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Provas de rua de A a Z

Marcia Narloch, maratonista mais rápida em solo brasileiro há 24 anos

Confira entrevista exclusiva com a atleta que atualmente é personal trainer na Barra da Tijuca

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Por Silvia Herrera
Atualização:

Qual a chance de uma menina do interior catarinense com apenas 1,52m de altura, pesando 52 quilos,  se tornar um dia a maratonista mais rápida em solo brasileiro?  Remota? Alguns diriam que ela é perna curta, outros que do lugar que ela veio nem tem corrida de rua ... É exatamente por isso que me tornei jornalista esportiva, para escrever histórias surpreendentes como esta, nas quais  o improvável se transforma em realidade diariamente nesse país continental chamado Brasil. Sim, essa perna curta de Santa Catarina é a atleta com a melhor marca em uma maratona feminina no Brasil há 24 anos, 02:34: 18! Estabelecida por Márcia Narloch, 55 anos, em 7 de maio de 2000, na Maratona Internacional de Porto Alegre, a tornando a brasileira mais rápida em uma maratona em solo verde e amarelo. Já a recordista brasileira é Adriana Silva, com tempo de 02:29:17, estabelecido em Tóquio, em 2019, que à época era a melhor marca de uma atleta sul-americana também. Aposentada do alto rendimento, Marcia se formou em Educação Física e é personal trainer na Barra da Tijuca, no Rio, onde mora há mais de 30 anos, ensinando crianças e idosos a se exercitarem. Essa marca em território brasileiro andava bem esquecida e voltou à tona no início do mês, quando a Olympikus lançou um desafio para quebrá-la, com uma boa recompensa em dinheiro para isso. "Tenho certeza que essa marca vai ser quebrada e mostrará que o atletismo feminino está evoluindo no Brasil", afirma Marcia.

 Foto: Maratona de SP

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Primeira mulher a conquistar um ouro para o Brasil em maratonas no Pan, Marcia Narloch ganhou reconhecimento nacional com a conquista do bicampeonato na Maratona de São Paulo (1999 e 2000), prova que ela voltou a vencer em 2005. Na Maratona de Porto Alegre ela soma três títulos consecutivos: 1998, 1999 e 2000. Ela iniciou a carreira de atleta muito nova, aos 13 anos, e dez anos depois  já defendia o Brasil na Olimpíada de Barcelona, em 1992. Chegou em 17º e considera esse o momento mais emocionante de sua trajetória no esporte nacional. "A corrida é tudo para mim, ela me deu o conhecimento, me fez conhecer o mundo ela e, principalmente, me deu amigos. Resumindo, a corrida me deu tudo de bom", revela a campeã, que nos concedeu esta entrevista exclusiva.

Como o atletismo entrou na sua vida?

Marcia Narloch -  Eu me especializei durante 25 anos em maratona, mas isso não quer dizer que eu não corria as provas mais curtas de 5, 10 e de 30 km, mas depois de um tempo de atletismo, eu me especializei mesmo na maratona, modalidade na qual consegui excelentes resultados, como ir a três Jogos Olímpicos e a três Pan-Americanos. Mas tudo tem um começo, meio e fim. Sou de uma cidade do interior de Santa Catarina chamada Campo Alegre, de uma família muito, muito humilde. Nasci em Joinville e fui para lá. Naquela época, as crianças saiam de casa muito cedo para trabalhar fora. Então aos 12 anos eu já vim para Florianópolis, para ficar na casa de uma tia. Um dia fui correr com outros dois amigos na Beira Mar, e pela primeira vez consegui correr 7 km. Um deles falou assim: 'Pô, Marcia, você não tem interesse de fazer um teste de corrida? Amanhã vai ter um na Universidade.' Na época se chamava Teste de Cooper, que era correr durante 12 minutos. No dia seguinte fui lá com eles, o técnico de lá chamaram da José Maria Nunes, e fiz o tal do teste. Fui convidada para entrar na equipe, que era muito grande, competiam até no Troféu Brasil. Mas eu era só mais uma, porque na época eu tinha até sobrepeso, eu pesava pesava 52 kg e tinha 1,51m de altura. Então para a corrida eu não tinha muita ver. Com o tempo fui emagrecendo e melhorando, e foi dali que eu li em é iniciei minha carreira. Morava na minha tia, acordava bem cedo ia treinar, trabalhava, voltava. Quando perdi seis quilos já fui competir nos Jogos Abertos, chegava em sexto, demorei cinco anos para ficar entre os melhores. Nada é da noite para o dia.

Mas e a corrida?

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Marcia Narloch - Sempre fui aquela menina, mas que dentro era um menino. Sempre gostei muito de correr, eu sempre fui muito ativa, como eu morava no interior e tinha mais oito irmãos, só  três menina, era uma escadinha. Então a gente brincava muito muito de pique-esconde, pega pega. Então eu acho que eu já carreguei um Endurance muscular lá de criança, ia pra escola andando, voltava andando, adorava fazer a educação física , a matéria que eu mais gostava era fazer a educação física. Então dentro de mim, eu acho que eu já carregava essa vontade de ser atleta, mas nunca sonhava em ser uma atleta profissional. Chegar aonde eu cheguei, mas que eu já tinha isso aí dentro de mim, de ser uma uma garota arteira, gostava de brincar, gostava de pular, gostava de tudo,  eu já tinha assim essa coisa natural do atletismo dentro de mim, lá na na infância com meus irmãos.

E qual foi o sabor de ser a primeira brasileira a conquistar ouro na maratona nos Jogos Pan-Americanos, em 2005 emSanto Domingo?

Marcia Narloch -  Quando perdi peso e cheguei aos 39 quilos, já morava sozinha e corria para me sustentar. Com esse peso ideal comecei a rodar distâncias mais longas. Isso me ajudou a melhorar muito. E já me tornei uma das melhores de Santa Catarina, e comecei a participar do Troféu Brasil e despontei para o Brasil todo, e em seguida eu conhecei o treinadorJorge Augustinis, o Filé, que me carregou a partir daí, durante toda a minha carreira. E fui construindo os resultados antes desse Pan. Me mudei para o Rio. Antes desse Pan participei de várias maratonas, como de Berlim, em 1990 (02:33:57), de Los Angeles (1991 e 1992), a Olímpica em 1992; e muitas  outras nos EUA. Bati meu PB em 2003 (Hamburgo  - 02:29:59). E aí veio a a convocação pra maratona dos Santos Domingo, um lugar muito quente, um lugar perfeito para eu correr porque adoro correr no calor. Representar seu país em um Pan-Americano não tem emoção maior, porque além de gerar ansiedade, há uma responsabilidade muito grande. Como era muito calor, saímos para a largada às 3h da manhã. E a largada foi umas 5h30, largamos antes do masculino. Na primeira metade da prova, a gente estava com um grupinho bom, mas na segunda metade, depois da gente passar dentro da cidade de Santos Domingo, ficou um forno. Nesse momento pensei, é realmente para mim. Depois do 21 k fiz um teste, e abri distância do pelotão, e fui abrindo devagar. Quando foi no km 30 e pouquinho encontrei com o Vanderlei (Cordeiro de Lima), que tinha largado depois. Só perguntei para ele, tá muito longe da chegada, ele estava morto e falou que estava muito longe ainda. Era um calor de uns 34 graus, consegui correr um seis quilômetros atrás dele. Foi uma prova que praticamente venci depois do 21km. E não existe emoção maior do que representar seu país e vencer. Você sobe no pódio e tocam o hino do seu país, é o ápice de sua carreira. [Vanderlei venceu no masculino].

 Foto: Maratona de SP

E o momento mais emocionante? 

Marcia Narloch -Muita gente fala que a Maratona de Nova York marca a vida de um atleta. Mas foi o tempo que fiz na Maratona de Los Angeles, em 1991 - 02:32:42; e em 1992 - 02:32:56, que me garantiram a vaga olímpica, para Barcelona 1992.  Ser convocado para uma Olimpíada é o sonho do atleta e só vira realidade quando você chega lá, que você vê os atletas do mundo todo. E percebe que é também uma das melhores do mundo. No entanto, no dia da prova não encontra meu treinador. Aquilo me deu um desespero tão grande, mas tão grande, que eu chorava muito, e pensei: Meu Deus. Eu tô representando o meu país, mas ao mesmo tempo eu tô sozinha aqui, e todo mundo já estava para embarcar no ônibus. Faltando meia hora, ele chegou, conversou comigo, falou para eu ter calma, que era só mais uma prova, que tudo ia dar certo, que eu fizesse a minha prova, que não tinha porque eu chorar tanto. Me acalmei e entrei no ônibus. Fomos para largada, mas durante o aquecimento também é uma adrenalina muito forte,  é diferente das outras provas que você corre junto com o masculino, ali só tá com feminino. E aí largamos, e foi uma prova brilhante, corri uma prova crescente na época, cheguei em 17º (02:44:32).Essa foi a maior emoção que eu senti até hoje na minha vida. Em 1993 fui correr a tal da Maratona de NYC, cheguei em quarto, com o tempo de  02:32:23, acho que esse resultado ainda hoje devem ser um dos  melhores de uma brasileira nessa prova.

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E a melhor marca em solo brasileiro, o que você lembra de 7 de maio de 2000?

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Marcia Narloch  - Primeiro que é a maratona que eu gosto de correr muito, e nesse dia eu só dei um pouquinho de azar. Nesse dia eu fui para correr abaixo de 2h32, mas durante a prova ventou bastante e eu não conseguia pegar ninguém para ficar atrás., mas até a metade foi uma prova fantástica. Porto Alegre é plana, zero de subida e então eu fui muito confiante, mas depois do km 21 começou a ventar bastante. Peguei o vento a favor na ida e o contra na volta, mas mesmo assim eu fiz uma prova fantástica. E volto lá e ganho mais duas vezes. Essa prova  muito bem organizada, que me trouxe, muita alegria e principalmente esse tempo que eu fiz lá de 2:34, é uma marca espetacular até hoje.

Você se lembra qual tênis usou nessa corrida? 

Marcia Narloch  - Hoje há excelente tênis, mas naquela naquela época não. Quando eu conseguia um tênis mais ou menos era ainda duro. As coisas vieram melhorar de 15 a 20 anos pra cá. Só fui ter um tênis melhorzinho em 2000. Quando eu fui para uma para Porto Alegre, eu não lembro o modelo ou a marca do tênis que eu calcei,  mas era bem duro e com muito pouco o amortecimento, e você terminava a prova dolorida por causa do impacto. Eu ficava uns três dias sem conseguir andar direito, só fazendo massagem e turbilhão. Com essa tecnologia toda de hoje, com certeza teria corrido essa prova uns três minutos mais rápido. Mas sou muito feliz por todos os tempos que fiz, inclusive esse de Porto Alegre, que se tornou a marca mais rápida feita por uma maratonista aqui dentro do Brasil.

 

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