BRASÍLIA - Se quiser dar prioridade ao setor de telecomunicações, é fundamental que o novo governo escolha pessoas que sejam "totalmente livres" para se dedicar à defesa do interesse público, disse o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Juarez Quadros, que deixa o cargo neste domingo (04), após pouco mais de dois anos à frente do órgão regulador.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Quadros cobrou responsabilidade do governo de Jair Bolsonaro (PSL) na definição de políticas públicas para o setor. Essa missão, na avaliação dele, demanda muito tempo e dedicação, algo que nem todos podem oferecer, afirmou. Defendeu também que os futuros conselheiros da Anatel tenham perfil técnico, experiência em regulação, conhecimento do setor e, sobretudo, coragem e capacidade "para dizer sim e não, nunca talvez".
Quadros tinha direito, mas não foi reconduzido para mais um mandato. O ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Gilberto Kassab, indicou o secretário da radiodifusão da pasta, Moisés Queiroz Moreira, para a presidência da Anatel.
Segundo ele, à agência reguladora cabe apenas aplicar as políticas públicas propostas pelo Executivo e aprovadas pelo Congresso, mas não criá-las. "A agência implementa o que é definido por meio de políticas públicas. Isso falta. São projetos de lei e projetos de decreto que não acontecem e se concretizam. Isso faz com que a agência fique praticamente independente de finalizar certos procedimentos", afirmou Quadros. "Já digo aqui o que se espera do novo governo, pois, do governo atual, é impossível agora, ao final do mandato, se tentar fazer com que essas coisas andem."
Quadros comparou a situação atual, de praticamente paralisia, com a de 20 anos atrás, quando o governo aprovou propostas que resultaram na privatização do setor de telecomunicações. "Posso reportar que, na reforma do setor, em 1997 e 1998, havia um empenho por parte do Executivo e dos legisladores para fazer com que a grande reforma acontecesse. Por sorte ela aconteceu e hoje o setor está entregue aos investimentos da iniciativa privada", afirmou Quadros.
Marco regulatório
Ao longo do período à frente do órgão regulador, o novo marco regulatório das teles foi aprovado na Câmara, mas ficou praticamente paralisado por dois anos no Senado. Para ele, o governo deveria ter sido mais ativo na defesa do projeto. "Na hora em que se consigam pessoas que se dediquem de corpo e alma na busca de soluções, indo ao Congresso, negociando com os parlamentares, mostrando a necessidade, certamente haverá um novo cenário em que o interesse público irá prevalecer", acrescentou.
Para Quadros, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), errou ao votar a proposta do novo marco regulatório do setor em uma comissão de forma expressa e enviá-la à Presidência da República, criando um problema para o atual presidente da Casa, Eunício Oliveira (MDB-CE). Dois anos depois, o projeto praticamente não andou e voltou à comissão de infraestrutura do Senado.
"Mais uma vez, é a falta de articulação. O Executivo tinha que estar perto para pautar a matéria, esclarecer os pontos. O processo ainda precisava ser melhor trabalhado. Não estava pronto para ser votado", disse.
O projeto permitia a migração das teles para o regime de autorizações e o direcionamento de investimentos de fundos setoriais, hoje restritos à telefonia fixa, para a expansão da banda larga. Sem a mudança legal, não é possível dar outro destino aos recursos. Mais de 90% dos recursos dos fundos, que hoje somariam cerca de R$ 20 bilhões, foram contingenciados para melhorar o resultado fiscal.
Recuperação da Oi
Quadros reconheceu que um dos momentos mais difíceis foi a recuperação judicial da Oi, quando foi pressionado pelo presidente Michel Temer e pelos ministros a votar a favor do plano da companhia, que previa uma carência de 20 anos e um parcelamento de cinco anos para o pagamento, proibidas pela lei.
A Oi tinha dívidas de R$ 65 bilhões, dos quais R$ 15 bilhões junto à Anatel e à Advocacia Geral da União (AGU). Tanto a Anatel quanto a AGU votaram contra o plano da empresa durante assembleia. "Eu pessoalmente torço para que isso dê certo, mesmo com os atropelos que têm ocorrido com a judicialização por parte dos credores", afirmou.
A despeito do desgaste, Quadros disse que não se arrepende da decisão. "A decisão precisava ser tomada. Foi 'não', não podia ser 'sim' ou 'talvez'. O que fizemos junto ao senhor presidente e aos ministros que acompanhavam o processo foi esclarecer que, ao representante do Poder Executivo, não deveria ser permitido qualquer tratamento senão aquele de votar 'não' na assembleia, sob pena de comprometer toda a cadeia do governo. Ao decidir de forma outra, que não pelo 'não', alguém teria que ser responsabilizado. Então, com isso, entendo que a Anatel protegeu a pessoa do senhor ministro e a pessoa do senhor presidente da República", disse.
"Qualquer exercício de uma função, seja na agência reguladora, seja nos órgãos da administração federal, sempre tem algum desgaste. Mas é o desgaste do bom combate. Entendo eu que isso, tempos depois, as pessoas todas que tiveram que participar da decisão haverão de entender que saíram protegidas, e não expostas às teias que certamente poderiam vir a posteriori."