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Economia e políticas públicas

Opinião|Reindustrialização e (pouco) emprego

Dani Rodrik aponta que indústrias sofisticadas em que China, EUA e outros países ricos competem, cria muito poucos postos de trabalho. Economista Noah Smith ressalva que Bangladesh cresce exportando têxteis com apoio de política industrial. E o Brasil?

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Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

A superfábrica de veículos elétricos em Beijing da empresa chinesa Xiaomi impressiona por ser totalmente automatizada, com mais de 700 robôs industriais e uma capacidade de produzir 40 carros por hora. Vídeos impressionantes dessa unidade industrial têm circulado na internet, muitas vezes através de contas nas redes sociais de entusiastas e/ou propagandistas do modelo chinês, como prova da superioridade do país asiático na "guerra" industrial em curso no mundo. E é verdade que a China lidera de forma esmagadora a corrida global de utilização de robôs industriais.

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O avanço da China na indústria e sua capacidade de inundar o mundo de produtos manufaturados, com peso cada vez maior da ponta mais sofisticada e tecnológica, são citados frequentemente como argumento pelos defensores de políticas industriais mais agressivas no Brasil. Na verdade, a superprodução industrial chinesa vem gerando fortes reações em outras partes do mundo, especialmente nos países ricos, seja na forma de protecionismo ou de novas iniciativas de política industrial justamente para fazer frente à China.

Mas há uma questão muito relevante nessa moderna corrida industrial que nem sempre recebe a devida atenção, e que foi abordada em recente artigo do respeitado economista Dani Rodrik, de Harvard. O problema, diz ele, é que a indústria, especialmente nesses setores altamente sofisticados tecnologicamente, está criando cada vez menos empregos. Não está no artigo de Rodrik, mas a superfábrica da Xiaomi é um emblema dessa tendência.

Rodrik, no artigo publicado pelo site de distribuição de conteúdo Project Syndicate, foca principalmente na corrida dos semicondutores.

Ele explica como Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, por meio de iniciativas como o Chips and Science Act (Lei do Chips e Ciência), está subsidiando com muitos bilhões de dólares a implantação nos Estados Unidos de fábricas de semicondutores superavançados, como da TSMC de Taiwan e da própria Intel, americana. Junto com outras iniciativas, os incentivos aos chips ajudaram a materializar investimentos industriais de US$ 300 bilhões nos últimos dois anos, nas contas da Casa Branca.

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Rodrik aponta que há várias boas justificativas para a nova política industrial americana, já que a manufatura tem ganhos de produtividade muito maiores do que os dos outros setores da economia, e as recentes tensões geopolíticas mostraram aos países que é arriscado terceirizar demais a produção industrial para outras nações.

Mas a ideia de que a reindustrialização vai criar novos empregos de qualidade que reverterão a decadência socioeconômica dos antigos cinturões industriais dos Estados Unidos é ilusória. E a razão é justamente que essa "nova indústria" cria cada vez menos empregos.

A onda de tentar reindustrializar os Estado Unidos começou com Donald Trump na presidência. Ainda assim, a proporção de empregos industriais no total no mercado de trabalho americano (na verdade, excluindo o setor agrícola, que e minúsculo em emprego) caiu de 8,6% para 8,4% no governo Trump. E agora, com todo o esforço reindustrializador de Biden, a proporção caiu para 8,2%. Não é para menos, reflete Rodrik. O complexo fabril da TSMC no Arizona deve gerar apenas 6000 empregos, o que, em termos de investimento, dá algo como US$ 10 milhões por posto de trabalho.

Rodrik, que sempre foi um defensor da política industrial como ingrediente fundamental para países emergentes fazerem a difícil passagem até o nível do mundo avançado, tem manifestado ceticismo quanto a essa receita nos anos recentes. A razão é justamente a desindustrialização global, que, vista pelo prisma do emprego, ganha contornos bem mais dramáticos. Uma saída, para Rodrik (ele recentemente fez parceria com o prêmio Nobel Joseph Stiglitz neste tema), são investimentos em economia verde e políticas para aumentar a produtividade no setor de serviços, que é dominante em quase todas as economias.

Mas há quem conteste esse desânimo recente de Rodrik com a indústria como motor do crescimento. O economista e jornalista Noah Smith já vem há algum tempo criticando a nova visão de Rodrik, tendo como contraponto o caso de países do Sul asiático que continuam a crescer rapidamente com base em industrialização.

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O exemplo preferido de Smith é Bangladesh, que triplicou sua renda per capita desde 1995, crescendo na mesma velocidade da China. Smith nota que Bangladesh praticou uma política industrial muito agressiva no segmento de vestuário, voltada à exportação. Em cerca de 20 anos, a participação da indústria no PIB de Bangladesh saltou de 14% para quase 22%, segundo dados do Banco Mundial e da OCDE. Smith ressalva que o país fez várias outras reformas de modelo mais tradicional (estabilidade macro, abertura comercial, atração de investimento estrangeiro, investimento em infraestrutura), mas, ainda assim, as indicações são de que o surto industrial é um fator crucial na decolagem atual do país.

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O grande problema para um país como o Brasil, porém, é de que talvez esse modelo de política industrial que ainda funciona bem para um país emergente mais pobre querendo acelerar o crescimento, como Bangladesh, talvez já não dê conta do recado no caso brasileiro. O país asiático vem de um nível de renda e de custo de trabalho bem mais baixos que os do Brasil, o que permite que seja competitivo internacionalmente nos segmentos da indústria mais empregadores e, geralmente, de conteúdo tecnológico mais modesto.

Por outro lado, a ambição brasileira de competir nos segmentos de política industrial que estão na moda nos países avançados e na China, de altíssima tecnologia, como os chips ou bens manufaturados complexos, enfrenta os problemas tradicionais de custo Brasil, deficiências de capital humano e baixo investimento agregado na economia. Mesmo que o Brasil tivesse condições de avançar nessa seara, ela não criará, como Rodrik nota, os empregos de qualidade em massa necessários a um forte upgrade das condições de vida de grandes contingentes da população. De forma que a difícil agenda de Rodrik e de Stiglitz de apostar na transição verde e na melhoria da produtividade dos serviços - reforçando os nichos industriais em que o Brasil já se destaca, acrescentaria a coluna - parece ser mesmo a estratégia mais viável para que o Brasil supere a armadilha da renda média (junto com o restante da receita tradicional micro e macroeconômica, evidentemente).

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 19/4/2024, sexta-feira.

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Opinião por Fernando Dantas
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