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Postagem exagera impacto de declaração de desembargador aposentado em processos do 8 de Janeiro

Homem que defende em vídeo que Alexandre de Moraes seja considerado suspeito para julgar ações dos atos antidemocráticos atuou como advogado de um dos réus

Por Maria Eduarda Nascimento e Gabriela Meireles

O que estão compartilhando: vídeo afirma que um desembargador foi a público pedir a anulação de todos os julgamentos do 8 de Janeiro e causou uma “reviravolta” em Brasília.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso porque o homem que aparece no vídeo não é mais desembargador e a declaração dele não teve consequência para os processos do 8 de Janeiro. Sebastião Coelho se aposentou do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) e atualmente trabalha como advogado. Inclusive, defendeu o primeiro réu julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por participação nos atos golpistas de 8 de Janeiro. Em setembro do ano passado, ele entrou na mira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por suspeita de incentivar e financiar os ataques na Praça dos Três Poderes.

Vídeo engana ao afirmar que Coelho ainda seria desembargador e que a declaração do magistrado aposentado teria causado “reviravolta” em Brasília. Foto: Reprodução/Threads

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Saiba mais: A postagem verificada aqui é o recorte de um vídeo publicado no dia 3 de abril por um perfil no Instagram atribuído ao desembargador aposentado Sebastião Coelho. Na gravação, Coelho faz críticas a uma declaração dada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes durante entrevista para o documentário “8/1: A Democracia Resiste”, da GloboNews. Na ocasião, Moraes afirmou ter conversado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, no momento dos ataques em Brasília. De acordo com Moraes, Lula ligou para perguntar quais as possibilidades jurídicas para que o governo atuasse diante da invasão das sedes dos Três Poderes.

Na opinião de Sebastião Coelho, esse contato pode ser motivo para considerar Moraes suspeito para julgar os processos ligados ao 8 de Janeiro. Coelho se justifica citando o inciso IV do artigo 254 do Código de Processo Penal, que afirma que o juiz será dado como “suspeito” “se tiver aconselhado qualquer das partes”. Ainda segundo o desembargador aposentado, uma das possíveis consequências dessa suspeição seria a anulação de todas as decisões proferidas pelo ministro, inclusive os julgamentos por ele realizados.

Conforme mostrou o Estadão, advogados dos réus do 8 de Janeiro articulam uma ofensiva judicial para tentar anular todos os processos com base no argumento de que Moraes é suspeito para conduzir as investigações. No entanto, integrantes do Tribunal já se posicionaram a favor de Alexandre nessa questão. Em fevereiro deste ano, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, rejeitou 192 pedidos de suspeição e impedimento de Moraes em relação às investigações que apuram crimes relacionados aos atos antidemocráticos que ocorreram em Brasília.

A competência de Moraes para tocar as ações penais também foi defendida pelo ministro Gilmar Mendes. Em entrevista à CNN no mês de março, Mendes afirmou que Moraes não deveria ser impedido de julgar os crimes relacionados aos atos de 8 de Janeiro. “Não faz sentido algum porque não há nenhum ato do ministro Alexandre que justifique esse impedimento ou a quebra dessa imparcialidade. Pelo contrário, decidiram atacá-lo porque ele estava cumprindo um mister institucional de defesa das instituições”, afirmou Gilmar.

O Estadão Verifica tentou contato com Coelho, mas não teve resposta.

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Sebastião Coelho critica uma declaração dada pelo ministro Alexandre de Moraes durante entrevista para o documentário “8/1 A Democracia Resiste”, da GloboNews. Na ocasião, Moraes afirmou ter conversado com o presidente Lula e com o ministro Jorge Messias, da Advocacia-Geral da União (AGU), no dia dos ataques em Brasília. FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO Foto: Wilton Junior/Estadão

Juristas discordam de Coelho

“Partes” é como são chamadas as pessoas envolvidas em um processo judicial: isso inclui o juiz, réus e autores da ação. Especialistas em Direito consultados pelo Verifica discordam que Lula poderia ser considerado “parte” dos processos dos atos de 8 de Janeiro. Na explicação do professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF) Gustavo Sampaio Telles Ferreira, Lula não é a parte interessada, e sim a União Federal.

“Em verdade, o interesse envolvido era da sociedade brasileira, dos Poderes ofendidos e da própria União Federal, pessoa jurídica de direito público autônoma, distinta da figura pessoal do seu chefe, o Presidente da República”, esclareceu Ferreira.

O professor ressalta que a ação penal pela prática de crimes contra o Estado Democrático de Direito tem como autor o Ministério Público (MP), que representa o interesse da sociedade como um todo.

Portanto, segundo Ferreira, nos julgamentos do 8 de Janeiro as partes com interesse eram: a sociedade, representada pelo Ministério Público, interessada em preservar o Estado Democrático de Direito; e a União Federal, pessoa jurídica de direito público, interessada em preservar o seu patrimônio.

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O mesmo argumento é defendido pelo advogado criminalista José Carlos Abissamra Filho, doutor e mestre em direito penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Na avaliação dele, Lula e Messias não podem ser considerados partes nos processos do dia 8 de Janeiro, pois foi o Ministério Público quem ofereceu a denúncia. É por meio de uma ação penal pública que o MP pode enviar uma demanda de natureza criminal à Justiça. Por sua vez, esse tipo de ação sucede uma série de investigações sobre os fatos.

“No processo penal de ação penal pública [a acusação] é do Ministério Público, e o acusado está na outra ponta”, disse. “A Presidência da República não tem absolutamente nada a ver com essa relação”.

O advogado acrescenta que não vê problema na ligação do presidente para o ministro do STF. Ele lembra que a Constituição Federal prevê que os Três Poderes sejam harmônicos e independentes entre si.

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Ex-desembargador fez diversas críticas a Moraes

O ex-desembargador já havia feito críticas a Moraes em outras ocasiões. Em janeiro deste ano, durante uma transmissão ao vivo no Instagram, Coelho colocou em dúvida as revelações do ministro sobre planos articulados pelos golpistas nas redes sociais para executá-lo. Na ocasião, o magistrado aposentado argumentou que, se as ameaças contra Moraes fossem verdadeiras, o ministro deveria se declarar suspeito para conduzir os inquéritos e julgar os golpistas.

Quando ainda era desembargador, Coelho disse que Moraes fez uma “declaração de guerra ao País” durante a posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em agosto de 2022, o ex-desembargador anunciou a aposentadoria e atribuiu sua saída do cargo a uma reação ao STF e ao discurso de Moraes.

Ainda em 2022, no acampamento montado por bolsonaristas em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, ele voltou a rivalizar com o ministro. Na ocasião, Coelho afirmou que Moraes ”não respeita a Constituição” e chegou a defender sua prisão.

Ao Verifica, o Conselho confirmou que uma reclamação disciplinar tramita em desfavor do desembargador aposentado.

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