BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quarta-feira, 11, uma ação que discute se deixar de pagar o ICMS declarado como devido pode ser enquadrado como crime tributário, por apropriação indébita, que tem pena de um a quatro anos de reclusão, além de multa. A prática consiste em cobrar o ICMS do consumidor, declarar na nota fiscal, mas não recolher o imposto.
Os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes votaram que sim, é crime, desde que a Justiça comprove o dolo (intenção de não pagar), o que deve ser apurado pelo juiz competente. O ministro Gilmar Mendes, por outro lado, foi contra.
O desfecho da discussão é bastante aguardado pelos Estados, que esperam uma eventual criminalização da prática para ter maior força ao cobrar o ICMS devido pelos contribuintes.
O julgamento se refere a um recurso apresentado por um casal de lojistas de Santa Catarina, denunciado pelo Ministério Público estadual por não ter recolhido o valor referente ao ICMS em diversos períodos entre 2008 e 2010. Eles recorrem da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de outubro de 2018, que considerou crime o não pagamento do ICMS declarado.
A defesa pediu que o STF a anulação da decisão do STJ e suspenda o processo criminal, que no momento aguarda a posição da Suprema Corte. Para os advogados, a simples inadimplência fiscal não caracteriza crime, pois não houve fraude, omissão ou falsidade de informações ao Fisco.
O Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal (Conpeg) também defende que a prática seja considerada crime, sob o argumento de que muitos contribuintes declaram o ICMS e alegam “mero inadimplemento”, causando prejuízo aos cofres públicos. A Procuradoria-Geral da República (PGR) havia se posicionado contra o recurso – ou seja, a favor da tese de que o não pagamento do tributo é crime. Mas, na sessão, mudou de lado e votou a favor dos recorrentes.
O relator, Luís Roberto Barroso, afirmou que é contra a "exacerbação" do direito penal, mas frisou que é preciso que ele seja sério e igualitário. Ele comparou o não pagamento de tributo com o roubo de caixa de sabão em pó no mercado. “Penso que quando há crime tributário, deve ser igualmente sério. Tratar diferente o furto da sonegação dolosa faz parte da seletividade do direito brasileiro, que considera que crime de pobre é mais grave do que crime de rico”, disse.
Segundo Barroso, ao comentar sobre outros casos, a sinalização dada pelo STJ de que a apropriação indébita não é crime teve uma repercussão negativa. “Os contribuintes deixaram de sonegar e passaram a declarar. ‘Olha, eu devo esse tributo, devo não pago’. Portanto, aumentou exponencialmente a quantidade de episódios de apropriação tributária indébita”, disse.
Para citar como exemplo, Barroso disse que, em Santa Catarina, o número de comunicações passou de 1 mil para quase 4,5 mil. “Houve migração do crime de sonegação para o crime de apropriação indébita. Porque aí eu não pago e não tem consequência de natureza penal. Não é esse tipo de conduta que o direito deseja estimular”, disse.
O ministro Gilmar Mendes foi o único que votou para não considerar o não pagamento crime porque só seria possível o enquadramento em caso de fraude.
O julgamento será retomado nesta quinta-feira, 12, às 14h. Restam oito votos.