No final do jogo, 1 a 0 para o Liverpool na prorrogação, a torcida do Flamengo, compreensivelmente, aplaudiu o time. Afinal, o Mengo jogara de igual para igual e poderia ter vencido, ou levado a decisão para os pênaltis, sem qualquer escândalo.
Foi a primeira vez, em muitos anos, que um time brasileiro enfrentava um europeu sem jogar na defesa, naquele clássico "por uma bola". Falo, inclusive, dos vencedores, São Paulo, Internacional e Corinthians. Ganharam porque, conscientes da inferioridade, trancaram-se na defesa e esperaram por um contra-ataque redentor.
O Flamengo não. Entrou em campo para atacar e vencer. Perdeu. Mas não por goleada. Perdeu naquele gol de Firmino em contra-ataque perfeito dos "ingleses". Por pouco não empata e leva a decisão para os pênaltis.
Mas este é apenas uma das hipóteses num jogo cheio delas. E "se" o Liverpool marca naqueles dez primeiros minutos em que criou pelo menos três chances? Seria outro jogo. E "se" o Flamengo consegue marcar num daqueles períodos do jogo em que foi superior? Como reagiria o Liverpool? Jamais saberemos. Porque hipóteses sobre o que não ocorreu pertencem apenas à mente de Deus - se ele existir e se interessar por futebol.
Levando em conta apenas o que aconteceu dentro de campo, podemos considerar o placar "justo" porque o Liverpool teve mais oportunidades e chances mais consistentes de marcar que o Flamengo. Aproveitou uma delas. Essa diferença mínima de placar espelha o que foi um jogo quase parelho. E o "quase" aqui fez toda a diferença entre ser campeão ou vice porque esta é a natureza do jogo.
No entanto, placar à parte, o que se viu em campo foram dois adversários de nível muito próximo, buscando com dificuldade um desequilíbrio que se concretizou apenas com o gol de Firmino na prorrogação. Não estou dizendo que Liverpool e Flamengo tenham o mesmo nível, mas que tiveram nesta partida. Foi um jogo difícil para o Liverpool e o Flamengo ter conseguido estabelecer esse equilíbrio ao longo de quase todo o jogo é algo de muito meritório.
Em suma, foi uma partida excepcional, muito diferente dos recentes embates entre europeus e sul-americanos, em que os primeiros apareciam num patamar muito acima dos segundos. Aqui, houve nivelamento. Mérito do Flamengo, de seus jogadores e de seu técnico Jorge Jesus. Ignorar essa façanha em função do resultado, tido como absoluto, seria muita miopia, além de injustiça.
A lição do Flamengo é que, com bom investimento e treinamento moderno e intenso, o futebol brasileiro pode driblar a mediocridade que o tem caracterizado nos últimos anos. Em especial em seus torneios domésticos.
Nivelar-se de fato aos europeus é uma utopia, porque esse abismo foi cavado pela grana e não pelo talento. Os grandes clubes europeus, por seu poder econômico, tornaram-se seleções multinacionais, com os melhores jogadores dos quatro cantos do mundo atuando em seus elencos.
A lição do Flamengo em Doha serve mais para o nosso futebol doméstico do que para embates internacionais. A tarefa mais urgente é melhorar o nível do nosso futebol. Os outros clubes terão de levar isso em conta se não quiserem se defrontar com uma longa hegemonia do Flamengo.