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Juro do crédito imobiliário chega a quase 11% e preocupa empresas; entenda impacto para o consumidor

Financiamentos para compra de imóveis, que chegaram a R$ 205 bilhões em 2021, devem recuar para R$ 156 bilhões neste ano

Foto do author Circe Bonatelli
Foto do author Matheus Piovesana
Foto do author Márcia De Chiara
Por Circe Bonatelli (Broadcast), Matheus Piovesana (Broadcast) e Márcia De Chiara
Atualização:

O ambiente de juros altos da economia brasileira, com a taxa Selic em 13,75% ao ano, combinado à onda crescente de saques das cadernetas de poupança, levou os bancos privados a subirem a taxa dos financiamentos imobiliários nas últimas semanas. O quadro ligou o sinal de alerta para as incorporadoras imobiliárias, que esperam mais dificuldade para as vendas daqui em diante, com os compradores mais assustados com o custo do crédito.

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A taxa média de juros do crédito imobiliário chegou à faixa dos dois dígitos no segundo semestre do ano passado - algo que não se via desde 2016 -, e segue ganhando corpo neste ano. Dados do Banco Central mostram que essa taxa bateu em janeiro, em média, a marca de 10,74% ao ano. O patamar é consideravelmente maior do que o registrado nos mesmos meses de 2022 e 2021, quando estavam em 9,41% e 6,98%, respectivamente.

O crédito mais caro afugenta potenciais compradores de imóveis - até porque esse é em geral um financiamento de prazo muito longo. Com isso, o setor de construção começa a ligar o sinal de alerta. A expectativa é que as vendas de imóveis, principalmente de médio e alto padrão, sejam mais demoradas neste ano, afirmou o presidente da Comissão da Indústria Imobiliária da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Celso Petrucci. “Teremos um cenário de financiamento mais difícil em 2023″, afirmou.

O quadro, no final do ano passado, já indicava que o setor entraria em 2023 em desaceleração. De acordo com pesquisa da CBIC, os lançamentos de imóveis no País no quarto trimestre tiveram queda de 23,1% em relação ao mesmo período de 2021, indo para 80.198 unidades. No acumulado de 2022, os lançamentos recuaram 8,6% frente a 2021, para 295.447 unidades.

Por sua vez, as vendas de imóveis baixaram 9,6% no quarto trimestre de 2022 perante o mesmo período de 2021, para 74.119 unidades. No acumulado do ano, as vendas de imóveis no País diminuíram 3,2% em comparação com o ano anterior, para 314.305 unidades.

Projeção é que crédito imobiliário fique na faixa de R$ 156 bilhões em 2023, de acordo com projeções da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança Foto: Marcelo Chello /Estadão

Compra adiada

Com os juros dos financiamentos imobiliários beirando 11% ao ano, o consumidor que conseguir adiar a compra da casa própria, aguardando algum recuo na taxa, poderá fazer um bom negócio e deixar de desembolsar cifras expressivas.

”Como o financiamento imobiliário é de alto valor, qualquer queda de meio ponto porcentual na taxa de juros tem um impacto muito grande no valor da prestação e no total desembolsado”, diz Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor executivo da Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).

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Em um financiamento imobiliário de R$ 500 mil, por exemplo, contratado por um prazo de 30 anos, a economia pode chegar a 6% (ou cerca de R$ 70 mil) ao final do período, se a taxa de juros do crédito imobiliário cair apenas um ponto porcentual, de 10% ao ano para 9%, calcula o economista. O empréstimo com juros de 10% ao ano ficaria em R$ 1.221.966,17 e com juros de 9% ao ano sairia por R$ 1.150.460,92. ”Diante de juros tão elevados, recomendo que o consumidor aguarde um pouco”, afirma.

Além das taxas elevadas, ele aponta outros fatores que devem ser considerados antes de assumir um empréstimo imobiliário. Um deles é que a taxa contratada do financiamento é mantida do início ao fim do contrato, mesmo que ocorram reduções nos juros praticados no mercado ao longo do período. Por isso, haveria um risco elevado de fechar um financiamento quando as taxas de juros estão no pico.

Nesses casos, a alternativa para o consumidor seria fazer a portabilidade do financiamento para uma outra instituição financeira, em busca de uma taxa menor, à medida que os juros caiam.

O diretor da Anefac observa que o desemprego diminuiu, mas ainda está em níveis elevados, a inflação desacelerou, porém continua corroendo o poder de compra do brasileiro. Com isso, os juros devem continuar elevados, mas a tendência é que as taxas recuem, provavelmente a partir do segundo semestre.

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”Os juros tendem a cair mais para a frente na medida em que o Banco Central começar a reduzir a Selic e as expectativas da economia se configurarem com crescimento e baixo risco de inflação”, diz. Ele considera, no entanto, pouco provável que os juros dos financiamentos imobiliários voltem para os níveis do passado, quando a taxa anual girava em torno de 7%.

Liberação de compulsório

De olho nessa questão dos juros altos, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) encaminhou ao Banco Central (BC) uma proposta de redução de 5% no compulsório bancário. O objetivo seria direcionar esse dinheiro para abastecer os financiamentos de imóveis e incentivar uma possível redução das taxas de juros.

A medida, se confirmada, representaria uma injeção de R$ 38 bilhões em recursos no mercado imobiliário, disse o presidente da Abrainc, Luiz França, ao Estadão/Broadcast. “Com isso, a pressão sobre a taxa não existiria mais, pois haveria funding (recurso) disponível aos bancos para fazerem o mesmo volume de financiamentos do ano passado”, explicou.

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Os financiamentos foram recordes em 2021 (R$ 205 bilhões) e tiveram a segunda melhor marca da história em 2022 (R$ 179 bilhões). Já para este ano, a projeção é de ficar na faixa de R$ 156 bilhões, de acordo com projeções da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

Um detalhe da proposta é que essa flexibilização do compulsório seja usado para financiar somente imóveis novos, deixando de fora os usados. “É nos imóveis novos que está a geração de empregos e se movimenta a economia”, argumentou o presidente da Abrainc. Segundo ele, os R$ 38 bilhões poderiam se traduzir em 160 mil apartamentos, 900 mil empregos e R$ 10 bilhões em impostos. A proposta da Abrainc foi entregue semana passada ao BC, que ficou de avaliar.

Efeito Selic

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Em fevereiro, os três maiores bancos privados do País, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander, aumentaram as taxas em aproximadamente 0,5 ponto porcentual, enquanto Caixa Econômica Federal (líder de mercado) e Banco do Brasil (com fatia pequena do mercado) mantêm os valores inalterados desde o começo do segundo semestre do ano passado.

“Todos os bancos tiveram de acabar alterando taxas ou vão alterar. Fizemos um movimento bem recente para todos os segmentos”, disse o diretor de crédito imobiliário do Itaú Unibanco, Thales Ferreira Silva.

A principal razão para esse movimento é a trajetória dos juros da economia brasileira. A Selic ficou em patamares elevados por mais tempo que o esperado devido à inflação relativamente alta e à indefinição da âncora fiscal pelo governo. Trata-se de uma reversão negativa das expectativas, uma vez que o movimento esperado era de queda da Selic neste ano - mas isso não está mais tão claro.

Outro ponto importante é o encarecimento das fontes de recursos que os bancos usam para conceder empréstimos. A mais comum é a poupança, que tem vivido uma onda de saques. Desde o ano passado, a caderneta já perdeu R$ 100 bilhões. Paralelamente, o setor vem de dois anos de demanda aquecida. Os financiamentos foram recordes em 2021 (R$ 205 bilhões) e tiveram a segunda melhor marca da história em 2022 (R$ 179 bilhões). Ou seja, consumindo os recursos das cadernetas.

Para não deixar de emprestar, os bancos passaram a buscar dinheiro em outras fontes do setor imobiliário, como as letras de crédito (LCI e LIG) e os certificados de recebíveis (CRI). Com isso, a poupança perdeu espaço no bolo. A caderneta respondeu por 40% do crédito imobiliário em 2022 contra 46% em 2021. Já os demais instrumentos chegaram a 34%, ante 27% no ano anterior, de acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). O restante vem do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) - segmento em que as taxas são reguladas.

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Com custo de captação maior, esses instrumentos tiveram como efeito colateral a alta nas taxas cobradas dos consumidores. Há, entretanto, expectativa de que não vá faltar dinheiro para empréstimos, embora exista tendência de redução dos volumes. Para este ano, a Abecip projeta queda de 13% na liberação de empréstimos para a compra e a construção de residências, atingindo R$ 156 bilhões.

“Espero que 2023 seja o terceiro melhor ano para o crédito imobiliário, mas notadamente já existem sinais de arrefecimento”, afirmou Silva, do Itaú Unibanco.

“Tem funding? A resposta é sim”, disse o diretor de crédito imobiliário do Santander, Sandro Gamba. “Continuaremos atendendo o mercado, mas com uma composição menor de poupança e um peso maior de outros instrumentos, que têm um custo maior. Aí, vamos trabalhar de acordo com a demanda.”

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