Pedido de procurador contra vacinas foi indeferido; reportagem antiga circula sem contexto

Ação do MPF de Uberlândia contestava segurança do imunizante em adolescentes, mas estudos atestam que maioria dos efeitos colaterais são leves e transitórios

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Por Gabriel Belic

O que estão compartilhando: que mais pessoas vão morrer por reações causadas pela vacina contra covid-19 do que pelo próprio coronavírus em 2024; prova disso é uma ação do Ministério Público Federal (MPF) contra a União, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e farmacêuticas.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A postagem verificada reproduz, sem informar a data, uma reportagem da RedeTV! exibida em março de 2022. A matéria informava que o MPF em Uberlândia havia solicitado monitoramento da vacinação contra covid-19 em adolescentes. O que a postagem não mostra é que esse pedido do MPF foi indeferido pela Justiça. Mais importante ainda, agências sanitárias de todo o mundo atestaram a segurança do imunizante em crianças e adolescentes. A liberação do uso dessas vacinas veio após a análise de diversos estudos. Os efeitos colaterais observados são em sua maioria leves e transitórios, como dor de cabeça e febre.

Postagens enganosas se baseiam em uma ação do MPF em Uberlândia que contesta segurança do imunizante em adolescentes; estudos atestam que maioria dos efeitos adversos são leves e transitórios Foto: Reprodução/Facebook

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Saiba mais: A ação do MPF de Uberlândia alegava que a Anvisa havia aprovado a vacinação de covid-19 em crianças sem a realização e conclusão de estudos clínicos, mas isso não é verdade. O procurador responsável solicitava que a vacinação contra covid em crianças e adolescentes não fosse obrigatória enquanto não estivessem “encerrados todos os estudos clínicos do processo de formação de vacinas”. Mas já naquela época haviam dados que mostravam que a vacinação era segura e eficaz (veja na seção abaixo).

Ao Estadão Verifica, o MPF disse que o material que circula nas redes sociais não tem relação com fatos atuais e baseou-se em uma entrevista antiga de um procurador de Uberlândia. Em nota, a 3ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte, órgão julgador da ação, afirmou que “nos termos da sentença proferida, foi indeferida a petição inicial. O processo está na secretaria aguardando ser encaminhado ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6).”

Vacinação em adolescentes

A Sociedade Brasileira de Pediatria informou que a autorização de uso da vacina Pfizer em adolescentes foi baseada em estudo de fase 3, que incluiu 2.126 participantes de 12 a 15 anos. Conforme a nota técnica da Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à COVID-19, do Ministério da Saúde, a vacina Comirnaty (Pfizer) passou por pesquisas de fase 1/2 e 3 em crianças entre 5 a 12 anos, com demonstração de eficácia de 90,7% para prevenção da doença pelo menos 7 dias após a segunda dose, por um período de 70 dias.

Uma pesquisa do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (Nesa), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), analisou a resposta vacinal de indivíduos com faixa etária entre 12 e 24 anos contra a covid-19, que foram imunizados no período de 18 de fevereiro de 2021 a 25 de agosto de 2022. O estudo concluiu que a ocorrência de eventos adversos foi de cerca de 52%, sendo a maioria leves e transitórios.

Conforme o estudo, os sintomas mais frequentes foram dor no local da aplicação (52,6%), dor de cabeça (25,3%), febre baixa (19,3%) e dor no corpo (20,1%), principalmente após a segunda dose da vacina. Em contrapartida, não foram observados casos graves.

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A autora do estudo ressaltou a baixa incidência de covid-19 após a vacinação, sem registro de hospitalizações. Além disso, também afirmou que as vacinas se mostraram eficientes, sem reações moderadas ou graves. Dessa forma, a especialista certificou que a vacinação é segura e tem impacto no índice de pessoas que morrem em razão da covid-19.

Vacina da Pfizer desmontou eficácia de 100% em prevenir sintomas da covid durante estudo clínico com adolescentes maiores de 12 anos. Foto: Alejandra De Lucca V. / Ministério da Saúde do Chile (Minsal)

Segurança do imunizante

Em julho deste ano, a Coalizão Internacional de Autoridades Reguladoras de Medicamentos (ICMRA, na sigla em inglês) publicou uma declaração sobre a segurança das vacinas contra a covid-19. O documento contou com o apoio da Anvisa.

O relatório destaca que as evidências demonstram que os imunizantes são seguros em todos os grupos etários, sendo que os benefícios das vacinas aprovadas “compensam consideravelmente os possíveis riscos”. Além disso, o documento também afirma que a maioria dos efeitos colaterais são de natureza leve e temporária.

A declaração admite que os sistemas de monitoramento de segurança identificaram alguns efeitos colaterais graves, mas muito raros, ocorrendo em menos de 1 em 10 mil pessoas. E, sendo assim, os reguladores de medicamentos implementaram medidas para reduzir o risco de danos desses efeitos colaterais.

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Boatos semelhantes à alegação analisada já foram disseminados anteriormente. Em março de 2022, por exemplo, o Estadão Verifica e o Projeto Comprova atestaram que, diferentemente do que sugeriam publicações virais, a proporção de mortes por covid é maior entre não vacinados no Reino Unido.

Um artigo publicado na Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (UNA-SUS) explica que, quanto maior a cobertura vacinal contra a covid, menor será o número de pessoas não vacinadas. Consequentemente, a comparação do número absoluto de óbitos entre vacinados e não vacinados pode induzir ao erro. Assim sendo, o artigo afirma que o indicado é a comparação de coeficientes, que levam em consideração numeradores e denominadores.

Adolescente recebe vacina contra a covid-19 em Tel Aviv. Foto: REUTERS/Ronen Zvulun

Procurador iniciou outras ações questionando vacinas

Na ação civil pública mostrada na reportagem, movida pelo procurador Cléber Eustáquio Neves, o MPF solicitou que a União, a Anvisa e as farmacêuticas criassem um fundo para o “tratamento e indenização para crianças de qualquer idade e adolescentes menores que 18 anos que apresentarem efeitos adversos pelo prazo mínimo de 10 anos”. O processo questionava a segurança da vacinação contra covid-19 em crianças e adolescentes.

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Também em 2022, outra ação movida pelo procurador questionava a exigência do comprovante de vacinação contra a covid-19 para volta às aula presenciais na Universidade Federal de Uberlândia e instituições vinculadas. A Justiça Federal negou o pedido e manteve a exigência do comprovante.

Em 2015, o procurador entrou com ação na Justiça para suspender o uso da vacina contra o papiloma vírus humano (HPV) no País. A ação alegava que o imunizante causava efeitos colaterais graves e solicitava que a Anvisa publicasse uma resolução tornando a aplicação da vacina proibida em todos estabelecimentos de saúde. À época, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) garantiu a segurança e eficácia da vacina.

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