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Provas de rua de A a Z

Trajetória de Maria Zeferina Baldaia será eternizada em longa-metragem

Da roça para o degrau mais alto do pódio

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Por Silvia Herrera
Atualização:

Ela fez história na São Silvestre, corrida de rua mais popular do Brasil, realizada na emblemática Avenida Paulista, no último dia do ano. Maria Zeferina Baldaia, 50 anos, foi a terceira brasileira, de apenas cinco, a vencer essa "maratona" de 15km, que termina subindo a temível Avenida Brigadeiro Luís Antonio. E foi exatamente lá que nos encontramos em 31 de dezembro de 2022, quando, ela correu pela última vez essa prova, acompanhada por uma equipe de filmagem, que correu junto com ela. O material está sendo preparado para o longa-metragem "Zeferina", que deve ser lançado em 2024, uma produção Grattidude Films. "Um ciclo terminou para outro começar. Vamos filmar durante todo ano, no Brasil e em outros países", conta Baldaia, uma das atletas mais admiradas da elite brasileira, que viaja o país dando palestras sobre sua história de vida.

Maria Zeferina Baldaia correu 15 anos descalça  

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Mas se aposentar da São Silvestre não significar parar de correr. "Esporte é vida, vou continuar a correr distâncias menores, acompanhando meus alunos, ou como madrinha de algumas provas", explica Zefinha, como gosta de ser chamada, que não está mais treinando para o alto rendimento. "Estou treinando no 50% para incentivar crianças, jovens e adultos a incluir a prática esportiva na rotina", acrescenta. Ela lidera um grupo de senhoras, dos 50 aos 70 anos, que caminha de segunda a sexta - das 17h às 18h, em sua cidade, Sertãozinho. "Com a caminhada, essas minhas meninas estão evoluindo, com mais saúde, precisando menos de remédios, com melhora na autoestima", destaca.

Zefinha é da roça. Nasceu em Nova Módica (MG), filha de agricultores, que logo se mudaram para Sertãozinho, região metropolitana de Ribeirão Preto (SP). Na infância, ela nem sabia que existia corrida de rua e muito menos que um dia se tornaria uma fundista da elite. "A corrida entrou na minha vida numa gincana, durante as atividades para a 1ª Comunhão, em Sertãozinho. Eu participei dessa gincana, que tinha corrida. Corri descalça e foi aí que tudo começou, foi a primeira vez na vida que corri e ganhei", conta.

Nessa gincana um novo caminho se abriu para a Zefinha, aos 12 anos de idade - a corrida de rua. O Antenor "Pezão" a viu correr e ficou impressionado com o potencial da menina. "Ele foi conversar com meus pais, para ver se me deixavam entrar nos treinos de corrida. Eles não deixaram, falaram que eu tinha que trabalhar. Mesmo assim comecei a treinar aos domingos, com o pessoal da prefeitura. Meus irmãos se empolgaram e foram também, ficaram um mês e desistiram. E desde então comecei a participar de várias corridas, 5km, 10km,15km, meia-maratona, maratona sempre descalça - durante 15 anos - pois não tinha condições para comprar um par de tênis", conta. E o primeiro tênis foi emprestado do treinador. "Foi muito difícil acostumar correr calçado", compara. Ela conciliava o trabalho na roça com o atletismo. "Depois trabalhei de doméstica, babá, auxiliar de produção, catei latinha, vendi papelão, fui gari mirim, eu conciliava o esporte com o trabalho para ajudar minha família", acrescenta.

Na casa dela não tinha tevê. E Zefinha ia na vizinha assistir a São Silvestre. "Assisti a Rosa Mota, a portuguesa,  vencer (ela venceu seis vezes consecutivas, a partir de 1981). Cheguei pra minha mãe e perguntei: será que um dia eu posso chegar lá em São Paulo e correr a São Silvestre? E minha mãe respondeu: Quando a pessoa tem um sonho, tem fé e acredita, ela consegue!", lembra.

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Zefinha acreditou no seu sonho e treinou muito para conquistá-lo. E o resultado veio em 19 de novembro de 2000, quando ela venceu a Maratona Internacional de Curitiba. Com essa vitória ela fechou o primeiro patrocinador, a Usina Santa Elisa de Sertãozinho, e depois veio a Mizuno, com patrocínio de material esportivo. A partir disso, ela conseguiu competir no alto rendimento, em provas no Brasil e no exterior.  No dia seguinte, com o prêmio de R$ 10 mil, ela deu entrada no apartamento em Sertãozinho, reformou a casa da mãe e ajudou os oito irmãos.

Também em 2000 ela realizou seu sonho de competir na São Silvestre, e foi a sétima brasileira a cruzar a linha de chegada, a 11ª entre todas. "Como tinha vencido em Curitiba pude sair na elite, fiquei hospedada no mesmo hotel da elite, quis tirar fotos com todo mundo. E na prova, corri admirando aqueles prédios enormes, era a primeira vez que ia para São Paulo, chuva de papel picado vindas dos apartamentos, naquela época a gente largava às 4 tarde", lembra.

Maria Zeferina Baldaia venceu a São Silvestre de 2001  

E em 31 de dezembro de 2001 deu o numeral 7 na cabeça. Maria Zeferina Baldaia venceu a São Silvestre e realizou o seu sonho! Resultado do investimento dos patrocinadores e a dedicação 100% da atleta, que não precisava mais se virar nos 30 para pagar os boletos. "Tinha toda uma equipe a minha disposição, era treinar de manhã e tarde, comer e dormir, com o foco na São Silvestre, e o resultado veio! Minha mãe Domingas Rodrigues Rosa ficou tão emocionada que ela desmaiou, ela estava vendo na tevê e  teve um probleminha no coração. Foi levada para o hospital, mas nada grave. Foi naquele momento que a queniana aumenou o ritmo na subida da Brigadeiro, eu fiquei pra trás. Ela nem viu a minha chegada. Nesses 15 anos minha mãe sempre me motivou, me apoiou, viajava comigo nas provas, e o coração dela falou mais alto", observa.

Depois dessa vitória tudo melhorou. Choveram convites. "Fui convidada a ir para Portugal, correr a Meia de Lisboa e conhecer Rosa Mota, minha ídola. E conheci mais de dez países com o esporte. Costumo dizer, o esporte transforma as pessoas. Entrega saúde, bem-estar, qualidade de vida. E graças ao esporte consegui realizar meu sonho de 15 anos e ajudar a minha família", frisa. A remuneração e reconhecimento foram fruto desse trabalho.

Após a vitória, Zefinha ganhou mais um presente inesperado - um Centro Olímpico que leva seu nome na cidade onde mora! "O prefeito veio me perguntar o que eu queria, que ele faria o que eu pedisse, e pedi uma pista de atletismo, com 400 metros, para a população da cidade treinar. E aí construíram o Centro Olímpico e deram o meu nome, uma linda homenagem em vida. Hoje, temos um trabalho lá - a Iniciação na corrida, para crianças entre 4 e 100 anos de idade. Qualquer um pode participar. E testemunhar a evolução deles não há dinheiro que pague!", atesta.

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Mas e o filme, Baldaia? "O produtor Samuel Prisco e o diretor Lucas Bretas, que são de Ribeirão Preto,  me procuraram e apresentaram o projeto: contar a minha história em um filme. Chamei meu esposo Paulinho e meu filho Michael Jordan para essa conversa também. Estudamos a proposta e aceitamos, as filmagens começaram em 2022. Vai ser mais um sonho realizado. A corrida, o esporte, traz muita coisa boa! Faria tudo de novo na minha vida, tudo o que fiz valeu a pena!"

 

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