PUBLICIDADE

Publicidade

Governo diz ao STF que contrato sem licitação em microregião não afronta marco do saneamento

Manifestação da AGU gerou apreensão entre representantes do mercado de saneamento

Foto do author Amanda Pupo
Por Amanda Pupo (Broadcast)

BRASÍLIA - Uma manifestação do governo Lula ao Supremo Tribunal Federal (STF) gerou apreensão entre representantes do mercado de saneamento e técnicos do setor, por legitimar o que, na visão dessa ala, configuraria um drible ao marco legal do saneamento. Na prática, a Advocacia-Geral da União (AGU) defendeu que a prestação direta de serviço - ou seja, sem licitação - por estatal de saneamento a municípios organizados em microrregião não seria uma afronta à lei em vigor desde 2020.

PUBLICIDADE

O marco legal exige que as prefeituras abram processo licitatório sempre que forem contratar um prestador que não seja municipal - o que significou o fim dos contratos de programa, fechados diretamente entre as empresas públicas estaduais e municípios. Desde essa vedação, incômoda aos governadores, as estatais estudam teses jurídicas para abrir uma “brecha” à regra e se manter à frente dos serviços. O Supremo ainda irá dizer se concorda ou não com a tese defendida pelas estatais - e, agora, pelo governo federal. No polo oposto da discussão está a associação que representa as empresas privadas de água e esgoto, a Abcon, responsável por levar o assunto ao STF no início do ano.

A posição do governo Lula se torna pública no momento em que a Casa Civil media uma negociação entre as empresas públicas e privadas sobre a regulamentação do marco legal. Um dos pedidos das estatais é justamente para que o Executivo libere por meio de decreto a tese que ainda será julgada pelo STF.

Quase 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada e 95 milhões não têm coleta e tratamento de esgoto Foto: José Lucena/Futura Press

A Abcon levou o caso à Suprema Corte ao questionar uma lei da Paraíba que previa a prestação direta da empresa estadual de saneamento - Cagepa - nas microrregiões de água e esgoto desenhadas após o marco legal. Como revelou o Estadão/Broadcast, a estratégia vem sendo elaborada pelas estatais pelo menos desde 2021. No governo Bolsonaro, o entendimento dos Estados foi rejeitado pelos ministérios da Economia e do Desenvolvimento Regional, mas a posição não impediu o avanço do tema, concretizado na lei paraibana.

Se o modelo for reconhecido, abrirá caminho para outros Estados irem adiante, além da Paraíba. Roraima, Maranhão e Piauí estão entre os que estudam a opção. Todos esses Estados montaram os blocos regionais de saneamento, exigidos pelo marco legal, por meio das chamadas “microrregiões”. A argumentação feita por quem defende a brecha à licitação é de que, nesse formato, a lei federal menciona que a titularidade dos serviços é também dos Estados. Com isso, o entendimento é de que, sendo a estatal uma empresa do governo estadual, a prestação direta, sem licitação, seria possível.

O setor privado, no entanto, rechaça essa interpretação do marco. Na ação apresentada ao STF, a Abcon afirma que a lei deixou expresso que a prestação direta só pode ser realizada por entidade formada exclusivamente com a participação dos municípios - o que não seria o caso das empresas públicas estaduais de saneamento. “Não é cabível interpretar o art. 8º apenas parcialmente, ignorando a vedação expressa de o Estado integrar a entidade interfederativa apta a prestar diretamente os serviços”, diz a entidade.

“Empresas estaduais não se enquadram no conceito de ‘entidade que integre a administração do titular’. Essa hipótese legal diz respeito exclusivamente à prestação do serviço por ente da administração do próprio titular. Ou seja, ‘uma coisa é o ente interfederativo, dotado de autonomia, outra coisa são as pessoas jurídicas que o constituem’”, apontam as empresas privadas ao STF.

Publicidade

A petição apresentada pela AGU, assinada pelo ministro Jorge Messias, contudo, vai na direção oposta, com o mesmo entendimento das estatais. “A mera previsão de autorização à prestação direta dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário pela CAGEPA não tem o condão de afrontar os ditames do marco legal do saneamento”, disse a AGU ao STF na última sexta-feira, 24, num posicionamento que surpreendeu técnicos que acompanham as discussões. O temor é que o assunto gere insegurança jurídica no setor, por trazer uma interpretação da lei totalmente diferente da que foi dada pelo governo anterior.

Antes de se posicionar nesse imbróglio, o STF terá também de decidir se irá julgar ou não a ação apresentada pela Abcon. Isso porque, após a lei da Paraíba ser questionada na Corte, a assembleia estadual revogou os artigos que previam a prestação direta da Cagepa nas microrregiões. Antes disso, contudo, uma das microrregiões - a do litoral - chegou a autorizar a contratação da estatal. Pelo fato de os artigos terem sido revogados, o Estado da Paraíba pediu a extinção do processo na Corte.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.