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Metade dos docentes não indica carreira

Falta de reconhecimento, de respeito e de salário justo são apontados como razão, mostra Todos pela Educação

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Atualização:
Maicon, de 19 anos: 'Professores me aconselharam outra carreira' Foto: FELIPE RAU/ESTADãO

SÃO PAULO - Todos os anos, a professora Elisângela Gusmão, de 44 anos, pergunta aos seus alunos dos anos finais do ensino fundamental (6.º ao 9.º ano) se gostariam de ser professores. Raramente alguém levanta a mão. Apesar de a visão das crianças sobre a profissão lhe causar tristeza, Elisângela compreende, afinal nem ela própria recomendaria a carreira – assim como metade dos docentes. Uma pesquisa do Todos pela Educação feita em maio mostra que 49% dos professores não indicariam a docência a um jovem. 

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+ Só 2,4% dos jovens brasileiros querem ser professor

“Não me arrependo da escolha profissional, mas não gostaria que meus filhos fossem professores. É uma categoria muito desvalorizada pelo sistema e pela sociedade”, diz Elisângela, que há 15 anos dá aula de Educação Física em uma escola estadual na zona leste de São Paulo. A pesquisa identificou que entre as palavras mais usadas pelos professores para justificar a contraindicação da carreira estão reconhecimento, respeito e salário.

Segundo o relatório da OCDE, a valorização de quem entra em sala de aula para ensinar as crianças foi o caminho trilhado pelos países que hoje têm os melhores indicadores educacionais do mundo. Tornando a carreira mais atrativa, esses sistemas conseguiram levar os melhores alunos para a profissão e, consequentemente, formaram melhores professores. 

O Brasil, no entanto, caminha na contramão desses países: quem procura a profissão são os jovens com menor rendimento escolar. No País, a média de quem quer ser professor é de 354 pontos em Matemática e 382 em Leitura, no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Do outro lado, os jovens que querem outras carreiras que exigem ensino superior têm média de 390 e 427 pontos, respectivamente. “Os baixos salários e o pequeno reconhecimento social podem deter estudantes academicamente talentosos, já que eles têm opções mais lucrativas e prestigiadas”, aponta o relatório da OCDE.

Professora, Elisângela quer outra carreira para filhos Foto: GABRIELA BILO / ESTADAO

Ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Pilar Lacerda, diretora da Fundação SM, diz que o ingresso de alunos com menor rendimento nas licenciaturas não seria necessariamente ruim se houvesse uma boa formação inicial nas graduações para esses futuros professores. “São pessoas com outro repertório social e cultural, que podem fazer diferença no ensino, se conectar melhor com os alunos, pois entendem melhor a realidade do País. O problema é que temos uma formação inicial fraca e uma continuada deslocada das dificuldades vividas em sala de aula.” 

Para Nicoly Oliveira, de 16 anos, foi a proximidade com alguns professores que a fez decidir pela careira docente. “É impressionante como eles conseguem ensinar e estimular mais de 30 alunos dentro de uma sala, cada um vivendo os seus problemas. Eles fizeram a diferença na minha vida, e eu quero ter uma profissão em que sinta ser importante para as crianças”, conta a aluna da escola estadual Castro Alves, na zona norte da capital. 

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Ela já decidiu que quer cursar Pedagogia para dar aula a crianças dos anos iniciais do ensino fundamental (do 1.º ao 5.º ano) em uma escola pública. “Sei que não vai ser fácil por diversas questões: a violência, a falta de estrutura, o baixo salário. Mas são problemas com os quais convivi a minha vida toda e quero enfrentá-los”, afirma. 

Filha de uma cabeleireira e um pedreiro que não tiveram a chance de concluir o ensino médio, Nicoly conta que os pais estão orgulhosos de sua escolha profissional e torcem pelo seu ingresso em uma faculdade. 

Segundo o relatório da OCDE, em países como o Brasil, a carreira docente pode ser percebida como “um caminho para a mobilidade social”. É o que mostram os dados do Censo da Educação Superior: apesar de apenas 2,4% dos alunos quererem ser professor, 20% das pessoas que acessam o ensino superior vão cursar alguma licenciatura.

“Os cursos de formação de professores são mais acessíveis, porque não são em período integral, são mais baratos que outras graduações e há uma grande oferta de vagas. Também têm uma garantia mais rápida de entrada no mercado de trabalho, ainda que pague pouco”, diz Caroline Tavares, gerente de projeto do Todos. 

Salário

A valorização docente também depende de boa remuneração. Dados mostram que o Brasil ainda caminha a passos lentos para chegar perto dos melhores exemplos educacionais. O professor da rede pública brasileira recebe, em média, cerca de R$ 38,9 mil por ano – um terço da média dos docentes de países membros da OCDE. 

Os salários também são mais baixos quando a comparação é feita no Brasil, com profissionais com a mesma escolaridade. Relatório do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) publicado este mês mostra que o salário de professores da educação básica é, em média, 25,2% mais baixo.

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Um em cada cinco professores tem mais de 50 anos

O fato de a docência ser uma carreira pouco atrativa para os jovens brasileiros fez com que o quadro de professores envelhecesse no País. Hoje, um em cada cinco professores da educação básica tem mais de 50 anos. Além da preocupação com a reposição desses profissionais, que, em tese, se aposentarão nos próximos anos, especialistas destacam o distanciamento que professores mais velhos costumam ter em relação aos alunos. 

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“O mundo mudou mais rapidamente nos últimos anos e, com isso, a necessidade dos alunos é outra. O sistema educacional não acompanhou essa mudança. Precisamos reconfigurar a escola, usar novas linguagens, novas metodologias de ensino. O professor jovem é essencial para essa mudança. Quem está há mais tempo na carreira tem muita experiência, mas também precisa mudar”, diz Miguel Thompson, diretor do Instituto Singularidades. Segundo o Censo Escolar de 2016, apenas 14% dos 2,1 milhões de professores que lecionavam naquele ano tinham menos de 29 anos.

Aluna do Colégio Móbile, na zona sul de São Paulo, Gabriela Peres, de 17 anos, diz que passou a pensar em ser professora ao perceber que seus colegas com dificuldade em Biologia conseguiam aprender com ela. “Sempre gostei muito de estudar e descobri que também é muito legal ensinar”, diz. Filha de médicos, ela conta que os pais a alertaram sobre a baixa remuneração e o estresse da profissão. “Apesar de todos os pontos negativos, vejo meus professores em sala de aula e penso que quero ser como eles.”

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