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Reuniões olho no olho estão de volta; as viagens dos executivos, nem tanto

Empresários faziam até 40 viagens por ano; para executivo, “olhando em retrospectiva, viagens internas para assuntos técnicos não eram racionais”

Por Juliana Estigarríbia
Atualização:

Na sexta-feira 13 de março de 2020, o sócio líder de recursos naturais da KPMG, Anderson Dutra, foi para casa sem saber o que estava para acontecer. Na segunda-feira seguinte, ele já não foi ao escritório e mobilizou toda a sua equipe para começar a trabalhar online em razão da pandemia da covid-19. “Houve um cancelamento generalizado das viagens, mas com um mês operando online conseguimos suprir a falta da presença física”, relata.

Antes da pandemia, Dutra viajava de 30 a 40 vezes por ano a trabalho - cerca de 70% dessas viagens eram feitas de avião. Muitos desses deslocamentos eram voos do Rio a São Paulo para reuniões de apenas duas horas. De lá para cá, sua equipe reavaliou a necessidade de deslocamentos. “As viagens para reuniões internas da empresa vão cair drasticamente. Até temos uma política estruturada para evitar viagens que não sejam para atender projeto ou clientes, tentamos fazer o encontro virtualmente”, esclarece.

Faturamento do setor de viagens corporativas cai em relação a período pré-covid  Foto: Tony Winston/MS

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Para o CEO da consultoria Trilha Carreira Interativa, Bruno Martins, vai haver um questionamento maior dentro das corporações para aprovar viagens. “As empresas aprenderam a ser mais produtivas no ambiente online e serão mais criteriosas para esse tipo de decisão.”

O especialista destaca que, antes da pandemia, o Brasil figurava entre os grandes mercados aéreos domésticos do mundo. No entanto, ele pondera que, com a retomada gradual da demanda, houve uma mudança de comportamento na contratação desse tipo de serviço nas empresas. “As viagens para reuniões internas de negócios diminuíram e tendem a ficar num patamar mais baixo em relação ao pré-covid. Já havia um esforço das empresas para reduzir esses encontros e a pandemia só acelerou isso, hoje em dia não faz muito sentido esse tipo de viagem”, esclarece Martins.

Por outro lado, ele relata que as viagens para treinamento e integração têm crescido. Nessa categoria, segundo o especialista, geralmente as empresas buscam locais mais afastados como destinos, em meio à natureza. “Na nossa consultoria, a demanda por esse tipo de treinamento mais do que triplicou. Cerca de 70% desses programas precisam de deslocamento aéreo”, diz.

Segundo levantamento mais recente da Associação Brasileira de Agências de Viagens Corporativas (Abracorp), em julho a ponte aérea - Congonhas/Santos Dumont e Congonhas/Brasília, considerando como base trechos de ida e volta - registrou queda de 30% dos bilhetes emitidos em relação ao mesmo período de 2019, patamar pré-covid.

Embora as principais companhias aéreas venham reportando retomada consistente dos voos no mercado doméstico, o perfil dessa oferta mudou ao longo da pandemia. “Nos trechos puramente corporativos e, principalmente, nos mais curtos, como na ponte aérea de Congonhas, a oferta por parte das aéreas ainda não está totalmente recuperada. Não sabemos se essa é uma situação que vai permanecer, por isso é prematuro afirmar que a demanda vai mudar de perfil. Mas há indicações de que possa voltar com menos intensidade no pós-pandemia”, afirma o presidente executivo da Abracorp, Gervásio Tanabe.

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No acumulado até julho, o faturamento do setor de viagens corporativas (que inclui 11 segmentos) foi de R$ 5,78 bilhões, queda de 11% sobre o mesmo período de 2019, nível pré-covid. Apesar de o segmento aéreo ter sido o destaque desse mercado em julho - com faturamento de R$ 644 milhões, o equivalente a 65% do total da receita do setor -, houve queda de quase 30% no número de bilhetes emitidos.

“Um dos principais mercados demandantes de viagens corporativas é o financeiro, que tem usado mais videoconferências até para falar com clientes”, relata Tanabe. Já os eventos estão começando a retornar de forma consistente, observa o dirigente. “Em São Paulo, há dificuldades para encontrar espaços disponíveis para eventos devido à alta demanda.”

Internacional

Em mandarim, guanxi descreve a rede de relacionamentos de uma pessoa: família, amigos, parceiros de negócios - tudo com base na confiança. Para “obter” o guanxi nos negócios com chineses, o contato pessoal deve continuar sendo essencial. “É muito difícil estabelecer ou manter vínculo virtualmente na cultura asiática. O contato pessoal é mais importante, mas está impossível voltar a viajar a negócios para a China neste momento pelas regras de isolamento de lá. Pode ser que isso mude no ano que vem, mas por enquanto não”, afirma o sócio do Souto Correa Advogados, Guilherme Rizzo Amaral.

O advogado viajava para a China duas vezes ao ano antes da pandemia, em um trajeto que levava 14 horas por Dubai e mais 7 até Pequim. “Considerando o tempo de espera em Dubai, no total a viagem levava cerca de 27 horas”, conta o executivo, que geralmente ficava duas semanas no país asiático com deslocamentos internos para cidades como Pequim, Xangai, Shenzhen, além de Hong Kong. As visitas incluíam clientes e escritórios parceiros chineses e internacionais com filial na China, bem como palestras e eventos jurídicos e empresariais.

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Na visão de Amaral, a demanda por viagens vai diminuir. “Olhando em retrospectiva, principalmente as viagens internas para assuntos técnicos não eram racionais. Hoje, pelos aplicativos de videoconferência, é muito mais fácil.”

Para o contato com a China, porém, a situação é diferente. Segundo o advogado, as conversas virtuais com os chineses são muito rápidas, sem espaço para discutir assuntos diplomáticos. “Para o oriental, as relações pessoais e de confiança só são construídas com contato físico. Viajar para a China é conhecer não só o negócio, mas ter uma relação próxima, compartilhar cultura, isso não se consegue virtualmente. Tivemos crescimento dos negócios com chineses por indicação de clientes que falamos lá.”

Para outros destinos como na Europa e Estados Unidos, as viagens corporativas devem ser otimizadas. Segundo Dutra, da KPMG, as reuniões com equipes e clientes dessas localidades já têm sido substituídas por videoconferências. “Eu viajava a Houston (EUA) duas vezes por ano, procurava ir um pouco antes para me reunir com clientes e a equipe global. Agora, estamos fazendo várias dessas reuniões virtualmente, essa agenda deve se reduzir a uma vez por ano somente”, diz o executivo.

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O sócio do Costa Tavares Paes Advogados, Antonio Tavares Paes Jr., viajava de 8 a 10 vezes por ano a negócios para o exterior. Os destinos incluíam Nova York, Washington, Londres, Paris, Lisboa, entre outros. “O contato olho no olho com o cliente, na minha profissão, é muito importante para prestar contas, dizer o que está acontecendo, o que é bom ou ruim. A videoconferência funciona, mas não substitui esse contato, o cliente vê comprometimento nisso”, relata.

Apesar disso, o advogado afirma que essa rotina de viagens não deve voltar a ser a mesma. “Para alguns clientes, vamos ter um primeiro encontro pessoalmente, a partir do segundo poderá ser virtual. O número de viagens vai diminuir”, diz.

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Martins observa que as viagens de longo curso seguem com restrições e que as empresas têm colocado o pé no freio para aprovar esse tipo de deslocamento pela questão orçamentária. “As corporações estão fazendo uma revisão de seus custos e a tendência é que façam uma revisão dessa política. Vai haver um questionamento maior antes de aprovar essas viagens, que devem diminuir”, diz o consultor.

Aéreas

As companhias aéreas ainda demonstram esperança de que o perfil da demanda corporativa vai se manter o mesmo no pós-pandemia. Em teleconferência de resultados com analistas em agosto, o CEO da Azul, John Rodgerson, disse que o volume no corporativo está mais baixo atualmente, com menos gente voando no segmento, porém com tarifas mais altas. “Acreditamos que o restante que ainda não voltou a voar no segmento corporativo deve retornar no próximo trimestre”, afirmou na ocasião.

O CEO da Gol, Celso Ferrer, disse a investidores no fim de julho que a demanda corporativa “andou de lado” na pandemia devido às oscilações nos casos de covid e que a companhia tem sido “conservadora” nesse sentido. “Estamos colocando mais capacidade em determinadas rotas, ‘repopulando’ voos de Congonhas e Santos Dumont”, afirmou em teleconferência. Ele acrescentou que no segundo semestre a companhia deve trabalhar com um retorno de 65% da demanda de clientes corporativos.

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