados Unidos ou no Brasil, mas acredito que essa diferença vá diminuir, o que tornará a China capaz de crescer no mercado doméstico de milho. (Na safra atual, 2021/22, a China produziu 272,55 milhões de toneladas do cereal e importou 23 milhões. Para a safra 2022/23, a previsão é de que o país produza 271 milhões de toneladas e importe 18 milhões, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos - USDA). Mas ainda haverá uma enorme importação de soja, assim como alguma de milho.

Quanto pode crescer a produção chinesa de milho em cinco a dez anos?

Queremos aumentar significativamente em relação aos níveis atuais. Claro que a produtividade varia bastante entre pequenos e grandes produtores, mas em média 20% de aumento do rendimento é uma boa meta para os próximos anos. Também continuaremos buscando elevar a produtividade do arroz na China, uma importante cultura para eles. Além disso, os consumidores chineses estão ficando mais exigentes e com isso o mercado de frutas e vegetais está crescendo muito.

O crescimento da agricultura chinesa pode trazer riscos ao agronegócio brasileiro ou a alguma cultura?

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Não, vejo o oposto. Acredito que é uma grande oportunidade para a agricultura brasileira, porque o consumidor chinês está se tornando mais sofisticado, quer soja produzida de forma mais sustentável e ver dados que comprovem isso. Por isso criamos um sistema pelo qual trabalhamos diretamente com importadores na China, que querem que trabalhemos com produtores aqui no Brasil para assegurar que a soja tenha alta qualidade, produção sustentável e se encaixe no mercado chinês. A oportunidade é casar o que consumidores chineses querem, incluindo qualidade, sabor e sustentabilidade. Produtores brasileiros podem fazer isso e obter mais valor da produção. O fato é que a China só tem 7% da área agricultável do mundo e 20% da população e essa população está buscando dietas mais saudáveis. Apesar de a agricultura chinesa estar avançando, não há terra suficiente, continuarão tendo de importar e isso é uma oportunidade para o Brasil.

No caso da soja, os chineses vêm fazendo algum esforço para aumentar produtividade e produção?

Muito pouco. Eles realmente estão satisfeitos com o relacionamento com o Brasil. As importações chinesas de soja e as exportações brasileiras da oleaginosa para a China vêm crescendo juntas e vão continuar aumentando.

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Os governos brasileiro e chinês concluíram negociações para iniciar as exportações de milho daqui para lá. O quanto podemos esperar de aumento das nossas exportações do cereal aos chineses, considerando que eles buscam elevar a produção? Como a Syngenta planeja explorar esse mercado?

Há oportunidade de exportar dezenas de milhões de toneladas de milho para a China. O mercado chinês do grão vem crescendo, para alimentação humana e ração, e a China traçou um plano para expandir a produção de etanol de milho. Mesmo que a produtividade chinesa de milho venha a crescer nos próximos anos, a demanda ultrapassará a produção. Hoje a China importa volumes significativos do grão. O relacionamento entre China e Brasil é sólido e deve continuar sendo desenvolvido. A Syngenta vai levar inovações para os produtores brasileiros se tornarem mais competitivos. Todas as sementes de milho que a Syngenta vende no Brasil têm aprovação na China (a Syngenta Seeds comercializa 36 híbridos de milho no Brasil).

À medida que o mercado chinês cresce, como fica o peso do Brasil para a Syngenta?

O Brasil é o maior mercado no mundo para a Syngenta em defensivos agrícolas e sementes. Eram os Estados Unidos, dois a três anos atrás. A China é o nosso maior mercado no todo, porque lá atuamos também com fertilizantes e varejo. Nosso crescimento em sementes e defensivos na China será muito forte, mas ainda assim bem menor do que no Brasil. O Brasil é o nosso mercado prioritário. É por isso que estou aqui, é por isso que estamos fazendo o One Agro (evento realizado em Campinas, SP, nesta semana).

Há previsão de quando ocorrerá o IPO (oferta pública inicial de ações) da Syngenta na Bolsa de Xangai? O que essa operação vai trazer para a companhia e qual será o foco na aplicação do dinheiro captado?

Acredito que o IPO deva ocorrer até o fim deste ano. Claro que, com a captação, com a qual esperamos levantar US$ 10 bilhões, teremos mais recursos para investir em pesquisa, capacidade comercial e de produção e aquisições. Mas já temos um balanço financeiro muito forte. Esse IPO é muito mais sobre ter uma diversidade de investidores a fim de continuar sendo uma empresa global. Temos controladores muito importantes na China e desejamos mantê-los como os maiores investidores, mas queremos investidores globais, de todo o mundo, que possam apoiar nossa companhia a manter seu perfil global.

O mercado de insumos biológicos (que utiliza seres vivos, bactérias e vírus no combate natural a pragas e plantas daninhas e na nutrição de plantas) vem crescendo muito rápido e a Syngenta também faz investimentos nesta área. Qual é a relevância atual das soluções biológicas para os negócios da Syngenta?

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É um importante segmento para nós, complementar aos nossos negócios de defensivos e sementes. Atuamos com a nossa própria estrutura, nossa equipe de pesquisa, mas também colaborando com muitas startups. Hoje nossas vendas (do segmento) se aproximam de US$ 500 milhões e temos o objetivo de, nos próximos anos, o mais rápido possível, atingir US$ 1 bilhão. Não é grande em comparação ao tamanho da empresa, de US$ 28,2 bilhões (receita em 2021), mas é importante e com um crescimento rápido.

Há planos de ampliar investimentos e aquisições em biológicos?

Os investimentos em produção vão aumentar, em pesquisa e desenvolvimento (P&D), em colaborações. Nossos gastos totais em P&D, de US$ 1,8 bilhão, representam cerca de 7% das nossas vendas no ano passado, de US$ 28 bilhões. À medida que a receita com biológicos se tornar maior, os investimentos em P&D na área também crescerão, manteremos esse porcentual de 6% a 7%. Também estamos fazendo aquisições em todo o mundo. (A transação mais recente foi a compra da italiana Valagro, em 2020). O Brasil é um mercado muito animador, vamos visitar uma dessas empresas nesta semana, para colaboração.

Em janeiro de 2021, a Syngenta informou ao Estadão/Broadcast que começaria a exportar soja e milho do Brasil recebidos por meio de barter (operação de troca de insumos por grãos) para clientes chineses. O volume exportado para a China por este modelo de negócio vem crescendo? Há planos de expandir esse tipo de negócio?

É um projeto significativo, que depende do que os produtores quiserem. O volume exportado vem e vai continuar crescendo. O negócio ainda está em estágio inicial, ganhando escala. Trabalhamos com várias tradings e estamos abertos a colaborar com todas. Vai depender dos produtores, se quiserem fazer barter conosco ou nossa ajuda para acessar o mercado chinês de grãos. Temos capacidade, relacionamentos, a confiança dos importadores chineses. Os chineses querem grãos e nós estamos trabalhando junto com os produtores para garantir que o grão seja produzido de forma sustentável e com alta qualidade. É isso o que os chineses querem.

No início deste ano, produtores brasileiros se queixaram de falta do herbicida à base do ingrediente ativo Diquat (usado na dessecação, preparação da lavoura a fim de deixar a área uniforme para a colheita do grão). À época, a Syngenta informou que enfrentava "desafios de curto prazo" no abastecimento e que estava trabalhando para que o problema não voltasse a acontecer.

Que medidas a empresa vem tomando para aumentar a oferta do produto? Haverá oferta maior neste ano?

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A oferta, sim, será maior e estamos expandindo ainda mais. Um dos gargalos é contar com mais unidades de produção na China (de terceiros, registradas pelo Ministério da Agricultura do Brasil). Esse processo está avançando, acredito que as autoridades brasileiras estejam muito sensíveis às necessidades dos produtores, temos trabalhado juntos para resolver a questão. Mas o principal problema foi a rápida transição do Paraquat para o Diquat (em setembro de 2020 a Anvisa baniu o uso e a comercialização do dessecante Paraquat, o que levou produtores a buscar herbicidas similares no mercado, como o Diquat) e, ao mesmo tempo, um expressivo crescimento da demanda. A demanda atual é muito mais alta do que qualquer um esperava. Também estamos expandindo nossas fábricas.

(Segundo a Syngenta, a empresa vem expandindo algumas fábricas próprias no mundo, de Diquat e outros ingredientes ativos. Além disso, na China, conta atualmente com cinco plantas de produção de Diquat, de terceiros, registradas para produção de produtos à base de Diquat destinados ao Brasil, e tem trabalhado para registrar outras fábricas de vários ingredientes ativos, não apenas na China). 

No mercado internacional, o agronegócio brasileiro é criticado no que se refere à sustentabilidade das operações. O que é preciso ser feito no campo e em comunicação para reverter essa situação?

Acho lamentável que o Brasil tenha uma imagem muito ruim na Europa, em particular. É tudo em torno do desmatamento. O que acontece é que pessoas fazem fotos ou vídeos de desmatamento ilegal e, mesmo quando é um caso isolado, a avaliação é de que o País está destruindo tudo. O que é lamentável porque os produtores no Brasil já adotam muitas práticas regenerativas, como plantio direto, que evita erosão do solo; sementes transgênicas, que reduzem o uso de agroquímicos; fertilizantes naturais; aplicações direcionadas de fertilizantes e agroquímicos; rotação de culturas. Precisamos de dados para olhar as emissões de gases de efeito estufa por unidade de produção. Posso garantir que são muito mais baixas no Brasil do que na Europa, por exemplo.

Então é só uma questão de comunicação do agronegócio brasileiro com o mundo?

Acho que é uma parte importante. Há coisas a serem feitas de forma melhor na agricultura em todo o mundo e o Brasil está comprometido em continuar melhorando. Há muito dinamismo e inovação acontecendo no Brasil para resolver os dois grandes problemas do mundo, a segurança alimentar e as mudanças climáticas. Essa história precisa ser contada e não está sendo contada. Empresas de alimentos, de grãos, nós (Syngenta), as ONGs responsáveis que entendem o que está acontecendo aqui, assim como o governo brasileiro e as empresas brasileiras, todos precisamos entender melhor a situação e contar as histórias de uma maneira melhor.

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