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Não há evidência científica de que óleo de magnésio ajude a controlar febre em crianças

Em vídeo viral, médico recomenda uso de solução na pele de crianças para controlar temperatura, mas medida não costuma ser usada e não há estudos que apontem segurança e eficácia

Por Clarissa Pacheco

Não há evidências científicas que indiquem que óleo de magnésio aplicado na pele de crianças ajude a controlar a febre ou evitar que elas sofram convulsão febril. A afirmação aparece em um vídeo que viralizou no Facebook nos últimos dias. Nele, um médico, palestrante e escritor de autoajuda fala sobre a febre em crianças, afirma que ela não deve ser combatida com antipiréticos e diz recomendar que mães de crianças tenham em casa óleo de magnésio, que deve ser aplicado na pele da criança quando ela tiver febre.

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Algumas das afirmações presentes no vídeo são verdadeiras, outras são enganosas. Mas, entre especialistas ouvidos pelo Estadão Verifica, há consenso: o óleo de magnésio não costuma ser usado com esse fim, nem há estudos que recomendem ou mesmo que apontem que seja seguro usar o medicamento para controlar a febre ou prevenir convulsões febris em crianças. O Verifica ouviu dois médicos pediatras e dois farmacêuticos. Já o autor do vídeo tem registro ativo no Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais como nutrólogo e cardiologista, embora afirme, em seu site oficial, que não realiza nenhum atendimento.

O óleo de magnésio a que ele se refere no vídeo é uma solução, normalmente manipulada, feita com cloreto de magnésio e água destilada. Ele pode ser encontrado em drogarias e farmácias de manipulação, mas não há nas descrições do produto indicações de que ele deva ser usado para controlar a febre, tampouco em crianças. O Verifica, então, consultou o Centro Brasileiro de Informações sobre Medicamentos (Cebrim), ligado ao Conselho Federal de Farmácia (CFF), para entender qual seria uma possível origem da associação feita no vídeo.

De acordo com os farmacêuticos Pamela Saavedra e Rogério Hoefler, ambos pesquisadores do Cebrim, não foi encontrada nenhuma evidência científica que recomende o uso de óleo de magnésio por via transdérmica – como sugere o autor do vídeo – para prevenir convulsão febril em crianças.

“Há estudos que sugerem que crianças com deficiência de magnésio (hipomagnesemia) e de outros micronutrientes no organismo podem estar associadas a um maior risco de convulsões febris. Porém, há consenso entre os autores de que mais estudos são necessários para confirmar esta possível associação”, dizem Pamela e Rogério. Eles destacam, ainda, que não há estudos que atestem a segurança do uso do medicamento para este fim, nem há definição de uma dose terapêutica de magnésio com esta finalidade.

O médico pediatra Tadeu Fernandes, presidente do Departamento de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), também afirma não haver evidências científicas que sustentem o que diz o autor do vídeo. “Não existem estudos científicos que documentem essa afirmação. Não se costuma usar [óleo de magnésio para febre]. Eu atendo bastante, tenho bastante contato, os residentes atendem muito também e ninguém usa isso”, afirma.

Formado em pediatria pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), o médico Reinan Campos também desconhece o uso do óleo de magnésio com esta finalidade: “Não é, definitivamente, uma medicação que está nos protocolos de tratamento de febre, tampouco nos livros de pediatria. Não é uma medicação que a gente vê os pediatras usando habitualmente”, afirma o pediatra.

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Reinan observa que não foram encontrados artigos científicos que façam uma correlação entre o óleo de magnésio transdérmico e o tratamento da febre, e destaca que há apenas um artigo de revisão de literatura falando do uso do medicamento para outras finalidades terapêuticas. “E essa revisão mostrou que não existe evidência científica que a via dérmica seja segura e eficaz para a administração do magnésio”, completa.

Febre não é doença

No início do vídeo, o autor do conteúdo afirma que, em vez de aplicar um antipirético – ou antitérmico, medicamento usado para baixar a febre –, o ideal é deixar que a criança tenha a febre, porque ela estimula o sistema imunológico. De fato, explicam especialistas, a febre não é uma doença, e sim um sinal de alerta, e o ideal é não cortar a febra baixa, já que ela é uma forma de defesa do organismo.

“A febre é nossa amiga, ela não é nossa inimiga. Sempre que você sofre uma agressão, o seu organismo se mobiliza ativando o sistema imune, e ele trabalha justamente como uma defesa, que pode ser contra um vírus, uma bactéria, um alérgeno, um agente agressor”, explica o pediatra Tadeu Fernandes, da SBP.

Criança é considerada febril quando a temperatura ultrapassa os 37,8°C Foto: densaniebla/Pixabay

O especialista faz uma analogia com um aparelho de ar-condicionado para explicar como a febre acontece. “Se você tem uma inflamação, por exemplo, no dedão do pé, o mecanismo de defesa do corpo envia uma mensagem pro cérebro, onde nós temos um termostato, igual ao de um ar-condicionado, onde você aumenta ou diminui a temperatura. Esse termostato ativa nossas defesas e um dos medidores é elevar a temperatura, porque você tem um processo de vasodilatação para ter mais elementos de defesa, isso aumenta a frequência cardíaca, respiratória, e assim por diante”, afirma.

Quando medicar?

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Neste artigo, publicado pela Sociedade de Pediatria de São Paulo, Tadeu Fernandes afirma que uma criança é considerada febril quando a temperatura ultrapassa 37,8°C, mas isso não significa que já é preciso medicar. “[O ideal] é não cortar a febre baixa porque, lembrando, febre é defesa. Mas, quando a febre começa a incomodar o paciente, causar mal-estar, deixar desanimado, caidinho, no caso da criança, a gente dá um antitérmico”, afirma.

Não existe uma temperatura mínima para se fazer isso. “Antigamente, se falava em 38°C. Hoje, não: começou a incomodar, usa o antitérmico. Se não, se a criança tá pulando, brincando, não usa porque a febre é uma defesa”, completa.

No vídeo aqui investigado, o autor do conteúdo chega a afirmar que o vírus não suporta uma temperatura de 39°C e que, em vez de medicar, ele recomenda que as mães das crianças usem três gotas de óleo de magnésio no joelho, de modo que o óleo seja absorvido pela pele, e a febre reduzirá sem necessidade de medicamento. Para os farmacêuticos Pamela Saavedra e Rogério Hoefler, do Cebrim/CFF, esse tipo de afirmação pode levar pessoas leigas a fazerem generalizações erradas.

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“De fato, febre é um sinal e não uma doença. Geralmente, a febre é um mecanismo fisiológico de proteção do nosso organismo contra agentes infecciosos, pois potencializa mecanismos imunológicos de defesa. Todavia, não se deve negligenciar o controle da febre muito elevada, especialmente em crianças, a depender do estado geral do paciente”, afirmam.

Há motivo para preocupação quando bebês com menos de três meses têm temperaturas acima de 38°C ou abaixo de 35,5°C; quando a criança continuar com choro persistente, apática ou com pouca reação mesmo após a febre baixar; ou quando a febre vier acompanhada de dor de cabeça, manchas avermelhadas, dificuldade em dobrar o pescoço, vômitos que não cessam, irritabilidade extrema ou sonolência, dificuldade importante para respirar, ou queda do estado geral.

Como baixar a febre?

Se a temperatura ultrapassar os 37,8°C, o primeiro passo é tirar as roupas da criança, hidratar oferecendo água, soro oral e líquidos à vontade. Também vale dar banhos com água em temperatura normal, nem quente, nem fria, e monitorar a temperatura a cada 30 minutos.

“Antigamente, tinha um mito de dar banho gelado, agora tem um gelzinho gelado para colocar na testa da criança. Não adianta, porque vai esfriar o local, mas o termostato continua lá funcionando e faz um efeito rebote, ou seja, ele entende que não está trabalhando direito e manda uma mensagem pro cérebro esquentar mais rápido”, afirma Tadeu Fernandes.

Caso a febre, a qualquer temperatura, tenha começado a incomodar a criança e, após poucas horas de antitérmico, a febre voltar, não se deve intercalar com outro medicamento, nem repetir a dosagem antes do intervalo previsto.

A recomendação da SBP é hidratar o paciente, o que fará a febre desaparecer, na maioria das vezes, sem a necessidade de tomar outro remédio. “Quando você está com febre, você está perdendo água no estado de vapor, e você desidrata. É preciso repor líquido, mas o erro é fazer isso só tomando água. Você tem que repor com soro oral e líquidos à vontade. Aí você percebe que a febre vai baixar, mesmo sem usar antitérmico”, diz.

Quando a febre começar a incomodar o paciente, é hora de medicar, explica pediatra. FOTO TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

No vídeo aqui investigado, o autor afirma que, aplicando óleo de magnésio, a criança não terá convulsão febril. Isso não é necessariamente verdade, já que a convulsão não está associada a uma temperatura específica, tampouco ao uso do óleo de magnésio. “Só tem convulsão febril quem pode, quem tem uma pré-disposição a ter. Você vai ter criança com 40°C brincando e criança com 37,5°C tendo convulsão. A convulsão febril é benigna, só tem quem tem essa pré-disposição genética, que vai ter com qualquer temperatura, ou com 37,5°C ou com 40°C”, afirma Tadeu Fernandes.

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Este outro artigo da SBP trata do manejo da febre na fase aguda e fala, entre outras coisas, sobre antitérmicos normalmente usados no Brasil. O Estadão Verifica procurou o autor do vídeo, o médico Lair Ribeiro, para questionar qual a origem da informação compartilhada por ele no conteúdo, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

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