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Foto do author Renata Cafardo

Muitos dos que vão fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste domingo eram ainda bebês quando, há exatos 15 anos, a prova foi roubada da gráfica poucos dias antes de ser aplicada a milhões de jovens brasileiros, em 2009. Era o primeiro ano em que o exame, antes com poucas questões e sem muita importância, havia se tornado o maior vestibular do País, por decisão do Ministério da Educação (MEC).

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A história tem ares de thriller de suspense e envolve esta colunista e este jornal. Em 2009, quase a mesma quantidade de jovens inscritos este ano, cerca de 4 milhões, viviam a expectativa de fazer um novo Enem, que prometia democratizar o acesso a universidades federais e dar fim ao périplo de estudantes pelo País, pagando diversas taxas de inscrições, fazendo dezenas de provas.

E tinha uma ambição maior: acabar com o vestibular tradicional, oferecendo uma prova menos conteudista, em que as disciplinas se misturavam, sem decoreba.

Um dos homens condenados por furtar a prova do Enem, em 2009, em encontro com jornalistas do Estadão Foto: José Patrício/Estadão

Mas esta colunista recebeu uma ligação, que foi sucedida por um encontro com homens que estavam com o exame e queriam vendê-lo ao jornal por R$ 500 mil. A tentativa de negociação não fazia sentido algum, nem absolutamente nada foi pago, mas o Estadão teve acesso aos cadernos de prova que seriam aplicados dali 72 horas e deveriam estar guardados sob rigoroso sigilo.

A reportagem bombástica do Estadão sobre o vazamento do exame fez com o que o MEC - liderado à época por Fernando Haddad, no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - cancelasse o Enem.

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Estudantes incrédulos com tamanha confusão - descobriu-se depois que um dos criminosos enfiou o caderno de provas na cueca para roubá-lo da gráfica onde era impresso - protestaram por mais segurança na prova.

O roubo fez a até então desconhecida avaliação se tornar um dos assuntos mais comentados do País, um trend topic quando nem se sonhava com isso - o que não mudou até hoje. O Enem 2009 foi refeito mais de um mês depois, os criminosos julgados e condenados depois de anos.

Desde então, a logística e a segurança da prova viraram quase obsessão para o MEC. Em 15 anos, nunca mais o Enem foi roubado ou cancelado. Mas persistem problemas e desafios que reaparecem a cada fim de ano.

Um deles é a falta de perguntas suficientes, o chamado banco de itens, que já enfrentou até tentativas de censura durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). A cada prova ressurgem questionamentos sobre a qualidade ou viés de algumas questões, mas os tropeços têm muito mais a ver com falta de opção do que com qualquer direcionamento ideológico.

O fato é que é difícil “comprar” questões para o Enem, não tem quem faça isso com qualidade no Brasil, e há muito controle - com razão - para que o processo de elaboração de novas perguntas seja feito com lisura.

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A pouca quantidade de itens também impede que o exame seja aplicado mais de uma vez por ano, como acontece com o SAT americano, que seleciona para as universidades nos EUA. Isso facilitaria a logística e a segurança de uma prova só - feita por milhões de brasileiros, ao mesmo tempo.

Estudantes lêem o Estadão no dia em que foi noticiado o cancelamento da prova, há 15 anos Foto: Marcio Fernandes/Estadão

Há algum tempo também se fala de uma modernização do Enem, com questões discursivas que avaliem argumentação, senso crítico, mas ainda não se sabe como tornar a viável a correção de tantas respostas escritas.

Apesar da proposta de democratização, que se efetivou ao menos com mais participação de alunos pobres, o Enem segue infelizmente reproduzindo desigualdades do sistema educacional: brancos, ricos e alunos de escolas privadas se saem melhor e ficam com as vagas mais disputadas das universidades públicas.

O ensino médio só muda se o Enem mudar, repete-se há anos. Veio o novo ensino médio, muita coisa deu errado, voltou-se atrás, e agora há o novo novo ensino médio.

Mas o Brasil ainda tem dificuldade de chegar a um consenso do que ensinar para os jovens na escola: é preciso preparar para o mercado de trabalho, para a universidade, para uma economia digitalizada, para as competências socioemocionais, para isso tudo junto? E como?

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Enquanto isso, o Enem segue, praticamente como pensado há 15 anos, apesar da tentativa de acabar com os processos seletivos tradicionais. O que os 4,3 milhões de estudantes farão neste domingo, 3 - com diferença do incentivo do Pé de Meia, que oferece dinheiro para os participantes de baixa renda - nada mais é que um gigante vestibular.

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