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Um passeio pela cultura sneakerhead no Brasil e no mundo

Hip Hop faz 50 anos e se mantém como forte referência para a cultura sneaker

Estilo e autenticidade presentes no Hip Hop ajudaram a moldar o crescimento do streetwear e da cena sneakerhead

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Por Diego Ortiz
Run DMC e os Adidas Superstar com a língua alta Foto: Adidas divulgação/Estadão

Em uma noite vibrante no Bronx, Nova York, em 11 de agosto de 1973, um fenômeno cultural que transformaria a música e a cultura para sempre nasceu: o Hip Hop. No modesto apartamento de DJ Kool Herc, um pioneiro jamaicano do funk e do soul, dois toca-discos e um microfone se uniram para dar vida a um som inovador que ressoa até hoje no gueto e no Upper East Side, na Noruega e no Haiti. Herc, mestre em misturar batidas pulsantes, isolou e prolongou as “breaks” das batidas do bumbo, criando sobreposições sonoras rítmicas. Assim, lançou as bases de uma revolução musical que se estenderia para além das fronteiras da música.

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Embora o nascimento do Hip Hop tenha sido em 1973, suas raízes remontam a precursores como Last Poets e DJ Hollywood, que pavimentaram o caminho para a explosão criativa que estava por vir. No entanto, é o dia 11 de agosto que simbolicamente marca o nascimento desse fenômeno revolucionário. Daí em diante, os DJs do Bronx exibiram uma versatilidade impressionante, lançando discos de 12 polegadas onde os MCs faziam rimas sincronizadas com as batidas. Deste caldo criativo surgiu um dos primeiros hinos emblemáticos da velha guarda, o “Rapper’s Delight” do Sugarhill Gang, em 1979. Esta faixa, inicialmente enigmática para os críticos, rapidamente se solidificou como um marco do Hip Hop, ganhando, no futuro, novas e inusitadas versões como Ragantanga do Rouge. Quem nunca dançou essa música, nunca foi em um casamento na vida.

O movimento Hip Hop logo se consolidou com quatro pilares interligados: o rap, a mixagem, o breakdance e o graffiti. Essa combinação multifacetada de expressões artísticas deu origem a uma cultura rebelde e inovadora, que se espalhou das ruas para os palcos e telas. E que era a imagem perfeita para se aliar a dois outros ecossistemas de mesma origem periférica, o basquete e os sneakers.

O Hip Hop não se limitou às suas raízes no Bronx. À medida que crescia, abriu portas para colaborações e fusões entre gêneros. O remix de Run DMC em 1986 da faixa de rock do Aerosmith, “Walk This Way”, tornou-se um clássico instantâneo, levando o Hip Hop a um público global. No mesmo ano, o grupo lançava a faixa “My adidas”, solidificando de uma vez por todas a união entre o Hip Hop e os tênis.

Em entrevista ao Sole Collector, Darryl “D.M.C.” McDaniels disse que “havia um médico em seu bairro chamado Dr. Deas que era ativista comunitário e escreveu um panfleto chamado Fellon Shoes, onde dizia que crianças e jovens nas ruas que usavam jeans Lee, chapéus Kangol, correntes de ouro e Adidas sem cadarço eram os bandidos, os traficantes de drogas. Então, quando ouvimos isso, pensamos: ‘Como diabos ele vai julgar um livro pela capa?’ Então, dissemos: ‘Vamos fazer um disco sobre nossos tênis; vamos falar dos tênis que a gente usa nos pés, mas vamos dar um giro positivo para jogar na cara desse Dr. Deas, que está tentando julgar os jovens só pelas aparências. Tipo, você não pode julgar um livro pela capa. Eramos jovens, somos educados. Muitos de nós vamos à escola, muitos de nós temos empregos’.

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Karol de Souza em um lançamento de sneaker Foto: Karol de Souza arquivo pessoal/Estadão

Essa atmosfera rebelde do Hip Hip e dos sneakers foi a cola que grudou as duas culturas. A rapper e apresentadora Karol de Souza é um exemplo vivo da união entre o Hip Hop, sneaker, basquete, skate e tudo que é das ruas. Criada em Curitiba em ambientes majoritariamente brancos, vendo artistas negros na TV apenas em papéis de escravos, ela teve na música o vislumbre de que o sucesso podia ter outros tons de pele. “Com uns 11 anos eu ouvi Racionais pela primeira vez por causa de um primo e dos 11 aos 15 fui sugada por esse universo. Aí fui em um show dos Racionais e lá encontrei muitas pessoas que pareciam comigo, que se vestiam como nos clipes de rap da MTV, então eu tive essa identificação muito grande. Eu não sabia exatamente o que queria fazer da vida ainda, mas sabia que esse seria meu círculo social para sempre”.

Segundo Karol, o que a atrai para este ambiente é que a cultura está sempre em movimento, assim como ela, que não se limita a ser cantora, mas também fala de moda, sneakers, basquete...É justamente esta a vibe do Hip Hop, ora ostentação, ora romance, ora gangster, criando um lugar no mundo para todas as personalidades e gerando atmosferas de identificação principalmente para os negros, geralmente relegados a caminhos coadjuvantes. “Isso mudou minha vida para sempre. A musica, o basquete e o lance com os tênis me deram um lugar no mundo. A cultura está sempre em movimento e isso reflete em mim, é uma cultura preta que dominou o mundo. Eu ligava a TV e via o Jordan e ficava confortável. Em alguma parte do mundo tinha gente preta em lugares incríveis e isso me fazia sonhar. Eu ouvia Racionais e depois abri um show do Racionais. É sobre poder ser quem quiser e estar em qualquer lugar”, finaliza Karol.

Cultura de bilhões

Detalhe do Nike KD 15 de 50 anos do Hip Hop Foto: Nike divulgação/Estadão

Fora a questão identitária, o Hip Hop também virou um negócio muito lucrativo aliado aos tênis. O Adidas Superstar Run-DMC é um marco, mas há ainda o Fila Grant Hiil 2 que se tornou um símbolo de 2pac, a Yeeze de Ye, o Dunk do Wu-Tang Clan, as collabs hypadas com os rappers como Travis Scott e última coleção da Nike em homenagem aos 50 anos do estilo musical, que teve o KD 15, Air Force 1 low e high e o Dunk High como peças chaves. “As marcas reconheceram o potencial de colaborar com artistas e músicos, prova disso é a relação de Travis Scott com Nike e Beyoncé com a Adidas, ou até mesmo o Dr. Dre com a Beats Electronics, que em 2014 foi vendida para a Apple por US$ 3 bilhões.” comenta Gabriel Lima, sócio e COO da MField, agência de marketing de influência e conteúdo.

Até mesmo o lendário Virgil Abloh é fruto desta mistura. Ele foi indicado ao Grammy pela direção de arte de um álbum de Jay-Z e Kanye West e só depois disso criou a Off-White, que ganhou popularidade entre os ícones do Hip Hop. O conglomerado de luxo LVMH adquiriu 60% da Off-White em 2021 e Virgil foi diretor criativo da Louis Vuitton, levando a música e o estilo negro para o mundo do luxo, estilhaçando a barreira entre a passarela e as ruas.

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