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Como executivos e economistas reagiram ao aceno de Lula e Alckmin para a indústria

Intenções manifestadas pelo governo foram vistas como positivas e alentadoras, mas são criticadas pela falta de detalhes e de visão crítica sobre políticas do passado

Foto do author Luciana Dyniewicz
Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli
Por Luciana Dyniewicz e Luiz Guilherme Gerbelli
Atualização:

A sinalização de que o governo planeja adotar políticas industriais para alavancar a economia foi considerada “alentadora”, “amplamente positiva” e “meritória” por executivos do setor e economistas ouvidos pelo Estadão — ainda que eles apontem a necessidade de estudos mais profundos, projetos detalhados e uma rápida execução dos planos.

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Nesta quinta-feira, 25, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente Geraldo Alckmin publicaram um artigo no Estadão em que afirmam que “a indústria será o fio condutor de uma política econômica voltada para a geração de renda e de empregos mais intensivos em conhecimento e de uma política social que investe nas famílias”.

O presidente executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e da Indústria de Base (ABDIB) e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), Venilton Tadini, afirmou que as intenções do governo se afastam “da tendência predominante nos últimos anos de demonizar qualquer tentativa de organizar uma política industrial para o País” e que a sinalização é “alentadora”.

Para o executivo, diante do cenário de reestruturação das cadeias globais de valor e da transição energética, o Brasil precisa definir uma estratégia de desenvolvimento que priorize a infraestrutura e a indústria. “É necessário, além de estabelecer políticas horizontais e verticais, articular programas de apoio aos setores a serem priorizados. Não há mais tempo a perder. Precisamos acelerar a implementação dessas medidas”, acrescentou.

Na visão do presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira, o governo tem de detalhar o que planeja fazer. “O governo está dando sinais positivos para nós. A demonstração é importante, mas precisamos de anúncios específicos para a indústria.”

Ele ponderou, porém, que o governo já trabalha em medidas que beneficiam a indústria — como o arcabouço fiscal e a reforma tributária —, ainda que elas não tenham sido desenhadas especificamente para atender o setor.

Ferreira defendeu o que chama de “reconstrução” do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para a entidade voltar a fomentar o setor. “A industrialização precisa de financiamento com taxa de juros que a favoreça.”

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Em artigo publicado no 'Estadão', Lula e Alckmin falam numa neoindustrialização para o País Foto: Nelson Almeida/AFP

O diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel, também afirmou que o artigo de Lula e Alckmin “está em linha com a agenda que vem sendo trabalhada pelo setor”. “A questão maior agora é operacionalização e governança”, disse.

Pimentel lembrou que, além da taxa de juros, os tributos têm dificultado a atuação do setor e destacou que políticas industriais não serão suficientes se não houver um ambiente de negócios positivo. “Previsibilidade, confiabilidade e estabilidade, dentro do que é possível em um mundo instável, são essenciais. Não podemos criar instabilidades internas.”

Já o economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) Rafael Cagnin avaliou que as sinalizações de Lula e Alckmin são “amplamente positivas”. Do lado crítico, ele destacou que assuntos importantes, como ganhos de produtividade e um fortalecimento da relação comercial com os países do Norte, ficaram de fora do texto.

“O artigo é mais positivo, porque reconhece a indústria como um eixo motor fundamental do desenvolvimento econômico dos países, tenta nos colocar num movimento global e enfrenta desafios que são mundiais, como a questão da transição energética”, disse Cagnin.

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Na leitura do economista do Iedi, a indicação no artigo de promover uma diversificação “a partir dos setores em que já temos know-how” é correta. “Ou seja, evitar querer dar saltos muitos grandes, sem ter perna para isso.”

Cagnin afirmou ainda que o presidente e o vice-presidente acertaram ao dar ênfase para a importância da sustentabilidade. “A tendência internacional — e numa velocidade relativamente rápida — é migrar para um matriz energética completamente sustentável.”

Como ponto crítico, ele destacou a falta de discussão sobre a produtividade em setores com maior agregação de valor e intensidade tecnológica e a ausência de um destaque para uma integração com países do Norte, em especial sobre o acordo entre Mercosul e União Europeia.

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“Para todas as ambições sociais do governo, os limites serão dados justamente pela trajetória de crescimento da produtividade. Não adianta o Brasil ter pretensão de um desenvolvimento social elevado se os ganhos de produtividade da nossa economia não acompanharem essa ambição.”

Na avaliação de Armando Castelar, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), a preocupação de Lula e de Alckmin com a política industrial é “meritória”, mas falta uma visão mais crítica sobre o que já foi tentado por diferentes governos nos últimos anos para o setor, mas deu errado.

“É válido pensar na indústria porque ela vem perdendo participação no PIB brasileiro há bastante tempo”, afirmou o pesquisador. “Mas (o artigo) falha em não olhar atrás e tentar tirar lições das várias políticas industriais que o País teve.”

Segundo ele, o texto não trouxe um diagnóstico “muito elaborado” sobre as razões que levaram o setor industrial a acumular um desempenho tão negativo nas últimas décadas.

“Em geral, o que a gente vê é que a política industrial do Brasil foca em setores que não são mais competitivos. Só foca em proteger setores que perderam competitividade. Se olhar para os dois primeiros governos do presidente Lula, não vão faltar exemplos, como é o caso da indústria naval.”

No artigo publicado no Estadão, Lula e Alckmin falam numa neoindustrialização para o País e destacam a importância do conteúdo nacional, “seja para a construção de cadeias produtivas mais resilientes a choques, como o que provocou escassez de insumos na pandemia; seja para dar conta do imperativo da mudança climática, a corrida espacial do nosso tempo”.

O texto também aponta a importância da reativação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI). “Eu acho que tentar fazer uma política industrial a partir de um conselho nacional é um caminho para conceder benefícios para os setores que já estão aí”, disse Castelar.

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O pesquisador do Ibre apontou também que o custo de capital mais baixo e a melhora do ambiente de negócios — como pedem o presidente e o vice-presidente no artigo — não foram suficientemente enfatizados no artigo. “A solução não me parece ser simplesmente o Estado conceder crédito subsidiado para as empresas. Precisaria ser alguma coisa mais ampla.”

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