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Cérebro de Éder Jofre é doado pela família para aprofundar estudos sobre encefalopatia e demência

Ao ‘Estadão’, Renato Anghinah, médico do ex-pugilista no últimos anos de sua vida, afirma: ‘Ele queria fazer parte dessa roda evolução da Ciência’

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Foto do author Murillo César Alves
Por Murillo César Alves e Wilson Baldini Jr
Atualização:

Membro do Hall da Fama de Canastota desde 1992 e do Hall da Fama da Costa Oeste dos Estados Unidos, Éder Jofre faleceu no início deste mês, aos 86 anos. Mesmo sem estar presente em vida, ele segue como uma referência além do esporte: nesta semana, sua família anunciou a doação de seu cérebro para estudos sobre encefalopatia traumática crônica, conhecida como “demência do pugilista”.

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A família do “Galo de Ouro” confirmou nesta quinta-feira o desejo antigo do ex-pugilista de doar seus órgãos. A ideia é atestar, de maneira definitiva, se ele tinha a encefalopatia ou quaisquer outras enfermidades, como Alzheimer, e que não foram confirmadas durante sua vida.

“Este é mais um gesto nobre do meu pai, que trouxe tantas alegrias para o povo brasileiro. Eu, como filho, fico muito feliz por saber que ele tomou essa decisão em vida. Se outros pacientes tivessem feito o mesmo, o tratamento do meu pai estaria mais avançado. Poderia ter prolongado a vida dele”, disse Marcel Jofre, um dos filhos do lutador.

Ao ‘Estadão’, Renato Anghinah, médico do ex-pugilista no últimos anos de sua vida, afirma: ‘Ele queria fazer parte dessa roda evolução da Ciência’ Foto: Estadão

Renato Anghinah, neurologista e professor livre docente na Universidade de São Paulo (USP), acompanhou por 10 anos a evolução de Éder Jofre e seu tratamento. Ele conversou com a reportagem do Estadão nesta sexta-feira, um dia após o anúncio oficial da doação de seu cérebro para as pesquisas.

“O Jofre sempre foi um sujeito muito bem humorado. Em conversas particulares e com sua família ele dizia: ‘se tiver algo que possa ser usado de mim após a minha morte, podem doar. Não vai servir mais para mim’”, brinca Anghinah. A decisão do ex-pugilista de doar seus órgãos e, em especial, seu cérebro ganhou força após observar a história de Muhammad Ali.

“O fato do Ali não ter doado o seu cérebro foi um marco para o Jofre . A partir daquele momento ele percebeu que faria diferente e queria fazer parte dessa roda evolução da Ciência”, afirma o neurologista. Além disso, ele ressalta a importância da família do lutador: no Brasil, é preciso a autorização dos familiares para que os órgãos sejam doados. “Foi um ato de grandeza da sua família em, além de realizar a vontade do Éder Jofre, ajudar no avanço das pesquisas.”

Quando conheceu e iniciou os tratamentos, o ex-pugilista encontrava-se em estágio praticamente terminal, aponta o médico. “Ele ficava o dia inteiro na cadeira de rodas, mal conseguia falar”, conta Anghinah. O médico acredita, junto com os relatos da família e de amigos, que os primeiros traços da doença surgiram há 20 anos. “Ainda é difícil fazer um diagnóstico da encefalopatia hoje em dia, imagina há duas décadas.”

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“Este é mais um gesto nobre do meu pai, que trouxe tantas alegrias para o povo brasileiro. Eu, como filho, fico muito feliz por saber que ele tomou essa decisão em vida. Se outros pacientes tivessem feito o mesmo, o tratamento do meu pai estaria mais avançado. Poderia ter prolongado a vida dele”, disse Marcel Jofre, um dos filhos do lutador.

Anghinah afirma que outro motivo para o ex-pugilista decidir doar seus órgãos foi o próprio avanço de seu tratamento. “O Jofre se beneficiou do avanço das pesquisas em outros esportes, como o futebol americano e o próprio boxe”, detalha. “Ele é conhecido como um lutador que nunca foi nocauteado. Conta-se que ele absorvia bem os golpes, mas isso não significa que ele não os sentisse ou que estes não danificassem seu organismo.”

Pesquisas com o cérebro de Éder Jofre

O órgão de Éder Jofre ficará armazenado na Faculdade de Medicina da USP, o único banco de cérebros do Brasil e da América Latina. Será a primeira vez que uma pesquisa do nível será realizada inteiramente no Brasil. “Esse banco é importante pois permite que o Brasil participe de discussões na área científica e esteja em contato com a maioria dos países do mundo.”

Bellini, capitão do Brasil na conquista da Copa do Mundo de 1958 e falecido em 2014, também teve seu cérebro utilizado para pesquisas na área da encefalopatia, mas os estudos foram realizados fora do Brasil. “É importante para o País e para USP ter esses experimentos realizados em nosso território”, conta Anghinah. À época, constatou-se que o zagueiro sofria da encefalopatia traumática crônica.

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As pesquisas serão realizadas no Gerolab - Laboratório de Fisiopatologia no Envelhecimento da Faculdade de Medicina da USP - e serão conduzidas pela médica Roberta Diehl. “Os primeiros resultados devem sair entre quatro e seis meses. Depois, nós discutiremos as análises obtidas, do Jofre ainda em vida e do seu cérebro”, afirma o médico neurologista.

Ao longo dos próximos meses, o cérebro irá passar por diversas etapas, de conservação e análise de suas estruturas, incluindo os vasos sanguíneos e os neurônios - que podem sofrem danos em caso de concussões e choques traumáticos. “O mais provável é que se confirme a encefalopatia, mas também é possível que novas enfermidades, que não haviam sido diagnosticadas, sejam descobertas a partir desses resultados”, detalha Anghinah.

O que é a encefalopatia traumática crônica?

A encefalopatia traumática crônica é uma doença no encéfalo - uma das regiões do cérebro - causada por traumas e choques mecânicos constantes (“crônicos”). Ela é comum em atletas, mas também é observada em soldados e ex-combatentes de guerras.

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É causada por uma degeneração progressiva de células cerebrais, causada por diversas lesões na cabeça. Para o diagnóstico clínico é preciso que o paciente realize exames de imagem e ultrassom. O histórico de lesões e sintomas presentes na encefalopatia - como depressão, raiva, perda de memória etc - ajudam no diagnóstico.

Não há um tratamento específico ou cura para a encefalopatia, mas medidas de suporte para os pacientes podem ser tomadas. Dentre estas, destaca-se a construção de um ambiente seguro, iluminado e confortável. Em casos avançados da demência, medidas paliativas podem ser adotadas ao invés de internações hospitalares.

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