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Estúdios surfam com alta de podcasts no mercado

Aumento no número de ouvintes e interesse das empresas no setor atraem investimentos para produções mais profissionais

Foto do author Levy Teles
Por Levy Teles
Atualização:

Especial para o Estado 

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Você já deve ter ouvido que 2019 foi o ano dos podcasts. Os programas de áudio digitais não são nenhuma novidade da atual década, mas caíram na boca do povo nos últimos anos. Literalmente. Com um microfone, que pode ser do próprio celular, um programa de gravação, habilidade de edição e uma boa ideia na cabeça, é possível gravar o próprio podcast e mostrar o seu produto ao mundo.

A mensagem vai ser passada, mas em algumas das vezes, não com tanta clareza: áudio estourado, chiado de um microfone de menor qualidade, ruído do ambiente, latido de cachorro, buzina de carro e tantas outras imperfeições podem aparecer na produção de um podcast caseiro. Assim, estúdios de podcasts aparecem para suprir a demanda do mercado e aproveitam um momento favorável para o setor.

“A gente tem no podcast uma intimidade, uma conversa mais próxima que outros não conseguem fazer. A pessoa carrega o podcast favorito no seu celular”, conta Carlos Merigo, publicitário e fundador do B9, portal voltado para informação sobre inovação e criatividade, nascido em 2002. Veterano no mercado, Merigo entrou para o mundo do podcast em 2005 com o BrainCast, mas foi em 2014, quase dez anos depois, que colaborou para produzir e publicar o Mamilos.

Podcast criado pelas também publicitárias Juliana Wallauer e Cris Bartis como hobby, o Mamilos se tornou no ano passado o segundo podcast mais ouvido do Brasil, segundo o Spotify. Um sucesso para as idealizadoras do projeto, que se tornaram sócias do B9. De repente, o hobby se tornou profissão e uma nova fonte de renda para a empresa.

Merigo, da B9, faz podcasts desde 2005, mas sucesso veio quase 10 anos depois Foto: Felipe Rau/Estadão

Com o prestígio, o B9 montou um estúdio no começo do ano passado e resolveu apostar nos podcasts como um dos seus principais produtos. “A gente mergulhou de cabeça. Com o crescimento do Mamilos, começamos a ficar mais focados em produzir programas de áudio”, conta Merigo.

A aposta deu certo. O B9 conseguiu emplacar alguns spin-offs do Mamilos, outros podcasts (como Naruhodo! e História Preta) e acumula dezenas de patrocinadores que produzem branded content em forma de podcast, como o Bradesco e a Coca-Cola. O faturamento baseado em podcasts do B9 triplicou e chegou a R$ 4 milhões em 2019. A projeção para 2020, de acordo com Merigo, é triplicar o faturamento novamente.

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Os dados mais recentes do setor empolgam. Uma pesquisa encomendada pela Deezer, plataforma online de distribuição de músicas e programas de áudio, mostrou que o consumo de podcasts subiu 67% em 2019. Apenas na plataforma, aumentou 177% em um ano. O Ibope, em pesquisa divulgada em maio do ano passado na Maratona Piauí CBN de Podcast, apontou que quatro em cada dez internautas já ouviram pelo menos um podcast.

Outros estúdios no Brasil aproveitaram a explosão do ano passado para entrar de vez no mercado. É o caso da Rádio Novelo, que nasceu em 2019 por iniciativa de Branca Vianna, intérprete simultânea e ex-Revista Piauí.

Ela juntou outras pessoas que faziam parte da revista para montar um grupo 100% focado em podcasts. A Rádio Novelo hoje produz podcasts para a própria Piauí, além de Japan House, revista 451, Spotify e o médico Eduardo Rocha.

Hoje, o time tem 18 funcionários e atua não apenas na produção de podcasts como também na idealização de projetos desde o começo, na definição da temática e da própria identidade do podcast a ser planejado.

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Diversidade de opções

“Se você quer fazer um podcast, não precisa fazer com o pessoal da região. Você pode ver fora dos grandes centros. Eu atuo no interior de Minas Gerais e meus principais clientes são de São Paulo”, diz Renato Bontempo, publicitário e fundador do Bicho de Goiaba.

O estúdio localizado em Uberlândia foi criado também em 2019 após Bontempo, que costumava editar áudios para os amigos, notar que havia uma oportunidade de mercado ali. “No último ano, a demanda aumentou e vi que isso tem de ser um negócio.” Seu estúdio hoje tem cinco funcionários e alguns freelancers que podem ajudar clientes a elaborar um roteiro, por exemplo.

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Uma das soluções propostas por Bontempo é a de gravar o podcast de forma remota. O cliente tem a possibilidade de alugar os materiais para poder gravar o podcast de onde ele está, com o próprio Bicho de Goiaba, ou receber a equipe em casa. A empresa também oferece serviço de edição.

Jacarandá quis deixar participantes mais à vontade Foto: Alberto Whyte

Outra empresa no setor é a Loc on Demand, da Jacarandá. A empresa, que já produzia trabalhos em áudio e em vídeo, criou seu núcleo para gravação de podcasts em 2019, quando viu uma carência de estúdios personalizados no mercado. Havia também a percepção que a estrutura de um estúdio de rádio muitas vezes pode atrapalhar a fluidez de um programa de podcasts.

Por isso, a empresa oferece uma sala de gravação com amplo espaço, sofás e cadeiras para que os participantes possam se acomodar. O microfone sai do teto e se torna um elemento secundário do cenário. O arranjo é uma forma de deixar as pessoas mais à vontade. “A gente acredita que essa naturalidade faz com que os clientes fiquem mais confortáveis, mais espontâneos e mais naturais na conversa. Isso reflete na qualidade do podcast”, diz Julian Ludwig, presidente da Jacarandá.

A conversa mais informal, na visão do professor João Massarolo, do Grupo de Estudos em Mídias Interativas em Imagens e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), é uma das principais particularidades do podcast: “É um fenômeno parecido ao que aconteceu com o youtuber. Começou dentro do quarto, na câmera do seu computador para ter uma conversa. Quem ouve quer fazer parte da conversa.”

O serviço da empresa chamou a atenção da Globo, que a partir deste ano começa uma parceria com a Jacarandá para a produção de seus podcasts em São Paulo.

De onde vem o dinheiro

Este ainda é o maior desafio para quem entrou no mundo do podcast: fazer dinheiro. Quem produz recebe pouco dinheiro a partir das visualizações nas plataformas digitais. “O mercado de podcast ainda está aprendendo uma forma de ganhar dinheiro com esse conteúdo”, afirma Renato Bontempo, do Bicho de Goiaba. Não à toa, o acesso ao mercado publicitário facilitou a vida do Bicho de Goiaba e do B9. A parceria com marcas é, hoje, a maior fonte de receita para os estúdios de podcasts.

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A Half Deaf, agência de podcasts pertencente ao grupo publicitário GMD, nasceu há dois anos e concentrou esforços nas parcerias. “A gente já tinha especialidade em branded content”, conta Lucas Patrício, CEO da GMD. Assim foram feitos podcasts com 99Táxi e Spotify.

Mas foi um produto original, o podcast Projetos Humanos, feito por Ivan Mizanzuk, que alcançou o pioneirismo e vai se tornar uma série televisiva para o canal GNT. Por isso, a Half Deaf tenta equilibrar os conteúdos patrocinados com produções próprias. “É um momento muito verde do mercado publicitário em si”, conclui Lucas.

Criada em 2013, a Central3 é um dos mais antigos estúdios de podcasts do Brasil, mas ainda tem poucas parcerias publicitárias. “Nossa principal fonte é o aluguel do nosso estúdio”, afirma Leandro Iamin, fundador da empresa.

A Central3 produz o Xadrez Verbal, um dos podcasts mais ouvidos do País – de 65 a 80 mil downloads por episódio –, tem 28 podcasts e grava cerca de 40. Iamin conta que, quando aparece algum anúncio, algumas vezes a oferta pode cobrir o valor inteiro dos aluguéis dos estúdios. A empresa ainda possui dificuldades para gerar lucro, o que prejudica o investimento da Central3 em trabalhos maiores.

Central 3 ainda recebe mais pelo aluguel do espaço Foto: Marcio Mecca/Seppia

A projeção de Iamin para um futuro breve é um modelo de negócio mais variado: “O que eu gostaria é de conseguir consolidar publicações em série, diversificar as produções da Central 3 e consolidar como uma locatária de grandes projetos, de empresas, de pessoas e de grandes ideias. É transformar o que a gente tem de credibilidade, de respeito, em dinheiro.”

Ainda há espaço?

Pode-se pensar que quem foi esperto e se antecipou a todo mundo terá todo o sucesso para si. No entanto, João Massarolo, do Grupo de Estudos em Mídias Interativas em Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), acredita que ainda há áreas que podem ser exploradas por ser um modelo mais simples: “É um mercado com um potencial enorme. Há muitos espaços, muita coisa a ser feita. Ainda há muito assunto a ser falado.”

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A análise do professor reflete no pensamento de quem está no mercado. “A gente está numa fase que ainda é confortável essa questão de concorrência. É muito bom que tenha a entrada de grandes players porque é um formato que ainda carece de educação, de como se ouve”, afirma Carlos Merigo, do B9.

Um facilitador, para Renato Bontempo, do Bicho de Goiaba, é a maior viabilidade para montar um estúdio mais voltado para podcasts: “Em vez do estúdio de publicidade e propaganda, que tinha que ter uma estrutura mais pujante, a gravação de um podcast pode ser feita com equipamento modernos a um preço mais acessível.” Para ele, é possível montar um estúdio com equipamento voltado para podcasts com um aporte entre 8 e 10 mil reais.

“Estamos na adolescência da mídia. E, como a maioria dos criadores, estamos passando por um processo de profissionalização e valorização. Muitos produtores de destaque têm seus programas há anos e não monetizam”, afirma Kellen Bonassoli, presidente da Associação Brasileira de Podcasters (ABPod).

Ainda há a visão de que o mercado ainda não passou, de fato, pelo seu ápice. “Eu acho que a gente ainda não teve o nosso grande momento. Por enquanto, ainda é um produto de nicho. Quem ouve podcast, ama, é viciado”, afirma Branca Vianna, da Rádio Novelo. “Mas agora o que acontece é que muita gente conhece o podcast e sabe o que é.”