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Economia e políticas públicas

Opinião|Fiscal nos EUA está atrapalhando?

Ao contrário do que alguns argumentam, Mariam Dayoub, economista da JBFO, não vê política fiscal jogando lenha na fogueira da inflação nos Estados Unidos.

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O processo de desinflação nos Estados Unidos tornou-se bem mais duvidoso nos últimos meses, provocando alta das taxas de juros - e nas expectativas futuras dos juros - na economia central e na maior parte do mundo, incluindo o Brasil. Vários problemas surgiram no cenário inflacionário norte-americano, e uma das muitas facetas do problema é a questão fiscal.

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Mariam Dayoub, economista sênior da gestora Julius Baer Family Office (JBFO), nota que uma narrativa recorrente é de que o Federal Reserve (Fed, BC dos EUA) está sendo atrapalhado pela política fiscal dos Estados Unidos "superexpansionista", "fora de controle", "jogando gasolina na fogueira", numa situação em que "se pisa no freio na política monetária e no acelerador na política fiscal".

Ela, porém, discorda dessa visão, sem negar que há uma desequilíbrio fiscal sério na economia americana. A economista observa que, em termos de impulso fiscal, o que importa não é o tamanho do déficit, mas sim como ele está variando no ano. Se uma economia parte de um déficit enorme para um ainda muito grande, mas ligeiramente menor, há impulso fiscal negativo, não positivo.

O déficit público federal nominal dos Estados Unidos acumulado em 12 meses, que se situou acima de 6% do PIB de novembro de 2023 a fevereiro de 2024, ficou ligeiramente abaixo de 6% em março e abril. O crescimento das despesas de consumo e investimentos do setor público total (incluindo Estados e municipalidades) desacelerou de 5,8% no terceiro trimestre de 2023 (taxa anualizada e dessazonalizada) para 1,2% no primeiro trimestre de 2024.

Dayoub aponta também o cálculo de impulso fiscal do Hutchins Center on Fiscal and Monetary Policy at Brookings (do conhecido think-tank Brookings, sediado em Washington DC), que faz essa conta de forma mais detalhada e cuidadosa. Para calcular o impulso fiscal, o Hutchins Center leva em conta não só o governo federal, mas também os Estados e municipalidades, e faz ajustes para a posição cíclica da economia.

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Segundo o Hutchins Center, a política fiscal subtraiu 0,3 ponto porcentual (pp) do PIB dos Estados Unidos no primeiro trimestre de 2024. Nesse período, de acordo com a última estimativa do governo americano, o PIB deve ter crescido 1,6% na taxa anualizada.

Nas contas do Hutchins Center, uma queda na arrecadação criou impulso fiscal de 0,6pp no primeiro trimestre, mas que foi mais do que compensado por 0,7pp de impulso negativo da redução dos efeitos de transferências e subsídios concedidos na pandemia. Mais 0,2pp de impulso fiscal negativo vieram do front dos gastos federais e estaduais.

O Hutchins Center prevê que o impulso negativo ligado às transferências da pandemia (no caso, à diminuição do seu efeito) vai se reduzir até o final de 2025. A expectativa é de que o impulso fiscal total permaneça levemente negativo até o final do ano que vem.

Mas a economista da JBFO faz a ressalva de que, se não há impulso fiscal positivo no momento dos Estados Unidos, isso não quer dizer que as contas públicas americanas não sejam um problema para a política monetária.

Com déficit nominal de 6% do PIB num momento ciclicamente forte da economia, quando a taxa de desemprego caiu a 3,8%, perto das mínima históricas, ela vê um cenário claro de insustentabilidade fiscal. Esse quadro, por sua vez, pode elevar a taxa neutra de juros dos Estados Unidos (que não estimula nem desestimula a demanda), limitando o quanto o Fed pode cortar a taxa básica de juros, os Fed Funds.

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Em termos de outros fatores de impulso à demanda, Dayoub menciona que as famílias americanas hoje ainda têm US$ 680 bilhões de poupança em excesso constituída durante a pandemia. Com cerca de US$ 56 bilhões desse total sendo desfeito na forma de consumo por mês, ela estima que o excesso de poupança seja totalmente exaurido no primeiro trimestre de 2025.

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Dayoub menciona também que a construção de fábricas na esteira dos estímulos de política industrial de Joe Biden tem se acelerado, sendo fator de impulso à demanda. Isso ocorre no contexto da tendência de "reshoring", de trazer de volta para os Estados Unidos etapas de cadeia de produção deslocadas para outros países.

Finalmente, a economista lembra que há o risco adicional à política fiscal derivada da possível eleição de Trump como próximo presidente dos Estados Unidos. Nesse caso, cortes de impostos que vão expirar seriam prorrogados e poderia haver nova rodada de alívio tributário, o que seria um fator pró impulso fiscal.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 30/4/2024, terça-feira.

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Opinião por Fernando Dantas
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