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Volta às aulas: como retomar rotina e incentivar aprendizado dos filhos? Veja dicas de especialista

Readequação do horário de sono, do consumo de telas e da organização do tempo de estudo são importantes, assim como incentivo à autonomia e ao sentimento de competência, diz Roberta Bento, do SOS Educação

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Por Luísa Carvalho
Foto: Amanda Gaspar
Entrevista comRoberta BentoEspecialista na relação família e escola e fundadora do SOS Educação

É chegada a hora de crianças e adolescentes se despedirem do recesso escolar. Na última semana de julho, o tempo livre quase ilimitado dos estudantes é substituído pela necessidade de reorganização de toda a rotina. A volta às aulas pode ser acompanhada por certo estresse. A relação família e escola e a garantia de autonomia em casa são fundamentais para que o momento se desenrole com tranquilidade.

“A forma como a rotina junto com os pais é organizada tem um impacto muito grande em como todo o processo escolar vai se desenvolver”, afirma a especialista na relação família e escola Roberta Bento, também fundadora do SOS Educação.

A readequação do horário de sono, do consumo de telas e da organização do tempo de estudo são importantes, mas há outras questões menos óbvias que são igualmente importantes. A autonomia e o sentimento de competência também devem ser vistos pelos pais como bases para o melhor desempenho dos estudantes na volta às aulas. ”O bom desempenho na escola vem como resultado”, destaca Roberta.

Para a especialista Roberta Bento, a família deve integrar as atividades escolares em seu cotidiano | FOTO: AMANDA GASPAR Foto: Amanda Gaspar

O retorno escolar é um bom momento para que a família reavalie como insere em seu cotidiano as atividades escolares. A leitura e o estudo precisam estar presentes em casa e podem ser associadas ao lazer e à segurança familiar. Confira mais dicas de Roberta Bento em entrevista concedida ao Estadão.

Como retomar a rotina? Como organizar os horários?

É fundamental que os pais assumam essa responsabilidade pensando que um ajuste na rotina nos últimos dias de férias e na primeira semana de aula gera um impacto positivo em todo o segundo semestre letivo. A sugestão é que eles comecem pelo ajuste no horário de dormir, porque está comprovado pela neurociência que, durante a noite de sono, o cérebro faz uma autolimpeza que permite a essa criança ou adolescente ter o cérebro preparado para que a aprendizagem aconteça de uma forma tranquila no dia seguinte. O desafio é não esperar que os filhos estejam com sono para que eles sejam levados para a cama. O momento deve ser pensado como ‘a hora de ir para cama’ e não ‘a hora de dormir’, porque para os filhos conseguirem dormir mais cedo vai requerer ter alguns dias indo para cama mesmo sem ainda estar com sono.

No caso dos adolescentes, é preciso que os filhos participem da reorganização da casa para que o retorno aconteça de forma tranquila. Na prática, significa arrumar o armário, a gaveta, conferir se o uniforme está em ordem e já preparar a mochila com o material da aula que ele vai ter no primeiro dia. Quando o adolescente participa dessa preparação para o retorno às aulas, mesmo achando tudo muito chato, ele também está se preparando para esse retorno. A autonomia e o sentimento de competência são dois fatores fundamentais para a motivação para ir para a escola e para a aprendizagem. Toda a criança e adolescente precisa participar da rotina da casa. A forma como a rotina junto com os pais é organizada tem um impacto muito grande em como todo o processo escolar vai se desenvolver.

Crianças e adolescentes devem ter autonomia e participar das responsabilidades | FOTO: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO  

Meu filho não quer voltar para a escola. O que fazer?

Quando a criança diz que não quer ir para a escola, chora, faz birra, é preciso ter dois pontos alinhados. Um deles são os próprios pais. Eles precisam demonstrar que estão seguros, tranquilos e que o fato do filho ir para a escola gera para eles orgulho. Outro ponto é que muitas vezes os pais começam a falar da escola nos momentos em que a criança está mais agitada ou se recusa a cumprir alguma rotina ali da casa. São falas como ‘semana que vem você vai para escola e quando estiver lá vai ter que parar de brincar’. A criança já começa a ver essa volta como uma coisa muito negativa, muito assustadora. Os pais devem trazer referências positivas. A escola precisa ser trazida tanto como uma referência de segurança quanto de reencontro com pessoas que essa criança já conhece. Quando a criança verbaliza que não quer ir para a escola, é importante também acolher essa fala. Pergunte e escute a resposta dela. Os pais não devem tentar rebater, mas também não podem negociar. A escola não é negociável, é uma atividade que faz parte da vida da criança e que a gente precisa mostrar que deve ser cumprida.

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O segundo ponto é equilíbrio no tempo de tela. É fundamental que nesses últimos dias ele já tenha um combinado de alguns horários em que ele pode usar aparelhos e horários que ele tem que se desconectar para o convívio em família no mundo real.

Um terceiro ponto é a responsabilidade compartilhada dentro de casa. No momento de arrumar, colocar ou tirar uma mesa das refeições, arrumar o próprio quarto, ajudar a fazer a compra do supermercado, checar se tem que comprar um lanche para levar para escola ou o horário, participar dessa adequação dos horários efetivamente ajudando os pais. Essa responsabilidade compartilhada ajuda para o exercício de retomada de contato social.

Como fazer com que os estudantes tenham uma disciplina de estudos?

Nessa retomada, quando a criança está nos anos iniciais do ensino fundamental, a participação dos pais precisa ser maior na definição de horários. Para os adolescentes, é importante sentar com eles e juntos organizarem os horários. A gente precisa colocar no dia a dia da família algum momento em que todos os equipamentos de tecnologia sejam desligados e todos os membros estejam sentados lendo. Pode ser um jornal, uma revista em quadrinho, pode ser um livro de um assunto totalmente diferente da escola, um livrinho de desenhar e pintar. As crianças e os adolescentes têm a impressão de que leitura e escrita são para a escola. Elas precisam entender que essas são coisas para a vida. A partir do momento que a gente coloca dentro da rotina da família esses momentos, a gente consegue que a visão dos estudantes sobre a escola seja diferente. Isso muda o envolvimento na escola e interfere na capacidade de aprendizagem também.

Ao longo do próximo semestre letivo inteiro isso precisa continuar. Não pode deixar esperar a época de prova, porque quando inserimos essas atividades como um momento de família, tiramos a ideia de que a escola retorna para acabar com os momentos de lazer que se tem em casa. O estudo pode representar momentos de prazer se a gente fizer isso de forma leve, mas precisamos da participação dos pais. É um esforço coletivo da família inteira. A verdadeira parceria da família com a escola é ter essa consciência de que tudo que acontece dentro de casa tem um impacto muito grande em todo o processo de aprendizagem escolar.

E para as crianças pequenas? Como ajudá-las a terem disciplina?

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Nesse caso, a gente precisa ajudar para que elas aprendam a fazer uma coisa de cada vez. Isso começa desde a televisão ter que ficar desligada enquanto a criança estiver sentada brincando. A neurociência cognitiva mostrou que quando a criança fica o tempo todo fazendo várias atividades simultaneamente, mesmo que ela chegue na escola e lá não tenha qualquer interferência de tela, o cérebro fica procurando os estímulos. Isso gera uma ansiedade, uma necessidade de buscar esse estímulo, e ela não consegue focar nem se relacionar de uma forma tranquila com os professores ou com os colegas.

Além de desligar as telas na hora da brincadeira, outra estratégia é trazer lápis de cor, cola, papel e outros elementos que ajudem essa criança a reativar e desenvolver a coordenação motora, o que também auxilia no foco e na concentração. Vai ser necessário que os pais também participem desenhando com elas, por exemplo, incentivando de alguma forma. A escola não dá conta sozinha da quantidade de prática que é necessária para que eles retomem ou desenvolvam a capacidade de foco, atenção e coordenação motora fina. Os adultos precisam trazer isso para realidade de dentro de casa. A brincadeira pode ser até um momento que ajuda pais e mães a identificar a resistência, ou até mesmo uma ansiedade, quanto ao retorno das aulas e a falta de interesse pelas atividades escolares. É um recurso muito valioso para trazer melhores resultados de aprendizagem.

Especialista orienta que o estudo e a leitura façam parte do cotidiano familiar | FOTO: Tiago Queiroz/Estadão 

A criança ou adolescente foi mal em notas no primeiro semestre. O que fazer agora?

O desempenho acadêmico de um aluno é influenciado por esse ajuste da rotina dentro de casa. O horário de ir para cama todos os dias, a atividade física, a convivência social, o equilíbrio no tempo de tela e o tempo em família também fazem diferença em todo esse processo. Um ponto fundamental é que seja combinado um horário em que esse aluno vai sentar para estudar mesmo que não tenha lição de casa. Ele pode fazer um apanhado do que aprendeu na semana na escola e resumir em textos ou perguntas e respostas como se estivesse se preparando para uma prova. Quando chegar a época das avaliações, ele já terá uma boa base para estudo e revisão.

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É preciso que estudar faça parte do dia a dia. Deixar para estudar quando tem prova ou tarefa de casa acaba tornando o momento da lição sempre um estresse. Nos dias em que não há nenhuma atividade, as crianças entendem que podem ficar brincando. Quando retornam da escola para casa com tarefas, elas não querem deixar de ir para a brincadeira e aí vira briga. Esse desentendimento é ruim porque mesmo que elas se sentem para fazer a lição de casa, a aprendizagem fica prejudicada. O estado de humor com que esse aluno senta para estudar impacta a capacidade dele assimilar o conteúdo. Se de segunda a sexta, a criança ou o adolescente tiverem que estudar de qualquer jeito, isso se torna parte da rotina. Todo o estresse acaba.

Os adultos também precisam entender que as notas baixas afetam a autoestima das crianças, que já está muito abalada ainda pelo período da pandemia. Os elogios por pequenos avanços no cumprimento de combinados ajudam no bom humor e na concentração, seja na aula ou em casa. A nota da prova e o bom desempenho na escola vêm como resultado.

Meu filho mudou de escola neste semestre. Como tratar dessa questão?

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A mudança de escola, geralmente, é mais difícil para os adultos do que para as crianças ou adolescentes. A capacidade de adaptação deles é muito grande, eles têm uma flexibilidade maior. Porém quanto mais os pais se sentem culpados ou com remorso porque o filho teve que mudar de escola, mais difícil fica. A forma como o pai ou a mãe passam esse sentimento afeta a capacidade de adaptação dessa criança.

Se a mudança tiver sido gerada por uma questão de trabalho, de cidade ou de renda, os pais precisam procurar ajuda para conseguir falar sobre isso. Conversar com um terapeuta, um amigo, colocar para fora, para que, na relação com os filhos, consigam se mostrar mais seguros sobre o assunto. Para passar verdade nesse tipo de conversa, eles precisam se equilibrar emocionalmente. O autocuidado do pai e da mãe também é muito importante.

O sentimento de pertencimento é um dos fatores que mais impactam na adaptação, no desempenho na escola e que vai ser bastante abalado nessa mudança. Quando o estudante chega em um lugar novo, vai encontrar colegas já integrados e um espaço desconhecido. A tendência é ficar retraído, de canto. Os pais podem minimizar isso no começo do semestre conhecendo outros pais da turma, proporcionando momentos em que todos estejam juntos. A criança ou adolescente vê o exemplo dos pais se integrando e fica mais aliviado.

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