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Maré baixa em Maceió é comum e não anuncia chegada de tsunami

Vídeos no TikTok espalham teoria alarmista de que o recuo das águas no Farol da Ponta Verde poderia ser um sinal de que tsunami pode atingir o Brasil

Por Clarissa Pacheco
Atualização:

Um fenômeno que atrai turistas de diversos lugares para aproveitar as piscinas naturais de Maceió foi parar no TikTok esta semana acompanhado de um aviso assustador – e mentiroso. Os vídeos acumulam mais de 3 milhões de visualizações ao alegar que o mar está sumindo e que este seria o sinal de um iminente tsunami a atingir o Brasil. O que as imagens mostram é, na verdade, a praia da Ponta Verde durante a maré baixa. E isso não é um indicativo de tsunami, apontam especialistas.

 Foto: Reprodução

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O movimento de marés nada mais é do que o subir e descer do nível do mar, explica o professor Henrique Ravi, doutor em Geociências e professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e líder do Grupo de Estudos Integrados ao Gerenciamento Costeiro (GEIGERCO). Ele explica que no Estado o movimento ocorre duas vezes ao dia, com intervalos aproximados de 6 horas entre o nível alto (preamar) e o baixo (‘baixa-mar’). “Essa maré é influenciada diretamente pelas forças de atração do Sol e principalmente da Lua sobre nosso planeta, sendo denominada de maré astronômica. Visto as fases da Lua, as maiores preamares e baixa-mares ocorrem nos momentos de lua cheia e nova”, diz.

As marés astronômicas são previsíveis e qualquer pessoa pode consultar as cotas esperadas para o ano inteiro, com horários em que cada subida e descida de nível do mar deve ocorrer, nas tábuas de maré. Elas são usadas para auxiliar a navegação e estão disponíveis para cada porto do Brasil no site oficial da Marinha.

O boato de uma tsunami começaram a se espalhar nas redes pouco depois do período de 19 a 21 de fevereiro. Naquela data, a baixa-mar foi mais acentuada em Maceió, segundo registros da Capitania dos Portos de Alagoas.

“Entre os dias 19 e 21 de fevereiro, ocorreram uma das menores baixa-mares, atingindo o nível de -0.1 metro, exatamente no período de lua nova. Porém, essa baixa-mar é natural e também ocorre em outros meses do ano, como também é comum que a preamar seja maior nestes períodos”, aponta Ravi. A tábua de marés deste ano prevê que a mesma cota de -0.1 metro na maré baixa aconteça nos dias 20 e 21 de março (lua nova), 31 de agosto e 1º de setembro (lua cheia) e 29 de setembro (lua cheia).

É comum que banhistas aproveitem a maré baixa para conhecer as piscinas naturais na praia do Farol da Ponta Verde, em Maceió. Foto: Itawi Albuquerque/Secom Maceió Foto: Itawi Albuquerque/Secom Maceió

O que significa uma baixa-mar de -0.1?

Quando a maré baixa atinge a cota de -0.1 metro, isso quer dizer que o nível do mar está 10 centímetros abaixo do nível zero de referência para a navegação, que varia de lugar para lugar. Guilherme Lessa, doutor em Ciências Marinhas, pesquisador do Grupo de Oceania Tropical (GOAT) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professor do curso de Oceanografia da mesma instituição, explica que essa cota não tem nada de excepcional. É comum sua ocorrência nas marés de lua nos meses de fevereiro e março, e setembro e outubro.

“Naquela região, o talude do terreno é muito pouco declivoso. É um terreno muito horizontalizado. Você caminha dezenas e dezenas de metros para rebaixar um metro em altura, então qualquer variação da maré provoca grandes diferenças paisagísticas”, aponta. Ou seja, nada de tão excepcional aconteceu em Maceió nos últimos dias.

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Veja a seguir imagens de satélite do mesmo local, mas com diferentes níveis de água:

Imagem de satélite feita em 20 de julho de 2020 mostra praia do Farol da Ponta Verde, em Maceió, com nível do mar um pouco mais baixo. Foto: Reprodução
Outra imagem de satélite do mesmo local, feita em 21 de setembro de 2020 mostra nível do mar um pouco mais alto, o que já muda a paisagem. Foto: Reprodução

Para Lessa, excepcional seria se o rebaixamento do nível d’água fosse superior a 1 metro além do previsto pela tábua de marés. Esses rebaixamentos mais significativos, completa Henrique Ravi, da UFAL, podem ocorrer por efeito das marés meteorológicas, regidas pela circulação atmosférica. Exemplo disso são as alterações na pressão atmosférica e na velocidade e direção dos ventos, como o que acontece em eventos extremos, como tempestades.

“Em casos raros, os ventos podem soprar de forma muito intensa e constante do continente em direção ao oceano, empilhando as águas oceânicas para longe da costa. Desta forma, a junção de marés astronômicas e meteorológicas podem ocasionar um recuo ou avanço do mar muito além do usual. No entanto, eventos de recuos extremos do mar nunca ocorreram na história recente de Alagoas, podendo ser descartada essa possibilidade”, afirma Ravi.

Em 2017, isso aconteceu em Santa Catarina, quando o mar recuou 50 metros, como mostrou o Jornal Nacional, na época.

Nem sinal de tsunami

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

A Prefeitura de Maceió desmentiu o prenúncio feito pelos vídeos virais. Para os especialistas consultados pelo Estadão Verifica, não há razão para crer que a maré baixa em Maceió seja um sinal de tsunami, inclusive porque, diferente das marés astronômicas, os tsunami não são previsíveis.

“Tsunamis são eventos provocados geralmente por deslocamento abrupto de placas tectônicas, sendo que este tipo de movimento não pode ser previsto, como no caso de atividades vulcânicas. Desta forma, não há por que se cogitar se poderá haver um tsunami ou não, visto que não é um fenômeno recorrente no Oceano Atlântico”, aponta Henrique Ravi, da UFAL.

Não há estudos recentes e evidências científicas que indiquem a possível ocorrência de tsunamis na costa do Brasil. “Um tsunami a alcançar o Brasil seria mais provavelmente relacionado ao desmoronamento de alguma ilha oceânica no Atlântico Norte, e alcançaria a região Nordeste após umas oito horas. Ou seja, impacta outras regiões antes de alcançar o Brasil”, afirma Guilherme Lessa

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Nos dias posteriores ao compartilhamento dos vídeos no TikTok houve quatro terremotos significativos no mundo, de acordo com os observatórios sismológicos nacionais. Três aconteceram no Oceano Pacífico e um no Mar das Antilhas, próximo de Porto Rico. Nenhum deles gerou um maremoto.

O último relato de tsunami na costa do Brasil, observa Henrique Ravi, aconteceu há 267 anos. Ele foi provocado pelo famoso terremoto de 1º de novembro de 1755 que destruiu Lisboa, em Portugal, de magnitude 8.7 graus. Por lá, os estragos foram obviamente muito maiores: o terremoto destruiu Lisboa e a cidade ainda foi atingida por incêndios. A capital precisou ser reconstruída.

No Brasil, o tsunami atingiu o Nordeste, destruiu algumas habitações mais modestas e terminou no desaparecimento de duas pessoas, de acordo com a Rede Sismográfica Brasileira. A instituição comentou sobre o assunto no aniversário de 265 anos do terremoto, em 2020.

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