Como investidor, o tema que tem tirado meu sono é a potencial disrupção em nossos negócios. Com a aceleração de diversas tecnologias – smartphones, GPS, computação na nuvem, entre outras –, as barreiras à competição têm desaparecido. O trabalho de um investidor hoje é amargo-doce. Doce pelas novas oportunidades de investir em empresas revolucionárias, gerando enorme valor aos acionistas. Amargo, pois o risco de disrupção para seus investimentos é enorme. O foco tem de ser o longo prazo, mas não se pode mais investir e esquecer por anos. O preço da boa performance é a eterna vigilância com a disrupção.
Recentemente, várias empresas incumbentes foram surpreendidas por disruptores e perderam clientes e bilhões em valor de mercado. A origem desta transformação está no surgimento de ferramentas digitais e redes sociais, gerando novas formas de os consumidores descobrirem, avaliarem, escolherem e adquirirem produtos. Começar um negócio concorrente hoje é mais fácil. Com cloud computing, o empreendedor escala facilmente seu negócio. Pelas redes sociais pode-se gastar significativamente menos em marketing, cada real é direcionado ao consumidor específico que se busca. O e-commerce também facilitou muito a entrega do produto. Em alguns setores, parece que os incumbentes perderam o 1.º tempo do jogo – o que gera certa aflição em empresários, que buscam entender e iniciar a transformação digital.
A pergunta que inquieta os investidores é se os incumbentes – a maioria na Bolsa – conseguirão virar o jogo no 2.º tempo, para ainda serem bons investimentos. Como reagir? Compartilho algumas pistas. Os incumbentes devem reconhecer suas vantagens comparativas nesta batalha.
- Um negócio legado que geralmente gera caixa e pode financiar novos produtos;
- Uma marca que já tem a confiança dos consumidores;
- Uma base de clientes que torna mais fácil ir a mercado, fazer testes e perguntar aos clientes sobre as novidades;
- Uma base de dados histórica valiosa. Poucos conhecem tão bem a trajetória financeira de um cliente como os grandes bancos comerciais, por exemplo;
- Relacionamentos com reguladores e entendimento das idiossincrasias do mercado.
Por outro lado, hoje em dia, cada vez mais disruptores usam a estratégia de “não pedir permissão, mas depois pedir perdão”. Uber é um exemplo.
Porém, os desafios também são enormes. Como um transatlântico que é seguro e eficiente, mas lento e difícil de manobrar, mudar empresas estabelecidas é árduo. O que os vencedores têm feito:
1. Reconhecer que a mudança é de estratégia e modelo de negócio, não apenas tática. Não se trata de adaptar o negócio, mas, sim, de transformá-lo. Tudo começa em atender melhor o cliente. Isso implica, muitas vezes, colocar os interesses do cliente à frente da empresa. Quem disrupta seu negócio não é a tecnologia, são os clientes. Disruptores são empresas que oferecem muito mais valor ao consumidor. Hoje seu produto/serviço deve ser melhor, mais conveniente e sempre disponível onde o consumidor quiser;
2. Encarar a mudança como a nova missão que une a companhia. O principal desafio desta transformação é mudar a cultura para correr riscos, experimentando mais e ouvindo mais o consumidor. A nova missão tem de ser comprada e vivida pela alta gestão e pelo conselho de administração. O líder tem de estar 100% alinhado à nova missão. Todos sempre olharão para o líder para confirmar se a mudança é para valer. Não há diferença entre o que o líder e a empresa vivem.
Habilidades desejáveis do novo líder: capacidade de vender um sonho transformacional interna e externamente; saber escalar um negócio e estratégia de go-to market; ter menor aversão a risco; e estar junto ao cliente. O líder é quem tem as perguntas certas – não todas respostas. Os sistemas de remuneração também têm de evoluir, incorporando riscos e insucessos com tranquilidade. O orçamento deve prever recursos para experimentação, reduzir a burocracia interna e criar um processo de fast-track para novas ideias. Não dá para experimentar novos modelos de negócio em uma cultura de orçamento super-rígida.
Do ponto de vista dos conselhos, uma dúvida é se a gestão atual consegue se adaptar. Na minha experiência, se o CEO e o conselho compram a ideia de real mudança e criam os incentivos corretos, a maioria dos liderados está apta a enfrentar o desafio. É sempre bom lembrar: no final, ter as pessoas certas é mais importante do que acertar a tecnologia. Como investidores, preferimos as chamadas “empresas de dono”, que conseguem tomar mais risco do que corporações. Talvez a Amazon não tivesse corrido o risco do serviço Prime se não fosse o dono, Jeff Bezos, bancar.
3. Fazer melhorias contínuas nos produtos atuais, mas ter espaço para experimentação em produtos que podem mudar o jogo. Ou seja, um modelo duplo, que aprimora constantemente os produtos atuais com foco em uma operação eficiente, mas que também investe na disrupção e novos modelos de negócios, muitas vezes antagônicos ao atual.
4. Criar “cercadinhos” de inovação interna pode ser uma forma de iniciar o processo. Formar uma incubadora dentro da empresa para ver o que está acontecendo no setor e adjacências também é útil. Outras alternativas são fazer joint-ventures com startups ou outros incumbentes, além de aquisições (cuidado aqui para não matar as adquiridas quando forem incorporadas). O principal ponto de atenção é não criar culturas internas conflitantes. A empresa toda deve adotar uma cultura de inovação. No final, o maior desafio é vencer os anticorpos que surgem contra as mudanças.
A transformação de uma empresa não se resume a resolver os itens acima, mas eles são um bom começo. Para aquelas na Bolsa, o desafio é ainda maior pelo medo de perder rentabilidade e alienar os acionistas com visão de curto prazo. Mas acredito fortemente que o sucesso começa com os conselhos de administração e líderes pulando neste novo mundo com os dois pés respondendo à pergunta: “Como gero mais valor aos meus clientes através das novas ferramentas e não só me defender da competição, mas crescer meu mercado”. O prognóstico para o placar no 2.º tempo não é auspicioso para os incumbentes, dada a mudança brutal de cultura, pessoas e processos necessária. Mas é possível. Os clientes, acionistas e colaboradores esperam ansiosamente.
* SÓCIO-FUNDADOR E CIO DA CONSTELLATION ASSET