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História, política e cultura do esporte.

Maurício é um rascunho do passado, Josh aponta para o futuro

Episódio com o central do Minas mostra que acabou a longa era da ‘homofobia tolerável’. Do outro lado do mundo, um jogador australiano deu passo fundamental contra o preconceito no esporte

Foto do author João Abel
Por João Abel
Atualização:

Jovem é morto a tiros em barbearia; família suspeita de homofobia”. “Dentista vítima de homofobia é encontrado morto”. “Servidor público gay é encontrado morto na casa onde vivia, no interior de Minas”. “Transexual é morta com um tiro no rosto após suposta briga”.

Nenhuma dessas recentes manchetes incomodou Maurício Souza.

Mas bastou uma história em quadrinhos com um ‘Super-Homem bissexual’ para que a frágil masculinidade do jogador de vôlei do Minas e da Seleção se desmanchasse inteira.

Maurício Souza teve contrato rescindido com o Minas após comentários homofóbicos Foto: Valentyn Ogirenko/Reuters

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A conta do Instagram do atleta é um repleto poço de ódio à comunidade LGBT. Um post atrás do outro, especialmente contra homens gays e mulheres trans. Dizer que o beijo gay retratado na obra da editora DC Comics era ‘algo errado’ foi a gota d’água e gerou uma campanha contra o central do time mineiro.

Fiat e Gerdau, patrocinadoras da equipe, pediram um posicionamento. O Minas pareceu bastante relutante e, sem muita firmeza, decidiu afastar temporariamente o jogador, além de aplicar uma multa e exigir uma retratação pública. Após mais pressão, nesta quarta-feira, 27, o clube cedeu e desfez o contrato com o atleta.

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Pouco firme também foi a 'retratação' que Maurício fez após suas publicações preconceituosas.

Com a covardia que é habitual dos homofóbicos de internet, ele decidiu usar sua conta no Twitter, onde tinha menos de 200 seguidores até esta terça, 26, para mostrar seu 'arrependimento'. “Pensei muito sobre as últimas publicações que eu fiz no meu perfil. Estou vindo a público pedir desculpas a todos a quem desrespeitei ou ofendi, esta não foi minha intenção”, escreveu.

No Instagram, onde tem mais de 300 mil seguidores (e onde todas as suas postagens destilando homo e transfobia seguem no ar), Maurício publicou um vídeo nesta quarta, 27. Ao se retratar, ele disse que "infelizmente hoje, não se pode mais dar opinião".

Até o fechamento desta coluna, Maurício tinha ganhado quase 100 mil seguidores em menos de 24 horas. Pessoas que possivelmente concordam com seus posicionamentos e passaram a segui-lo. Pessoas que ratificam o discurso que dá base às manchetes lá do começo deste texto.

Cada comentário homofóbico é um tijolo na construção do país que ainda mais mata LGBTs no mundo.

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O que Maurício Souza tem não é opinião. É preconceito. Foto: Valentyn Ogirenko/Reuters

Maurício não é o primeiro nem será o último acusado de homofobia no esporte. Só no futebol brasileiro, temos dois casos recentes de destaque. O do zagueiro Leandro Castán, do Vasco, que se posicionou contrário à camisa celebrativa do time com as cores do orgulho LGBT. E o do meio campista Pepê, do Cuiabá, que afirmou, também via Instagram, que a homossexualidade ‘leva à condenação sem arrependimento’.

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Os três casos, de Maurício, Castán e Pepê, são baseados num entendimento anacrônico da religião. A mesma falta de interpretação que eles têm sobre a condição sexual e identidade de gênero da comunidade LGBT já foi vista em outros momentos da história para diversos assuntos. A fé, tão imporante para dar sentido à nossa existência, também já justificou colonialismo, escravidão, misoginia.

No fundo, esta é uma boa notícia.

O cenário que descrevi até aqui parece bastante negativo, mas a realidade é que Maurício Souza é uma espécie em extinção. Ele prega o que imagina que é 'certo', mas milhões de pessoas, especialmente as novas gerações, já entenderam que é errado. Maurício é um rascunho do passado, onde ser homofóbico era regra.

Hoje, é crime.

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E há muita gente disposta a lutar para assegurar algo que já é direito fundamental em boa parte da Terra: a liberdade de ser o que é.

Ontem e hoje, nós nos dedicamos a falar de Maurício. Ele fez algum barulho, incomodou. Mas o futuro vai mostrar que os posicionamentos dele são dignos do rodapé de uma nota de rodapé.

De quem vamos lembrar no futuro? De Maique, corajoso líbero do Minas, que é gay e reafirmou seu posicionamento contrário ao ex-colega de equipe. “Continuo lutando pelos meus direitos e de nossa comunidade e de todo e qualquer tipo de preconceito”.

Vamos lembrar de Douglas Souza, que abriu as portas da visibilidade no vôlei masculino. Vamos lembrar de Fabi, Sheilla, Carol Gattaz e tantas outras jogadoras e ex-jogadoras que levantaram sua voz nesta terça para dizer: ‘Homofobia é crime’.


Esses são os nomes que vão estampar a memória dos que olharem para o retrovisor daqui a algumas décadas.

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Nada como um dia após o outro. Depois do episódio de afastamento de Maurício, esta quarta-feira, 27, começou com uma notícia surpreendente e positiva vinda da Austrália: o jogador Josh Cavallo, do Adelaide United, declarou abertamente que é gay. Um enorme passo contra o preconceito dentro esporte mais popular do planeta.

“Foi uma jornada chegar a este ponto da minha vida, mas não poderia estar mais contente. Tenho lutado com a minha sexualidade há mais de seis anos e estou feliz por poder revelá-la”, afirmou ele, em vídeo publicado nas redes sociais, e aplaudido por inúmeros clubes e atletas do mundo inteiro.


Ao melhor estilo ‘Já é ano-novo na Austrália’, agora podemos dizer que ‘Já temos um jogador profissional abertamente gay na Austrália’. No Brasil, este dia também chegará.

O que não veremos, com certeza, é a luz dos dias em que o comportamento homofóbico seja tolerado. Esses dias, para infelicidade de alguns, estão enterrados no passado.

*João Abel é editor do Drops, no Instagram do Estadão, autor de ‘Bicha’ e coautor de ‘O Contra-Ataque’. Escreve semanalmente.

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