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Economista e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Luís Eduardo Assis escreve quinzenalmente

Opinião|Aumentar preço de alimentos ultraprocessados não traz votos - e governo não vai comprar essa briga

‘Lobby’ para manter esses alimentos a preços baixos pode prejudicar população no futuro

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Atualização:

Foi dada a largada. Esqueçam a Olimpíada de Paris. O embate se dará aqui mesmo. Com a divulgação do monumental trabalho da equipe econômica para a regulamentação da reforma tributária, os setores organizados se digladiarão para convencer os parlamentares de que merecem os apanágios de uma taxa privilegiada. O lobby é o esporte mais popular da elite brasileira. Todos têm uma tese meritória para apresentar. Quanto mais convincentes forem, maior será a carga tributária dos segmentos menos organizados.

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Um consenso, no entanto, se destaca. Entre os produtos sobre os quais incidirá o imposto seletivo, com o objetivo primordial de reduzir o consumo de bens considerados nocivos, não estão os alimentos ultraprocessados.

Que eles são danosos à saúde, não restam dúvidas. Basta conferir o livro recente de Chris Van Tulleken (Ultra-processed People – The Science Behind Food that Isn´t Food, 2023) no qual o autor monta, peça por peça, a intrincada lógica perversa que sustenta a produção desses alimentos. Para ser ainda mais convincente, enquanto escrevia o livro, o autor teve o capricho de praticar uma dieta com 80% de produtos ultraprocessados para testemunhar, em seu próprio corpo, as evidências que descrevia.

Haddad entregou o projeto da reforma tributária no final de abril Foto: Wilton Junior/Estadão

Por que os ultraprocessados foram poupados da oneração adicional? Trata-se de uma consequência lógica de interesses convergentes. A indústria, claro, se articulou politicamente para lembrar o governo e parlamentares que esses produtos são mais baratos e ajudam a combater a fome.

Pelos números da Pnad, 64,2 milhões de brasileiros afirmavam ter algum grau de insegurança alimentar no ano passado. Em 27,6% dos domicílios foi reportada incerteza quanto à disponibilidade de alimentos no futuro imediato – em 2013, esse porcentual era de 22,6%. Piorou em dez anos. E aqui entra o interesse do governo, a outra peça desse encaixe. Não é popular aumentar o preço dos alimentos, mesmo que eles não sejam saudáveis, em um país que nem sequer resolveu o problema da fome. Isso não dá voto.

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A médio prazo, claro, isso vai onerar o sistema público de saúde e, provavelmente, gerar desgaste para quem estiver no comando do Executivo. Mas trata-se aqui, tipicamente, de um dilema intertemporal. O governo não quer comprar essa briga. Os preços dos alimentos já vêm aumentando de forma desproporcional. Nos últimos dez anos, o custo da alimentação no domicílio cresceu 104%, ante 76% do IPCA. Resta torcer para que alguma campanha de conscientização seja promovida e alerte para os riscos associados à escolha que fizemos. Os interesses imediatos venceram. O futuro? O futuro fica para depois.

Opinião por Luís Eduardo Assis

Economista. Autor de 'O Poder das Ideias Erradas' (Ed.Almedina). Foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP

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