Atleta de raro refino técnico quando jogava, Alex de Souza, 47 anos, tem dúvidas de que, se jogasse hoje, conseguiria construir a mesma carreira bem-sucedida, com idolatria em Coritiba, Palmeiras, Cruzeiro e Fenerbahçe, da Turquia, e 424 gols marcados em mais de mil partidas.
Para o ex-meia canhoto de técnica apurada e hoje treinador do Antalyaspor, da Turquia, o futebol tratado essencialmente como um negócio atrapalha o surgimento e desenvolvimento de jogadores como ele foi, um camisa 10 clássico. Daí a razão de ser escassa essa figura no futebol brasileiro e mundial.
Na minha época, nós éramos protegidos porque o clube formava o jogador para ser titular. Hoje, o clube forma o jogador pro mercado. O clube não olha pra um menino de 13, 14 anos, e pensa que daqui a cinco ou seis anos ele vai ser titular. O clube fala: daqui a cinco ou seis anos eu tenho que vendê-lo.
Alex de Souza, ao Estadão
“Os times formam menos por uma razão bem simples: a categoria de base não está preocupada em formar, está preocupada em ganhar. A ponta da pirâmide, que é o futebol profissional, acaba perdendo esse tipo de jogador porque é um jogador menos participativo, porque tem menos força física, é alguém que demora pra se desenvolver. Aos, 13, 14 anos, ele ainda não está pronto”, acrescenta ele.
Alex aponta outra razão para ser difícil encontrar um “enganche” como os argentinos chamam o armador clássico e criativo, que pensa o jogo como poucos: existe uma preocupação maior com o desenvolvimento físico, e não técnico, dos jovens atletas durante a formação deles nas categorias inferiores. ‘A pirâmide se inverteu um pouco”, avalia o ex-meio-campista, em entrevista ao Estadão.
“O mercado até quer o número 10, mas para formar esse jogador demora mais, demanda trabalho. E aí o clube deixa esse menino de lado e ele desiste. Passa a haver um desestímulo nas categorias inferiores e vão chegando menos camisas 10 nos profissionais”, analisa o paranaense, que começou a carreira em 1995 no Coritiba e a encerrou quase duas décadas depois no mesmo clube.
LEIA MAIS
No início da carreira, Alex era chamado por alguns em tom pejorativo de “Alexotan”, alcunha formada pela junção de seu nome com um medicamento calmante usado para induzir o sono. O apelido, uma crítica ao ritmo de seu jogo, lhe incomodou, mas não a ponto de impactar seu desempenho. A falta de intensidade ele compensou com o talento de um atleta que não se produz mais.
“Eu provavelmente, se jogasse hoje, passaria pelo mesmo perrengue que essa garotada passa porque era pouco participativo e tinha várias dificuldades defensivamente. Mas tive treinadores e um clube que me protegeu, que foi o Coritiba, para seguir a carreira. Eu era mais fraco que os outros, tinha menos intensidade. Mas qual era a minha vantagem? Tecnicamente, eu era muito bom e tinha relação com o jogo excelente por ter passado no futsal”, recorda-se.
Jogadores com as mesmas características de Alex, atualmente, sofrem mais porque o futebol é mais intenso e físico. Também porque os clubes, muitas vezes, preferem atletas mais fortes do que técnicos, capazes de correr de uma intermediária à outra, mas incapazes de resolver um jogo com um passe genial ou cadenciar a partida quando preciso for.
Relação com bola e com o jogo não é mais prioridade, os clubes olham a parte física. O número 10, o “enganche”, é puramente relação técnica, com o jogo. A gente vê meninos talentosos por aí, mas tem que ver o estímulo que eles terão ao longo da carreira para não ter aquela desestimulada.
Alex
“A questão é que o menino talentoso vai entregar intensidade e vai desenvolver sua parte física, mas não menino, sim quando estiver adulto. É uma reflexão que o futebol brasileiro tem que fazer, independentemente da ponta da pirâmide, que quer bons jogadores. A parte física você condiciona. Trabalhar a parte física é mais fácil do que aprimorar a parte técnica”, reflete Alex.
Priorizar a força em detrimento da técnica é a grande diferença do futebol atual para o do passado, ele aponta. “Tenho certeza que os jogadores do passado jogariam hoje tranquilamente porque seriam condicionados fisicamente. Mas não sei se os jogadores de hoje jogariam e resolveriam o problema se jogassem naquela época”, diz.
“O bom jogador é o que resolve problema, é o que acontece quando ninguém imagina nada, e não estou falando do supercraque”, define. “Se você pegar um atleta e pedir pra ele correr no corredor, ele vai correr. Mas quantos problemas ele vai resolver fazendo isso?”.
Técnico desde 2021, Abel pede conselhos a outros treinadores
Alex se aposentou em 2014, passou um tempo como comentarista e decidiu se aventurar na instável profissão de treinador em 2021. Começou sua jornada no sub-20 do São Paulo, do qual saiu em 2022 para treinar no ano seguinte o Avaí, sua primeira equipe comandada profissionalmente. Foi demitido depois de 18 partidas. Passou um ano sem clube até retornar à Turquia, país que o venera.
A proposta foi do Antalyaspor, time que geralmente ocupa a região intermediária da tabela do Campeonato Turco. “Eu vou errar. Errei no Avaí, provavelmente errei aqui e vou continuar errando, mas a minha ideia é que os erros sejam novos”, pondera o técnico. “Os erros vão existir porque são situações normais de aprendizado de dia a dia, mas a experiência que eu trouxe é de não repetir situações que vivi no Brasil. Com elas eu aprendi”.
Sempre que acha oportuno, Alex pega o celular e manda mensagem ou liga para treinadores que admira para pedir conselhos. Já fez isso com Abel Ferreira, por exemplo. “Quando eu cheguei (na Turquia), encontrei uma realidade que eu não conhecia e eu lembrei de um assunto que eu tinha conversado com o Abel no Palmeiras a respeito da passagem dele no no PAOK, na Grécia”, conta. “Liguei para ele e comentei a minha história, tracei um paralelo com a história dele e a gente trocou uma ideia”.
Faço isso com vários treinadores treinadores que estão trabalhando ou não, treinadores que estão nas principais divisões, treinadores das divisões menores, porque cada um tem uma vivência, cada um tem uma história pra contar. Quanto mais eu puder conversar e ouvir, para mim é sempre melhor.
Alex, técnico do Antalyaspor
Para o jovem técnico, os treinadores têm ganhado um protagonismo exagerado. “Quem ganha jogo é jogador”, opina”. “Vou dar um exemplo: treino durante a semana jogada ensaiada, insisto, treinamos quatro, cinco vezes. Chega no jogo, se o jogador vai fazer ou não, é ele que decide. A Participação do treinador acaba na hora que eles entram no campo”.
A jornada de Alex na Turquia
Recebido com festa em sua chegada, em maio, Alex tem cinco vitórias, dois empates e seis derrotas em 13 partidas. A equipe soma 17 pontos e está na 11ª posição entre 19 clubes. O objetivo, diz o brasileiro, não é ambicioso. “Já aconteceu de tudo desde que cheguei. Já perdemos já ganhamos e já empatamos. Existiu crítica, existiu elogio, tudo que é inerente ao jogo. O principal, para nós, é nos manter na posição em que a gente está”.
Alex aponta várias similaridades entre o futebol brasileiro e o turco, sobretudo na gestão dos clubes. Uma delas é alta rotatividade de treinadores, algo que não lhe preocupa. “Aqui também troca-se muito de treinador, mas tem um conhecimento e um reconhecimento melhor daquilo que o teu clube representa no campeonato”.
A mais importante diferença, segundo ele, é a existência de apenas três grandes clubes: Galatasaray, Fenerbahçe, do qual é ídolo, e Besiktas. Ganhar de um desses três provoca um frisson. “A discrepância é absurda, em termos de investimento, história e jogadores. Ganhar de um deles é um grande feito porque os grandes raramente largam pontos”.
E como joga o Antalyaspor de Alex? “A ideia é de um time organizado, de um time que saiba o que fazer. Estou satisfeito porque nesses meses todos o time conseguido jogar, atacar, marcar e fazer a transição de maneira organizada”.