Circula nas redes sociais um vídeo gravado pelo ex-senador Magno Malta que difunde mensagens enganosas sobre a vacina Coronavac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech e produzida no Brasil pelo Instituto Butantã. Além de propagar informações incorretas para desqualificar o imunizante, o autor recomenda o uso de medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento da doença.
Malta afirma que vacinas de covid-19 não têm comprovação científica, o que não é verdade. Embora desenvolvidos em um ritmo sem precedentes, os imunizantes passam por estudos laboratoriais e ensaios clínicos que seguem protocolos científicos rigorosos para investigar a eficácia e a segurança das substâncias, afirma a Organização Mundial da Saúde.
Os dados produzidos ainda são submetidos ao crivo de agências sanitárias que decidem autorizar, ou não, a aplicação emergencial ou definitiva de vacinas. No Brasil, a Anvisa avalia os resultados dos ensaios clínicos e o pedido para uso emergencial da CoronaVac e da vacina de Oxford.
Informações sobre as etapas 1 e 2 dos testes da vacina da Sinovac Biotech estão disponíveis em artigo publicado na revista Lancet em novembro. Outras fabricantes, como a Pfizer e BioNTech, já divulgaram dados da última fase de estudos clínicos em periódicos científicos.
Eficácia é maior que 50%
O ex-senador ainda se contradiz ao afirmar no vídeo que a comprovação científica da CoronaVac é que o produto tem "menos de 50% de eficiência". Como mostra uma reportagem do Estadão, ao comparar somente o número de pacientes com sintomas da doença no grupo que recebeu a vacina e voluntários na mesma condição que receberam placebo (substância neutra) o índice de eficácia do imunizante seria de 49,69%.
O protocolo de pesquisa do Instituto Butantã aplicou uma metodologia que também leva em conta o tempo de exposição ao risco de cada participante dos testes clínicos. Neste cálculo, o percentual de eficácia da vacina corresponde a 50,38%, como divulgado pelo Governo de São Paulo. O número está ligeiramente acima da margem de padrões aceitáveis de uma vacina definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Uma nota da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBIm) destaca que o cálculo de eficácia global entre vacinas não é padronizado globalmente e que os índices de imunizantes de covid-19 não são comparáveis, uma vez que os estudos aplicam diferentes metodologias para caracterizar pacientes infectados.
"A busca de vacinas para a covid-19 foca, no momento, em controle de sintomas", diz o documento. "A vacina do Instituto Butantan diminui 50% a chance de qualquer pessoa ter qualquer sintoma leve, e 78% de mais sintomas. Não houve vacinados internados. Isso é um resultado muito bom, como é o da vacina de Oxford".
Ivermectina
Ao desqualificar a CoronaVac, Magno Malta ainda sugere que a ivermectina, a cloroquina, o zinco e a azitromicina seriam capazes de resolver o que ele chama de "processo viral" da covid-19. Porém, ainda não há comprovação científica que os medicamentos listados pelo ex-senador funcionem para prevenir ou tratar a covid-19 em qualquer estágio da doença.
A ivermectina, que é destacada pelo político capixaba, mostrou resultados promissores em testes laboratoriais conduzidos pela Universidade Monash, na Austrália, com células de primatas. Ainda faltam, porém, estudos clínicos randomizados com o devido rigor científico para atestar se o medicamento pode ter resultados benéficos contra o novo coronavírus no corpo humano, destacaram especialistas em uma verificação do projeto Comprova em que o Estadão colaborou. Experimentos conduzidos em laboratório acontecem em condições controladas que não podem ser reproduzidas em organismo vivo.
O site da Anvisa destaca que "até o momento, não existem medicamentos aprovados para prevenção ou tratamento da Covid-19 no Brasil. Nesse sentido, as indicações aprovadas para a ivermectina são aquelas constantes da bula do medicamento". A agência americana Food And Drug Administration desaconselha o uso da ivermectina e destaca que o medicamento não foi aprovado para prevenção ou tratamento da covid-19.
Já um informe da Sociedade Brasileira de Infectologia de dezembro também não recomenda o tratamento farmacológico precoce para Covid-19 com qualquer medicamento, incluindo a cloroquina, azitromicina, ivermectina, zinco e outras substâncias, "porque os estudos clínicos randomizados com grupo controle existentes até o momento não mostraram benefício".
Não, contrato com a Sinovac não foi assinado antes da pandemia
O ex-senador também espalha informações falsas ao falar sobre o contrato do governo paulista com o laboratório chinês Sinovac. "Quando a tal da pandemia começou, lá trás, em julho do ano passado, João Doria já tinha assinado um contrato de vacina com o laboratório Sinovac. Lá na China. Ele já sabia que ia ter pandemia? Que ia ter um vírus que ia atacar o mundo inteiro?", afirma Magno Malta.
Apesar da declaração não deixar claro exatamente a que período ele se refere, vale pontuar que o primeiro caso de covid-19 no Brasil foi confirmado em fevereiro de 2020. No início de julho do mesmo ano o País já registrava 1,5 milhão de infecções e cerca de 60 mil óbitos, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).
O contrato de parceria do Butantã com a Sinovac foi assinado em junho de 2020 e anunciado no dia seguinte. Na época, circularam conteúdos enganosos nas redes sociais que distorceram uma missão empresarial do Governo de São Paulo realizada em 2019 para insinuar que a administração paulista assinou um acordo com o laboratório antes da pandemia. Os boatos foram desmentidos por uma verificação do Comprova.
O ex-senador usa a alegação enganosa para sustentar que a China primeiro "criou o vírus e depois a vacina". Embora a origem exata do novo coronavírus ainda seja incerta, as melhores evidências até o momento indicam que o microorganismo foi originado na natureza, provavelmente da variação de outros coronavírus presentes em morcegos. Nesta quinta-feira, 14, a China confirmou que uma equipe de especialistas da OMS encarregada de investigar as origens do novo coronavírus chegou à Wuhan, cidade chinesa que foi o primeiro epicentro da pandemia.
Também é falso que a vacina da Sinovac não tem autorização na China. Desde novembro, o país concedeu um aval especial para que as vacinas da Sinovac e da Sinopharm sejam aplicadas em populações de alto risco.
Já o apontamento de Malta de que o contrato entre o Butantã e a Sinovac seria um acordo "reservado que não fala sobre valores" tem respaldo em uma reportagem da CNN Brasil divulgada em novembro. Segundo a emissora, as duas partes assinaram termos de confidencialidade e o documento não especifica valores.
Vacinação sem aval da Anvisa
Malta diz no vídeo que o governador João Doria anunciou que a população de São Paulo seria vacinada mesmo sem o aval da Anvisa. Em novembro, o tucano afirmou em entrevista ao site Metrópoles que se agências internacionais validassem a vacina, ela estaria validada no Brasil independentemente da própria Anvisa.
A agência de vigilância sanitária rebateu "que a eventual aprovação de uma vacina pela autoridade regulatória da China NÃO implica aprovação automática para o Brasil". Na sequência, o governador usou o Twitter para esclarecer o que ele classificou como uma confusão. "Há confusão em relação à minha declaração sobre a validação da CoronaVac junto à Anvisa. Existe diferença entre validar uma vacina fora do País e autorizar sua aplicação em território nacional", afirmou.
CoronaVac não foi ridicularizada no exterior
É falso que programas de televisão dos Estados Unidos estão fazendo piada com o índice de eficácia do imunizante, como sugere Malta no vídeo. Uma checagem recente do Estadão Verifica mostra que publicações enganosas nas redes sociais compartilharam um vídeo manipulado para insinuar que apresentadores de uma emissora de TV norte-americana estavam rindo dos resultados da vacina. O clipe original, no entanto, foi gravado em 2017 e mostra os apresentadores reagindo a um vídeo de gatinho.
Veículos internacionais como a rede britânica BBC News, a CNN americana e a emissora do Catar Al Jazeera destacaram que a taxa de eficácia da vacina ficou abaixo do esperado e expuseram críticas de cientistas à comunicação dos resultados por parte do governo paulista
Além disso, falta contexto às afirmações de Malta acerca das decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a pandemia do novo coronavírus. No vídeo, o autor diz que a corte retirou todo o poder de Jair Bolsonaro sobre a crise sanitária. Em abril, o STF determinou a autonomia de estados e municípios para deliberar medidas de combate à covid-19.
A medida, no entanto, não isenta o governo federal de responsabilidades sobre a pandemia, como explicaram especialistas ao Estadão Verifica em julho. A respeito da vacinação obrigatória, o Supremo decidiu em dezembro que estados e municípios podem impor restrições a quem se recusar a ser vacinado, desde que sejam medidas razoáveis amparadas em leis. Isso não significa, que pessoas podem ser vacinas sem o próprio consentimento.
Sobre a ação da Rede Sustentabilidade no STF citada por Malta, o partido de fato apresentou entregou ao ministro Lewandowski uma petição para que a Anvisa analise o pedido de uso emergencial da CoronaVac em três dias. A Rede Sustentabilidade entregou ao ministro Ricardo Lewandowski uma petição para que a Anvisa analise o pedido de uso emergencial da CoronaVac, vacina fabricada pelo Instituto Butantan, em três dias.
O Estadão Verifica tentou contato com Malta por telefone e via Facebook, mas não foi atendido.
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