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Entenda crise no vôlei que ameaça até participação do Brasil nos Jogos Olímpicos de Paris

CBV pode perder pelo menos R$ 36 milhões por suspensão do Conselho de Ética do COB com veto de repasses

Foto do author Ricardo Magatti
Por Ricardo Magatti e Paulo Chacon
Atualização:

A decisão dura e sem precedentes do Conselho de Ética do Comitê Olímpico do Brasil (COB) de suspender a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) em decorrência das ações envolvendo o oposto Wallace deve ser sentida no bolso da confederação, que pode perder cerca de R$ 36 milhões. O atleta foi suspenso por cinco anos como punição por postagem em que ele sugeriu um tiro na cara no presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

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Num movimento inédito e que pegou de surpresa dirigentes do COB e da CBV, o despacho do CECOB, assinado pelos conselheiros Ney Bello Filho, Sami Arap, Humberto Aparecido Panzetti e Guilherme Faria da Silva, determina o corte de repasses do comitê destinados à confederação por seis meses.

A confederação fica suspensa por seis meses do movimento olímpico. Na prática, não pode desde terça-feira, 2, dia em que foi publicada a decisão do CECOB, ter qualquer tipo de apoio do COB, seja financeiro, logístico ou operacional - isto é, a punição se refere também à cessão de espaços físicos, material humano, auxílio tecnológico ou de know how.

A entidade que comanda o vôlei nacional perdeu os patrocínios públicos e também ficou impedida de receber verbas federais, repassadas pela lei Agnelo Piva e pela lei das Loterias. O CECOB recomendou que os recursos privados também sejam suspensos.

Por meio da Lei Agnelo Piva, o COB repassa verba das loterias a todas as confederações olímpicas do País. Levando em conta uma série de fatores, dentre eles desempenho em competições mundiais e Jogos Olímpicos e transparência na gestão, cada uma das entidades recebe um valor anual. Em 2023, a CBV tem direito a R$ 9,8 milhões. Como a suspensão é de seis meses, a confederação deve deixar de receber cerca de R$ 4,8 milhões.

 Foto: JANEK SKARZYNSKI / AFP

Além disso, o CECOB afirmou que enviou ofício pedindo para que o Banco do Brasil, patrocinador de todas as seleções da modalidade, cancele “todo relacionamento patrimonial ou não patrimonial que as entidades privadas possuam com a CBV e que tenha por pressuposto a participação da entidade no sistema olímpico, cujo vínculo deixa de existir na presente data”. O contrato atual entre a instituição financeira e a confederação, firmado no meio de 2021, é de R$ 248 milhões por quatro anos. Considerando todas as punições, a CBV pode perder cerca de R$ 36 milhões.

Outro acordo que poderá ser suspenso é o da entidade máxima do vôlei no país com a Riachuelo. Recentemente a CBV anunciou o acordo com a marca para o fornecimento e comercialização dos uniformes das seleções e das duplas brasileiras pelo mundo.

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Ao Estadão, o Banco do Brasil disse que não vai se manifestar porque não recebeu “qualquer ofício até o presente momento”. A CBV não quis dar nova posição além do comunicado já publicado na terça-feira.

INCERTEZAS

As punições aplicadas à CBV podem afetar as seleções brasileiras de vôlei. Existe o risco de que o Brasil não jogue, por exemplo, o Pré-Olímpico e, por consequência, fique fora da Olimpíada de Paris. A CBV afirmou que as sanções vão impedir, segundo a entidade, a participação das seleções brasileiras nos Jogos Pan-Americanos deste ano, em Santiago, no Chile. Além disso, as equipes nacionais de base da modalidade passam a não saber se conseguirão disputar os mundiais de cada categoria e as duplas do vôlei de praia não têm certeza se jogarão as etapas do circuito mundial.

“A decisão do CECOB prejudica gravemente a preparação do vôlei brasileiro para os Jogos Olímpicos de Paris-2024, e impede a participação das equipes nos Jogos Pan-Americanos, nos Mundiais de base e nas etapas do Circuito Mundial de vôlei de praia”.

Em tese, suspensa, a CBV passa a ser proibida de inscrever jogadores nas competições que definem os classificados para a Olimpíada do próximo ano. Estes torneios serão disputados entre setembro e outubro deste ano. “A CBV garante que empenhará todo o seu esforço e seus recursos para manter a preparação dos atletas, de quadra e de praia, para estas importantes competições”, disse a confederação.

Banco do Brasil, um dos principais patrocinadores do vôlei brasileiro, pode cortar verbas Foto: Divulgação/CBV

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Do ponto de vista legal, a participação brasileira no Pré-olímpico deste ano está em risco. “O risco existirá e será ainda maior caso a decisão do COB encontre respaldo e apoio junto dos órgãos internacionais, se o COI e FIVB entenderem que as punições dadas pelo Conselho de Ética do COB é correta”, considera Higor Maffei Bellini, advogado mestre em direito esportivo. Contudo, eventuais efeitos suspensivos podem modificar o cenário.

O QUE DIZEM OS JURISTAS SOBRE A DECISÃO DO COB

Após a divulgação da decisão do COB sobre o caso Wallace, a reportagem do Estadão buscou contato com especialistas da área desportiva para entender a nova posição da entidade mediante os fatos. Para os juristas, a medida tomada pelo órgão ligado à entidade máxima do esporte olímpico no País não tem embasamento legal.

“Está tudo errado neste caso. A decisão do CECOB é teratológica. Ela desrespeita todos os princípios do esporte e usurpa a competência que seria da justiça desportiva”, opina Maurício Corrêa da Veiga, advogado especializado em direito desportivo e professor do Master Diritto e Sport da Universita La Sapienza de Roma.

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“O atleta foi autorizado a jogar pelo CBMA, que é o órgão arbitral, e por essas razões o conselho de ética não teria competência para aplicar todas essas sanções. Infelizmente isso pode gerar precedentes nefastos não só para o vôlei como para o esporte brasileiro, tendo em vista que as partes lesadas podem entrar na justiça comum, o que seria até legítimo visto tudo que foi imposto, isso poderia gerar consequências para todo ordenamento jurídico. É inédito na justiça desportiva o que o COB fez”, acrescenta Veiga.

Para Higor Maffei Bellini, a decisão do CECOB está “em desacordo com o sistema jurídico desportivo” pois Wallace já havia tido duas decisões anteriores vindas do STJD e do Centro de Mediação e Arbitragem (CBMA) que davam condição de jogo para o atleta, ou seja, ele disputou as finais com “autorização jurídica de dois órgãos que têm a competência para analisar a decisão”.

Wallace foi punido com cinco anos de suspensão pode sugerir tiro na cara do presidente Lula Foto: Agência i7/Sada Cruzeiro

Pablo Arruda, especialista em direito esportivo, afirma que a medida dos conselheiros é ilícita porque oferece nova punição ao atleta “sem indicar qual novo ato de ilícito ético teria incorrido”. “Ao contrário, a decisão traz todos os fatos narrados na decisão de 2 de abril, em que o atleta recebeu suspensão de 90 dias, gerando o que parece ser uma dupla punição em relação ao mesmo ato”, avalia.

De acordo com os juristas consultados, segundo as leis da justiça desportiva brasileira, o único órgão apto para suspender todo e qualquer atleta de suas funções dentro de quadra é o Superior Tribunal de Justiça Desportiva da modalidade. No caso Wallace, o STJD, em um primeiro momento, se declarou incompetente para julgar o caso, por se tratar de um acontecimento fora do ambiente esportivo e de competição, mas depois deu condição de jogo ao atleta por meio do mandado de garantia.

CAMINHOS NA JUSTIÇA

A decisão publicada pelo COB na última terça-feira já tem validade no universo olímpico. De acordo com fontes ouvidas pelo Estadão, a CBV e o jogador Wallace podem seguir por dois caminhos para buscar reverter a situação. O primeiro deles é levar o caso para a Justiça comum, o que pode resultar numa solução mais rápida, dependendo do que for pedido pela defesa de ambos. Isso porque o juiz de direito que receber o caso já vai ter conhecimento da lei e terá apenas que se inteirar sobre o caso.

As defesas podem ir para o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), na Suíça. Neste caso, por conta da parte de formação de corte arbitral, pode levar mais tempo, mas lá não existe recurso para o caso. No entanto, na justiça nacional, o caso poderá ter recurso em cima de recurso e isso estenderia o desfecho.

Independentemente do caminho escolhido pelas partes lesadas pela decisão do COB - Wallace e CBV - as fontes ouvidas pela reportagem não acreditam que o caso deva se estender por muito tempo na Justiça comum em razão do periculum in mora (perigo da demora).

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No direito, algumas vezes, as decisões são aceleradas se uma das partes for prejudicada pela demora da decisão. Neste caso, é visível que a CBV pode sofrer com a falta de repasse e com isso as seleções poderiam ser alijadas das competições e, o mais prejudicial, dos Jogos Olímpicos de Paris.

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