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Fim do ciclo de alta de juros ainda é incerto, diz economista do Goldman Sachs

Para Alberto Ramos, apesar de o Banco Central indicar que vai reduzir o ritmo de aumento da Selic, a inflação alta, a eleição e a política de juros dos EUA complicam o cenário para o Copom

Foto do author Cicero Cotrim
Por Cicero Cotrim (Broadcast)
Atualização:

O Comitê de Política Monetária (Copom) sinalizou ao mercado que entrou na fase de ajuste da taxa Selic, mas o futuro do ciclo de aperto monetário ainda vai depender da evolução da inflação, que ainda não dá trégua, e do comportamento do câmbio. A avaliação é do diretor do grupo de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos.

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Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Ramos avalia que o Banco Central colocou um teto para o aumento dos juros na próxima reunião do Copom, em março, mas não se comprometeu em dizer que esse será o último aumento da Selic

“A política monetária está em campo claramente restritivo, e o impacto desse aperto monetário ainda não se fez sentir na demanda agregada e na inflação”, diz Ramos. “Ele (o Banco Central) se aproxima do fim do ciclo, sem se comprometer com a magnitude do próximo movimento, ou que o movimento de março será o último.”

Ramos aponta que as eleições, o iminente aumento das taxas de juros nos Estados Unidos e a inflação persistente dificultam o trabalho do Banco Central. “As forças inerciais (a pressão por reajustes de preços por causa da inflação alta) podem manter a inflação relativamente mais elevada, e é difícil cortar juros quando o Fed [Federal Reserve, o banco central americano] está subindo”, afirma. 

Segundo Alberto Ramos, política monetária ficará ainda mais restritiva com a decisão de março. Foto: Mark McQueen/Goldman Sachs - 25/1/2016

Olhando mais para frente, ainda que o BC consiga controlar a inflação, outro problema que o Brasil enfrenta é atingir um nível de crescimento mais acelerado. Ramos avalia que o Brasil no máximo deve retornar a um caminho de um “PIB medíocre." 

Para o analista, um ajuste fiscal capaz de reduzir a dívida pública brasileira ainda é o principal desafio para a economia do País. "O ajuste fiscal ainda não foi feito, continua a ser a agenda pendente", afirma. Leia a seguir, os principais trechos da entrevista.

O Copom indicou um aumento dos juros menor em março. Isso foi recebido como uma sinalização mais moderada por uma parte do mercado. Qual a sua avaliação?

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Talvez o mercado não esperasse uma menção tão explícita. Basicamente o Copom pôs um teto no movimento de março; qualquer coisa entre 0,75 e 1,25 ponto percentual nos parece apropriada neste momento, que está na fase final de ajuste fino. Claramente ele tem sido bastante agressivo. A política monetária está em campo claramente restritivo, e o impacto desse aperto monetário ainda não se fez sentir na demanda agregada e na inflação. Ele se aproxima do fim do ciclo, sem se comprometer com a magnitude do próximo movimento, ou que o movimento de março será o último. 

Isso coloca um limite para o aumento da Selic este ano, chegando a 12% ao ano?

Tecnicamente, não tem limite. Depende da evolução da inflação, do balanço de riscos, do entorno externo, da pressão no câmbio, da dinâmica da conta de capital, que impacta o câmbio. Ele é um banco central que tem uma meta de inflação, já disse de forma clara que a inflação projetada em relação à meta de 2023 tem maior peso na função de reação do que a inflação para 2022. Olhando a inflação projetada, com um juro se aproximando de 12%, ele consegue entregar a inflação na meta em 2023. É essa inflação em relação à meta que determina até onde tem de elevar a Selic.

O iminente aperto monetário nos Estados Unidos pode ter influência no ciclo de juros do Brasil?

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Certamente. Diria que, em 2022, a política monetária do Fed terá mais impacto em determinar quando e como o Copom poderá eventualmente cortar a Selic do que onde para o ciclo de aperto monetário. Não vamos esquecer de que a política monetária hoje está em campo restritivo, com uma expectativa de crescimento do PIB extremamente baixa. Nesse ambiente, elevar o juro a 12% já é uma dose bastante significativa. Mas, se a política do Fed, dos bancos centrais do G10, se tornar mais agressiva, e isso se transmitir com pressões no câmbio no Brasil, ou se a inflação importada for maior, possivelmente o BC terá de ir acima de 12%. Não é o que a gente espera, mas está dentro do espectro de risco.

Quando pode começar o corte de juros no Brasil?

A política monetária está em campo restritivo e ficará ainda mais restritiva com a decisão de março. Isso significa que, em algum ponto, teria de voltar ao seu ponto neutro. A gente acha que esse ponto poderia ser, provavelmente, no final de 2022, quando o BC começa a olhar a inflação projetada para 2023, que hoje está relativamente alinhada com a meta, e também a inflação projetada para 2024. Se ele mantiver a Selic em 12%, 11,75%, provavelmente a inflação projetada para 2024 ficaria abaixo da meta. Mas forças inerciais podem manter a inflação relativamente mais elevada, e é difícil cortar juros quando o Fed está subindo. Como o Fed está em zero hoje, e o juro no Brasil vai ficar perto de 12% em março, há uma margem para cortar. Ainda há muita incerteza pela frente, incluindo uma eleição.

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Falando em eleições, é possível que elas reduzam a efetividade da política monetária para controlar a inflação?

Tecnicamente, não está reduzindo, mas o ruído e a volatilidade de uma eleição polarizada podem ter impacto no câmbio e levar a uma inflação projetada maior. Isso significaria que o Banco Central teria de adotar uma política mais restritiva ou mantê-la restritiva por um período mais prolongado.

As expectativas para a inflação de 2022 continuam subindo. Qual é a chance de o BC conseguir cumprir a meta de inflação este ano (de 5%)?

Cumprir a meta, entregar no centro da meta, a probabilidade é baixa. E há uma probabilidade não desprezível que possa perder a meta no sentido de a inflação terminar o ano acima da banda superior. A grande batalha vai ser essa.

O que espera para o PIB de 2022?

Acho que a gente não vai ver o PIB em 2022. O PIB sai de férias e só volta em 2023. É um cenário de estagnação econômica, com inflação alta, juro alto, crescimento muito baixo, bastante ruído e volatilidade vindo da esfera política e institucional pela eleição. Espera-se que o cenário macro normalize em 2023 com uma política monetária menos restritiva, um impulso negativo da política fiscal aliviando um pouco, uma inflação mais controlada. Mas o Brasil tem um problema sério de crescimento há vários anos. O potencial de crescimento do Brasil já era muito baixo antes da pandemia. Talvez o efeito-cicatriz da pandemia, o aumento do endividamento público e a redução do estoque de capital tenham reduzido ainda mais o potencial no curto prazo. O ano de 2023 provavelmente vai ser melhor em termos de crescimento, mas não um ano satisfatório. Vamos voltar infelizmente para um caminho de PIB medíocre, e a única maneira de escapar a essa armadilha de baixo crescimento, baixa produtividade, é abraçar reformas estruturais que tornem a economia mais competitiva. Infelizmente, isso não parece estar no horizonte.

As contas públicas ficaram positivas em 2021 pela primeira vez em sete anos, mas o mercado ainda vê uma deterioração fiscal do Brasil. Podemos ter uma queda da dívida como no ano passado?

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Ainda não está no horizonte, porque 2021 foi um ano atípico, por vários fatores que não vão se repetir. O próprio crescimento, que nem sequer é crescimento, é uma recuperação da queda muito violenta provocada pela covid em 2020. Todo mundo teve uma recuperação em 'V', não foi só o Brasil. A covid foi uma restrição física e, quando foi removida, a atividade voltou e expandiu a base tributária. A inflação em dois dígitos ajuda, como os preços de commodities ajudam. Mesmo assim, o governo federal não teve superávit, o superávit foi liderado por um número atípico de Estados e municípios, que não vai se repetir. Este ano não vamos ter a contribuição da inflação, não vai ter a contribuição do crescimento, vai ter uma taxa de juros muito mais elevada, e é ano de eleição, então Estados e municípios provavelmente vão usar essa poupança. O resumo da ópera é que o Brasil ainda precisa fazer um ajuste fiscal entre 2 e 3 pontos porcentuais do PIB para colocar a dinâmica da dívida em trajetória descendente. Atingir um superávit primário que estabilize a dívida não é o suficiente, porque continuar a viver com uma dívida de 80% do PIB se apresenta como algo com bastante risco. O ajuste fiscal ainda não foi feito, continua a ser a agenda pendente.