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Excesso de jogos é vilão da grama natural, como no Mineirão e Maracanã; no sintético, ritmo não cai

‘Estadão’ mostra as diferenças dos campos e de seus gramados no Brasil e joga luz a um problema antigo do futebol

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Foto do author Rodrigo Sampaio
Por Rodrigo Sampaio
Atualização:

O debate sobre a qualidade dos gramados no futebol brasileiro voltou a ganhar força nas últimas semanas com a reclamação de alguns treinadores, como Abel Ferreira, do Palmeiras. Estádios como Mineirão e Maracanã foram alvos de críticas pela condição ruim de seus respectivos campos de jogo. Enquanto isso, o Botafogo se juntou a Palmeiras e Athletico-PR no uso da grama artificial e, desde então, vêm se destacando na temporada.

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Defensores da grama natural nas arenas criticam o avanço do sintético no Brasil, opção cada vez mais utilizada pelos clubes com estádios multiúsos. O excesso de partidas de um calendário que oferece até 80 jogos por time e estádios que abrigam mais de uma equipe são os vilões de gramados esburacados, ondulados e sem cuidado, onde a bola não rola como deveria. Dessa forma, os times mais técnicos estão sempre sendo prejudicados e os jogadores correm risco de lesão. O jogo fica mais lento e menos divertido, o oposto do sintético, onde a bola não rola.

A grama que vemos nos estádios é da família Poaceae e, assim como outras, possui diferentes tipos. No Brasil, a grande maioria dos campos de futebol é feito com uma espécie chamada bermudas, caracterizada por folhas estreitas, crescimento rápido e intenso tom verde. Três tipos de gramas naturais estão presentes em estádios da Série A do Campeonato Brasileiro: celebration, tifway 419 e ryegrass.

As bermudas celebration são as mais utilizadas, figurando em dez estádios do Brasileirão (Castelão, Fonte Nova, Independência, Arena Pantanal, Maracanã, Mineirão, Morumbi, Nabi Abi Chedid, Serrinha e Vila Belmiro). Este tipo de grama tolera uma quantidade menor de luz e se adequa melhor às arenas cobertas. Porém, seu diferencial está na capacidade de se desenvolver e, consequentemente, se “recuperar” após cada jogo.

Instalação de gramado natural com grama bremudas celebration. Tipo é o mais comum no País. Foto: Divulgação/Itograss

Desde 2016, a CBF padronizou as dimensões do campo de jogo em 105 metros de comprimento por 68 de largura, seguindo a métrica utilizada na Copa do Mundo de 2014, ocorrida dois anos antes no Brasil. Com os jogadores correndo em média 11 quilômetros por partida atualmente, somado ao excesso de jogos, o campo passou a ser mais castigado e, por isso, precisa ter poder de regeneração acelerado, visando o confronto seguinte. No Brasil, há jogos quase todos os dias da semana. Durante a temporada, são cinco torneios importantes: Estadual, Copa do Brasil, Brasileirão, Libertadores e Sul-Americana.

O segundo tipo de gramado mais usado no País é o tifway 419. Este tipo de grama já era amplamente utilizada antes da chegada da celebration. Como necessita de mais luz, ela ainda está presente em estádios onde bate mais sol no campo, como Couto Pereira e São Januário. Entre os estádios mais modernos, ela é utilizada também na Arena do Grêmio e no Beira-Rio, ambos em Porto Alegre.

O único a não utilizar bermudas como grama natural é o Corinthians, que dispõe da ryegrass na Neo Química Arena, em Itaquera. Apesar de ser uma grama usada especificamente para o inverno, todo o projeto do estádio foi desenvolvido para receber um gramado semelhante ao das arenas europeias, onde o frio é mais intenso. Por isso, o estádio conta com um moderno sistema de refrigeração, mantendo a temperatura de 23 graus.

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Em um país tropical como o Brasil, clubes trabalham para semear os seus campos com a “grama de inverno” em junho. Com a chegada da Primavera e do Verão, o calor faz a grama anterior voltar a dominar o solo naturalmente.

Gramado sintético

O primeiro campeão nacional a abraçar a ideia de jogar em um campo sintético foi o Athletico Paranaense. A Ligga Arena, conhecida antigamente como Arena da Baixada, teve o piso artificial implementado em 2016, com uma tecnologia chamada Lesmo HD. Segundo a Italgreen, empresa responsável pela aplicação, trata-se de um enchimento de “grânulos orgânicos composto de uma combinação de elementos naturais e eco-compatíveis”, mas também pode ser descrito como fibra de coco. O gramado do Athletico precisa ser irrigado com mais constância para manter a umidade. Ele conta com 62 milímetros de altura, 12 a mais do que a grama do Palmeiras, por exemplo.

A instalação da grama sintética pelo Athletico Paranaense ocorreu, segundo o clube, por causa da baixa umidade do ar de Curitiba, o que dificulta a manutenção da grama natural, e também pela intenção de utilizar a arena para shows e eventos. Foi este último argumento que fez a WTorre, responsável pela operação do Allianz Parque, estádio do Palmeiras, optar pelo gramado artificial, visando conciliar a agenda de shows com o calendário do futebol e economizar na manutenção do campo.

O material sintético utilizado no gramado do Allianz desde 2020 se chama TPE (elastômero termoplástico). São partículas cilíndricas de até cinco milímetros de comprimento. A base do piso é uma tela de polietileno e propileno. Os tufos de grama são entrelaçados três vezes no suporte, para dar segurança. São necessários cerca de 30 blocos de piso, cada um medindo cerca de quatro metros de largura por 78 metros de comprimento. Diferentemente da Ligga Arena, abaixo dos blocos há uma manta de amortecimento de espuma (shockpad) feita na Alemanha.

Grama sintética do Allianz Parque é feita com material termoplástico. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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“A grama tem uma ‘memória’. Se você colocar o palco em cima, ela é amassada. Quando você tirar, ela volta para posição original, garantindo que ela já vai estar em situação de performance”, diz Alessandro Oliveira, presidente da Soccer Grass, responsável pela obra. Ele garante que a tecnologia se aproxima muito do gramado natural e que as fibras do Allianz Parque ajudam a resfriar o piso em até 15ºC em relação a outros tipos de campos sintéticos.

O Botafogo foi quem inaugurou seu campo sintético mais recentemente, em abril deste ano. Assim como no Allianz Parque, o Estádio Nilton Santos conta com uma manta de amortecimento, mas a tecnologia do gramado, até então inédita no Brasil, é feita com fios mistos, com a parte interna mais rígida e externa mais flexível, com um acabamento em cortiça. Segundo a Total Grass, responsável pelo trabalho, o composto garante maciez, menor retenção de calor e mantém a umidade por mais tempo. Os jogadores não reclamam.

Desde que estreou seu gramado, o Botafogo ainda não perdeu jogando em casa. São dez vitórias e dois empates. Os bons resultados estão garantindo ao time do Rio a liderança isolada do Brasileirão, com 33 pontos em 13 rodadas, sete a mais do que o vice-líder Grêmio, com 26. Eles se enfrentam neste fim de semana em Porto Alegre. O Palmeiras também acumula bons resultados esportivos desde que começou a utilizar o campo sintético. São duas Libertadores, dois Estaduais, uma Copa do Brasil, uma Recopa Sul-Americana e um Brasileirão conquistados em campanhas no Allianz. Já o Athletico, desde que adotou o gramado artificial, já levou para casa quatro Estaduais, uma Copa do Brasil e duas Copas Sul-Americanas. A qualidade da grama não decide campeonato, mas ajuda.

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Para Sandro Orlandelli, Membro da UEFA Academy e com trabalhos em clubes como Arsenal, Manchester United, Santos e Athletico, existem vantagens e desvantagens para cada tipo de gramado.

“A grama natural proporciona uma condição melhor de jogo porque ela rompe quando há algum atrito ou alguma desaceleração. Isso ajuda bastante a minimizar o risco de lesões. Esse gramado também não cria tanto impacto porque tem um solo mais fofo e consegue dar mais aderência aos saltos e aos movimentos. Porém, se for muito irregular, é melhor que seja sintético, uma vez que dará a estabilidade para o jogo em todas as regiões. Porque um gramado irregular também provoca lesões”, afirma.

Bola viva e risco de lesões

Uma das principais reclamações de quem é contra o gramado sintético é de que a bola fica mais “viva”, com o jogo ganhando uma velocidade acima dos campos naturais. Nesta semana, Marcos Braz e Bruno Spindel, dois dos principais dirigentes do Flamengo, chamaram a atenção por fazerem duras críticas ao uso do sintético no Brasil. Para Spindel, atuar na grama sintética é como se os jogadores estivessem jogando “outro esporte”. O Flamengo enfrenta o Palmeiras neste sábado no Allianz.

Assim como os gramados naturais, os campos sintéticos são molhados antes de cada partida, garantindo ainda mais semelhança aos demais. A bola mais “viva” e o jogo mais rápido podem ser explicados pelo fato de as diferentes tecnologias utilizadas nos gramados artificiais buscarem uma uniformidade do piso durante a partida. Assim, há necessidade de melhor preparo físico para aguentar os 90 minutos em um campo que se desgasta menos do que o natural — ou seja, desacelera menos o jogo. Coincidentemente, Palmeiras, Athletico e Botafogo se notabilizam com força física e um estilo de jogo com ataques rápidos.

Alessandro Oliveira, CEO da Soccer Grass, garante que o gramado do Allianz Parque é o sintético que mais se aproxima da grama natural. O TPE seria mais eficaz para deixar a bola menos “viva” nos quiques e, por isso, o Palmeiras não leva vantagem sobre os adversários, diferentemente da Ligga Arena e do Nilton Santos. Jonathan Calleri, do São Paulo, participou do jogo de estreia do novo gramado do Botafogo, na primeira rodada do Brasileirão. Apesar da derrota por 2 a 1, o atacante elogiou o novo piso do território alvinegro. O time carioca, assim como o Athletico, foram procurados para comentar o assunto, mas não responderam à reportagem.

Risco de câncer

Além do mérito esportivo, há também quem avalie os campos sintéticos como um risco para os atletas porque o piso artificial deixa os jogadores mais suscetíveis a lesões, principalmente de joelhos. Segundo Karina Hatano, médica do esporte do Espaço Einstein, não há estudos comprovando que lesões musculares ou de ligamento ocorram mais em gramados sintéticos, mas há artigos científicos apontando que a exposição a determinadas substâncias utilizadas em alguns campos artificiais aumentam o risco de câncer. Países como Escócia e Holanda estão banindo o uso de gramados sintéticos a partir da temporada 2024/25.

Vale destacar que tanto o Allianz Parque quanto a Ligga Arena e Estádio Nilton Santos receberam o Fifa Quality Pro, certificado da entidade máxima do futebol que reconhece a qualidade dos seus respectivos gramados. Todos os campos passaram por testes de “desempenho, precisão e segurança de primeira classe” e são considerados “ideais para uso no mais alto nível”.

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Ruim por quê?

Afinal, por que gramados como os do Maracanã e do Mineirão são frequentemente criticados se recebem a mesma grama de outros gramados impecáveis, como Morumbi e Fonte Nova? Para Rodrigo Santos, coordenador do centro de gramados esportivos e inovação da Itograss, empresa responsável pelo fornecimento de grama natural para os clubes da Série A, a explicação está no excesso de partidas realizadas nestes estádios, inviabilizando uma manutenção ideal dos campos.

“O gramado não tem como se recuperar com dois jogos por semana”, enfatiza. “A gente tem um calendário esportivo muito maior do que qualquer outro lugar do planeta. A previsão é de que o Maracanã recebe 105 jogos no ano”, explica. Portanto, não há tempo para a recuperação adequada. Se chove, fica ainda pior.

Gramado do Morumbi utiliza o mesmo tipo de grama dos criticados Mineirão e Maracanã, mas é frequentemente elogiado por jogadores e técnicos.  Foto: Amanda Perobelli/ REUTERS

Com relação ao uso do sintético por causa do roteiro de shows nos estádios, Rodrigo Santos conta já dispor de uma tecnologia intitulada ready to play, feito também com gramas bermudas celebration, para quem deseja receber eventos sem dispensar a grama natural. “A ready to play é produzido na areia, na mesma granulometria da areia do estádio, e o jogo pode acontecer até 24 horas após o plantio”, conta. A tecnologia foi usada pelo São Paulo no Morumbi após os seis shows da banda Coldplay em março deste ano.

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