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Alfabetização: Brasil não avalia bem leitura e escrita, diz estudo de Stanford

Outros países medem competências como compreensão e associações, algo que provas brasileiras não seguem

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Por Renata Cafardo
Atualização:

Análise elaborada por pesquisadores da Universidade de Stanford e outros especialistas brasileiros indica que o País não avalia a alfabetização das crianças de maneira adequada nem seguindo as melhores práticas mundiais. Segundo o documento, as provas no Brasil não conseguem medir a capacidade das crianças de compreender textos e fazer conexões entre leitura e conhecimento prévio. O estudo também questiona a efetividade de provas de fluência leitora, cada vez mais comuns no País, que medem o ritmo com que as crianças leem.

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Nesta quarta-feira, 31, o Ministério da Educação (MEC) apresentou os critérios que serão considerados a partir de agora no País para definir quando uma criança está alfabetizada. Entre os parâmetros para alunos de 7 anos, que estão no 2º ano do ensino fundamental, estão escrever bilhetes e convites e ler textos simples, tirinhas e histórias em quadrinhos. Seguindo a nova medida, 56,4% dos estudantes do 2º ano não estavam alfabetizados no Brasil em 2021.

“Os nossos testes não capturam as competências, a compreensão, associar conhecimentos. Eles medem só habilidades específicas”, diz o professor de Educação de Stanford, o brasileiro Guilherme Lichand, autor do documento intitulado Policy Review: Medindo competência de leitura. O Estadão teve acesso à análise, que será divulgada nesta semana e foi elaborada pelo Lemann Center, centro de estudos em políticas educacionais focado no Brasil, em Stanford.

Lichand se refere ao Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que cobra das crianças de 7 anos, em testes de múltipla escolha, leitura de pequenos textos, identificação de letras e palavras, completar frases e associar figuras. Vários Estados também têm suas avaliações próprias, mas feitas com base no que pede o Saeb. O pesquisador considera um avanço o esforço do MEC de criar parâmetros, mas diz que é preciso mudar a avaliação para que ela, de fato, avalie se a criança entende e relaciona o que lê.

Em outros países, como França, Estados Unidos, Reino Unido, há provas com questões dissertativas e ênfase na compreensão de textos. A forma como se ensina e se mede a alfabetização no País explica também, segundo os pesquisadores, o Brasil estar nas últimas colocações do PIRLS, um exame internacional divulgado este mês e feito com crianças do 4º ano.

O exame tem apenas dois textos, um literário e outro informativo, com 15 perguntas cada. Segundo o especialista em avaliação e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais Francisco Soares, que também contribuiu para o estudo, o fato de o exame conter muitas questões sobre um mesmo texto é crucial para que se possa verificar o domínio do estudante na competência leitora. “Isso exige mobilização concomitante de várias habilidades de leitura e conhecimentos linguísticos”, afirma Soares no documento.

“O estudante brasileiro está acostumado a ler textos de complexidade muito mais baixa do que seria o adequado para o seu ano escolar e, portanto, não desenvolve a capacidade de mobilizar as várias habilidades necessárias para compreensão global do texto”, conclui o estudo.

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Como são as avaliações que medem alfabetização no mundo

  • França: aos 7/8 anos de idade. Mede leitura em voz alta, compreensão da leitura, compreensão auditiva, riqueza do vocabulário, ortografia
  • Alemanha: 9/10 anos de idade. Avalia fala e escuta, escrita, leitura e lidar com textos e meios de comunicação, ortografia
  • Reino Unido: 5/7 anos de idade. Avalia escrita, leitura, pontuação, gramática, ortografia
  • Estados Unidos: 9/10 anos de idade. Avalia leitura, ortografia, escrita
  • México: 8 a 11 anos de idade. Avalia compreensão de leitura, reflexão de linguagem
  • Brasil: 7 anos de idade. Avalia leitura de pequenos textos, identificação de letras e palavras, completar frases, associar figuras.
Crianças em aulas de alfabetização em Granja, no Ceará Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O estudo também questiona a efetividade de testes de fluência leitora feitos no Brasil em 15 Estados e que o MEC deve estimular em uma política de alfabetização que deve ser lançada nas próximas semanas. As provas pedem para que as crianças leiam e avaliam precisão, velocidade (incluindo pausas e pontuações) e entonação. As leituras são gravadas e depois os áudios são avaliados por professores.

Segundo o estudo, apenas o município de Mendoza, na Argentina, faz um teste como o Brasil. No Reino Unido, havia avaliação de fluência nacional para alunos de 5 a 7 anos, mas a prova deixou de ser obrigatória em 2023, “na contramão do movimento iniciado recentemente no Brasil”, diz o documento.

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“A capacidade de vocalizar um texto com precisão, ritmo e prosódia é, de fato, saber ler? Mesmo que correlacionada, a verdade é que fluência leitora não é condição necessária nem suficiente para competência de leitura, é possível vocalizar com perfeição sem entender o significado de uma única frase que foi lida”, diz Lichand no texto da análise. Segundo ele, a fluência pode ser uma habilidade importante, mas não é o fim esperado. “O fim é entender o que está lendo.”

O documento também menciona a importância do uso de textos para ensinar a ler e escrever e para avaliação da alfabetização. “Infelizmente a centralidade do texto para o ensino e avaliação se perdeu nos últimos anos”, diz o estudo, que enfatiza que Estados e municípios do Brasil “optaram por fazer mera repetições das habilidades de leitura, não enfatizando a escolha de textos em que estas habilidades seriam verificadas e desenvolvidas”. Para os autores, as redes de ensino deveriam identificar textos culturalmente relevantes para os estudantes das diferentes regiões do Brasil e com a complexidade adequada a cada ano escolar.

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