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Economia e políticas públicas

Opinião|Inflação globalizada

Estudo da economista Kristin Forbes, do MIT, mostra como fatores globais da economia estão influenciando cada vez mais a inflação dos diferentes países. Mas a força desse impacto depende de que tipo de medida de inflação está sendo analisada.

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Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

Desde a grande crise financeira global, especialmente nos países ricos, os bancos centrais têm passado por dificuldades para entender o comportamento da inflação, que parece reagir bem menos à política monetária e ao nível de pressão no mercado de trabalho.

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Em recente estudo para National Bureau of Economic Research (NBER) dos Estados Unidos, a economista Kristin Forbes, do MIT, analisa até que ponto aquele comportamento estranho é causado por uma espécie de globalização da inflação.

A sua conclusão é que a inflação cheia ao consumidor nos diferentes países é significativamente influenciada por fatores globais, como preços de commodities, a capacidade ociosa mundial, taxas de câmbio e o papel das cadeias globais de valor. Isso explica a razão pela qual a inflação cheia ao consumidor tem se tornado mais sincronizada entre os diferentes países desde a crise global de 2008.

Mudanças na economia global nos últimos 20 anos podem explicar essas alterações na dinâmica inflacionária: maior integração comercial e financeira, maior papel dos mercados emergentes em determinar o crescimento mundial e as flutuações do preço das commodities e uso crescente das cadeias globais de suprimento para mover segmentos produtivos para locais mais baratos.

No entanto, segundo a pesquisa de Forbes, o mesmo fenômeno não ocorre com os núcleos inflacionários e a inflação salarial, que continuam sendo determinados basicamente por fatores domésticos. Assim, fatores globais explicam melhor os componentes cíclicos da inflação, mas não o que a autora chama da "tendência inflacionária subjacente e de lenta movimentação".

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Forbes nota que a novidade do seu trabalho reside na combinação de cinco elementos. Em primeiro lugar, o paper explora múltiplos canais pelos quais a globalização afeta a inflação. Em segundo, além de testar se as variáveis globais melhoram a compreensão do processo inflacionário no mundo atual, o trabalho também investiga se as interações entre capacidade ociosa doméstica e a globalização podem explicar o chamado "achatamento" da curva de Philips - justamente, a menor associação entre mercado de trabalho e inflação.

O terceiro elemento é que o estudo explora diferentes medidas de inflação, como o índice cheio, o núcleo, os salários, os componentes cíclicos de movimento rápido, e os tendenciais, que se movem lentamente. O quarto ponto é a utilização de três arcabouços empíricos diferentes para garantir que os resultados não derivem do viés de algum modelo específico. Finalmente, o quinto elemento é a análise simultânea de um grande número de países.

Em relação à curva de Philips, o trabalho indica que a crescente pressão importadora nos países pode explicar boa parte do "achatamento" em termos da inflação cheia ao consumidor.

O mesmo fenômeno, porém, não acontece com outras medidas de inflação. Segundo a autora "embora a globalização possa fazer a curva de Philips parecer 'dormente', especialmente para a inflação cheia ao consumidor, esta relação básica [a curva de Philips] não está 'morta'".

Outra questão interessante derivada do trabalho é que os aspectos globais da dinâmica inflacionária podem ajudar a explicar a "cunha" entre a inflação ao consumidor e a "inflação salarial" (a alta dos salários), que vem causando um bem documentado processo de aumento dos lucros e declínio da parcela dos trabalhadores na renda em muitos países ricos.

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O estudo também levanta diversas perguntas, como se, depois de pressionar para baixo a inflação nos últimos anos, os fatores globais poderiam inverter este movimento. Por exemplo, o que acontecerá se a guerra comercial e a elevação de tarifas reduzirem o uso mundial de cadeias de valor? Haverá impacto inflacionário global?

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Outro ponto é que os fatores globais fazem com que os bancos centrais de fato tenham menos poder de influenciar a inflação cheia ao consumidor. Isso significa tanto que, como no caso dos países ricos hoje, juros baixos parecem não fazer a inflação subir; quanto, em caso de alta de inflação, talvez seja necessário juro mais alto que o de costume para controlá-la.

É certo que já faz parte da orientação dos BCs não tentar controlar a inflação causada por choques, como elevação abrupta de preços de commodities, mas sim os seus efeitos secundários na inflação mais tendencial.

Ainda assim, com nota o economista Bráulio Borges, do Ibre e da LCA, o estudo de Kristin Forbes indica que, como os núcleos estão mais correlacionados com o ciclo econômico doméstico, definir a meta em termos de algum núcleo (ou uma média deles), e não pela inflação cheia, já faria com que automaticamente o objetivo de suavização do ciclo econômico - que eleva o PIB potencial - passasse a fazer parte do mandato do BC.

Link para o estudo de Kristin Forbes: https://www.nber.org/papers/w26496.pdf?sy=496

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 12/2/20, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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